Uma lista incompleta que atrasou todo o processo. Elogiado internamente pela forma como tem conseguido guardar reserva sobre as suas escolhas para o Governo, o método de Luís Montenegro para a escolha de secretários de Estado voltou a criar alguns bloqueios — algo que já tinha motivado calafrios na seleção dos ministros. Convites guardados para o fim para evitar fugas de informação, a exigência do preenchimento do formulário de 36 perguntas para evitar embaraços futuros, dificuldades de recrutamento (a política, sobretudo neste contexto, deixou de ser um lugar tão atrativo) fizeram com que Montenegro chegasse à sua primeira audiência com Marcelo Rebelo de Sousa sem a equipa de secretários de Estados completa — faltavam dois elementos. O Presidente da República contemporizou e permitiu a Montenegro que fechasse o dossiê — o ‘ok‘ só foi dado pelas dez da noite, mais de três horas depois de o primeiro-ministro ter deixado Belém.
Segundo apurou o Observador, estes dois secretários de Estado ainda não se tinham ainda desvinculado devidamente do lugar de origem. É essa, pelo menos, a versão oficiosa que corre, já que, oficialmente, nem Governo, nem Presidência da República explicam o porquê deste atraso. Seja como for, durante a manhã de quinta-feira, o elenco ainda estava por fechar e assim chegou até à audiência de Montenegro com Marcelo Rebelo de Sousa — o primeiro encontro formal entre o novo primeiro-ministro e o Presidente da República em Belém, ritual que se vai repetir à quinta-feira enquanto coabitarem nas respetivas funções.
De resto, olhando para a equipa de secretários de Estado, a impressão digital de Marcelo é indelével: há três colaboradores do Presidente da República a integrar o Governo. Hélder Reis, até aqui consultor do Presidente da República para assuntos orçamentais, e que era seu assessor para o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), é o novo secretário de Estado do Desenvolvimento Regional, sob a alçada do ministro Castro Almeida, que terá como responsabilidade a gestão dos fundos europeus. Ora, atendendo aos repetidos avisos de Marcelo sobre a oportunidade única que representa este pacote de estímulos europeus, não é exagerado dizer que, com a escolha de Hélder Reis, a articulação nesta matéria será uma prioridade para o renovado eixo Belém-São Bento.
[Já saiu o sexto e último episódio de “Operação Papagaio” , o novo podcast plus do Observador com o plano mais louco para derrubar Salazar e que esteve escondido nos arquivos da PIDE 64 anos. Pode ouvir o primeiro episódio aqui, o segundo episódio aqui, o terceiro episódio aqui, o quarto episódio aqui e o quinto episódio aqui]
Também Nuno Sampaio, que até aqui era assessor para os Assuntos Políticos da Casa Civil da Presidência da República, será agora secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, fazendo parte do Ministério liderado por Paulo Rangel. A estes soma-se Inês Domingos, ainda que seja um caso ligeiramente diferente: a antiga deputada é há muito uma apoiante de Luís Montenegro, deixou o Parlamento no consulado de Rui Rio, tornou-se assessora económica de Marcelo Rebelo de Sousa e deixou de o ser, precisamente, para voltar a ser deputada — será, a partir de agora, secretária de Estado dos Assuntos Europeus, no Ministério de Rangel.
Há outro aspeto que une Inês Domingos e Nuno Sampaio: eram os dois coordenadores do Conselho Estratégico Nacional do PSD, o órgão do partido coordenado por Pedro Duarte, agora ministro dos Assuntos Parlamentares, que serviu e serve como laboratório para o desenho de propostas do PSD. João Silva Lopes (Tesouro e Finanças), Rui Armindo Freitas (Adjunto e da Presidência), Ana Isabel Xavier (Defesa Nacional), Cristina Vaz Tomé (Gestão da Saúde) e João Rui Ferreira (Economia) também fazem parte do Governo — são sete originários do CEN. Oito com Rita Júdice, que foi conhecida como ministra da Justiça.
Houve também um esforço para colocar ex-autarcas e gente com experiência no aparelho social-democrata em lugares-chave. Emídio Sousa, presidente da Câmara de Santa Maria da Feira entre 2013 e 2024, será secretário de Estado do Ambiente. Hêrnani Dias, antigo presidente da Câmara Municipal de Bragança, será secretário de Estado da Administração Local. Rui Ladeira, antigo presidente da Câmara de Vouzela, fica com as Florestas. Álvaro Castello-Branco, antigo vice-presidente da Câmara Municipal do Porto, fica com Defesa Nacional. Paulo Ribeiro, líder da distrital do PSD/Setúbal, fica com a pasta da Proteção Civil, e João Moura, presidente da distrital do PSD/Santarém, fica com a Agricultura.
Numa legislatura que se antecipa que seja de intenso combate político, salta igualmente à vista o regresso de Carlos Abreu Amorim à vida política. Ex-deputado, tendo chegado a ser vice-presidente da bancada parlamentar do PSD, afirmou-se rapidamente como um dos mais duros pontas de lança do passismo. Deixou o Parlamento em 2018, durante o reinado de Rui Rio. Volta à política para ser secretário de Estado Adjunto dos Assuntos Parlamentares, no Ministério liderado por Pedro Duarte, numa frente que passam a três cabeças: Pedro Duarte, Abreu Amorim e Hugo Soares, líder parlamentar, secretário-geral do PSD e braço direito de Montenegro.
O CDS ganha uma dimensão considerável — tem agora mais governantes (3) do que deputados (2) — e pastas políticas relevantes. Telmo Correia, um nome incontornável do CDS, aceitou ser secretário de Estado da Administração Interna mesmo depois de ter sido ministro do Turismo no passado — um movimento incomum. Álvaro Castello-Branco trabalhará diretamente com Nuno Melo na Defesa. Assim, um partido que até 9 de março não tinha sequer presença no Parlamento, passa a influenciar pastas (e processos de negociação) muito sensíveis, mas que tocam diretamente no eleitorado tradicional dos democratas-cristãos.
Olhando para quatro pastas setoriais assumidamente importantes para o Governo de Luís Montenegro (Educação, Saúde, Administração Interna e Justiça) mantém-se o padrão utilizado na escolha de ministros — pessoas que conhecem o setor, mas que estão acima das corporações, não sendo, em teoria, partes interessadas nas negociações que terão de existir.
Alexandre Homem Cristo, futuro secretário de Estado Adjunto e da Educação, um super-secretário numa pasta liderada por um economista de formação, Fernando Alexandre, é independente e foi eleito deputado nas últimas legislativas. Antes disso, tinha sido Conselheiro Nacional de Educação, assessor parlamentar, gestor de projetos de inovação educativa a nível nacional e internacional, além de investigador e comentador residente no Observador.
Na Saúde, depois da escolha de Ana Paula Martins (ex-bastonária da Ordem dos Farmacêuticos) para ministra, passa a ter Ana Povo (médica de formação, mas especializada Organização e Sistemas de Saúde) e Cristina Vaz Tomé (com MBA em gestão internacional, licenciatura em Engenharia de Gestão Industrial e administradora em empresas de comunicação social, com a RTP e Impresa).
Não sendo o nome do CDS mais associado às polícias — Nuno Magalhães, Filipe Lobo D’Ávila e João Almeida são figuras do partido que foram acompanhando o tema –, Telmo Correia, na Administração Interna, não é uma figura completamente estranha àquele universo. Não terá grandes anticorpos no setor que vai ajudar a tutelar.
As escolhas mais atípicas acabam por acontecer, novamente, na Justiça. A opção de Rita Júdice (advogada especializada em Direito Imobiliário) para o lugar de ministra foi entendida como tendo sido uma segunda escolha. Terá agora no seu Ministério Maria Clara Figueiredo, uma juíza desembargadora no tribunal da Relação, que pertenceu ao coletivo que deu uma resposta favorável às pretensões da família do homem mortalmente atropelado pelo carro de serviço de Eduardo Cabrita. Antes disso, no entanto, esteve no Tribunal de Portalegre, mais ligada ao Direito do Trabalho. Talvez mais singular é a escolha de Maria José Barros, licenciada em Direito mas com um percurso profissional ligado à administração hospitalar, como secretária de Estado da Justiça.