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Este é o quarto numa série de cinco artigos sobre Donald John Trump. Os anteriores podem ser lidos aqui:

Ideologia e carácter

As eleições americanas têm o condão de despertar paixões acesas em Portugal e noutros países da Europa. Parte dessa excitação explica-se pelo facto de os EUA serem a “nação indispensável” e de o que nela se passa e a forma como é governada afectarem todos os outros países. Outra parte deve-se ao facto de, graças à poderosa máquina mediática americana, termos assimilado parte do estilo de vida americano e de sabermos mais sobre os EUA do que sobre qualquer outro país do mundo, incluindo daquele com quem temos fronteira.

Há ainda a ponderar o facto de a política americana ser mais colorida, estridente, aparatosa e superficial, e, logo, mais atraente para as massas – ao lado das recentes convenções do Partido Republicano (em Milwaukee) e do Partido Democrata (em Chicago), os congressos e convenções dos partidos portugueses poderiam passar por um congresso dos técnicos oficiais de contas. Apesar de também a política europeia recorrer cada vez mais a agências de comunicação, de fazer campanhas cada vez mais assentes em soundbites, graçolas e acusações mútuas e não em ideologia e de os populistas europeus terem vindo a apostar no alarido e na celeuma, a política-espectáculo do Velho Continente está ainda longe do profissionalismo e eficácia da política “à americana”.

Acresce a isto o facto de, nos anos mais recentes, termos importado para a política portuguesa, quase sempre com escasso espírito crítico e nulo sentido do ridículo, as “guerras culturais” da política americana, com posições cada vez mais extremadas entre ideologias wokistas, favorecidas pelas facções políticas mais à esquerda, e anti-wokistas, que são adoptadas pelas facções políticas mais à direita (ver Há turbas de linchamento à solta na Internet, Como a “identidade” se converte em dogma e cegueira, Platão, Nietzsche e Mick Jagger: Entre guerras culturais e crises civilizacionais, O wokismo: A ideologia que nasceu na universidade para se espalhar pelo mundo, “Somos perfeitos sem ter de fazer nada”: O wokismo e as redes (ditas) sociais, “Todos os brancos são racistas”: O wokismo na América e Entre estátuas, palcos e penteados: o wokismo em Portugal).

Da conjugação destes factores resultou que, em Portugal, nas redes sociais e nas caixas de comentários dos jornais, as incidências da política americana sejam discutidas com um fervor, uma assertividade, uma intransigência e, por vezes, uma acrimónia, que poderia levar alguém mais distraído a pensar que os intervenientes seriam eleitores registados num daqueles condados em que se decidem as eleições, na Pennsylvania ou no Michigan, e não em Sacavém ou em Leça do Balio.

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A crescente polarização do debate político, nos EUA, no Brasil e nalguns países europeus, leva, amiúde, a que se passe a interpretar a riqueza multifacetada da realidade política apenas através do prisma do tribalismo ideológico, deixando de fora aspectos igualmente relevantes, como sejam o carácter dos actores políticos. No caso da presente disputa eleitoral para a presidência dos EUA, seria um erro crasso ignorar o factor carácter, uma vez que Donald Trump combina um carácter muito marcado e assaz excêntrico com uma gritante rarefacção ideológica. Como observou certeiramente o seu antigo advogado, Michael Cohen, “Donald Trump não é nada, ele não é Republicano, nem é Democrata, nem é independente. Ele é Donald Trump. Ele só se preocupa com Donald Trump, não com filiações partidárias ou valores partidários” (ver 1.º artigo desta série). Se, nos últimos dez anos, se colou à alt-right e construiu o seu discurso em torno de posições-chave do anti-wokismo, por trás da sua tagarelice belicosa e caótica não há vestígios de convicções ideológicas sólidas e profundas. São muitos os indícios de que Trump terá envergado as vestes de paladino dos valores mais conservadores da sociedade americana por mero oportunismo; com a sua compreensão intuitiva da psicologia de massas, ter-se-á apercebido de que tinha ali um vasto segmento de população que seria facilmente seduzido pelo seu estilo emproado e espalhafatoso e pela sua reputação de empresário de sucesso e de estrela da TV.

Comício de Trump em Tucson, Arizona, Março de 2016

A subordinação, na prática, da ideologia ao oportunismo é frequente na política e a figura do homem forte, de discurso “flamboyant” e postura anti-sistema, que se propõe “drenar o pântano” ou “limpar o país” goza do apreço da extrema-direita nas mais diversas geografias, nomeadamente em Portugal, onde podemos, analogamente, interrogar-nos se André Ventura acredita sinceramente nos valores que hoje defende com veemência histriónica, ou se apenas concluiu, após uma “prospecção de mercado” e uma análise fria, que era na extrema-direita que havia, em Portugal, maior potencial para uma carreira política.

Por outro lado, também os votos dos eleitores acabam por ser menos convictos, informados e ideologicamente motivados do que os ferozes debates protagonizados por políticos e activistas das redes sociais podem sugerir. A maior parte dos eleitores portugueses dá à política muito menos atenção do que à Liga dos Campeões ou ao reality show “Casados à Primeira Vista” e a opção por este ou aquele partido resulta sobretudo de motivos fúteis (“X fala muito bem”, “não posso ouvir Y”, “Z tem uma cara que não me inspira confiança”) e não da leitura e ponderação dos seus programas. A maioria dos eleitores terá dificuldade em indicar, em cada partido, outras figuras para lá do actual líder e até mesmo os que estão suficientemente empenhados na política para participarem em congressos partidários são, muitas vezes, incapazes de enunciar os eixos fundamentais da ideologia do partido e as medidas propostas no seu programa. Nos EUA o distanciamento entre as massas e a política é similar.

Foi, portanto, em torno do carácter de Donald John Trump, e não da ideologia política a que hoje surge vinculado, que foi elaborada esta série de artigos.

Um tipo muito esperto

Um dos aspectos mais evidentes e reveladoras da personalidade de Donald Trump é a sua necessidade de, nas mais variadas circunstâncias, proclamar o seu génio.

● Abril de 2011, entrevista com Piers Morgan, CNN:

“Sempre disse às pessoas, sabe, sou um tipo muito esperto. Tive boas notas. Eu era tudo isto, fui para a melhor universidade: A Wharton School of Finance, que, para mim, é a melhor escola de gestão [business school]”.

● Março de 2016, no programa Morning Joe, na MSNBC, quando interrogado sobre com quem se aconselhava no que respeita a relações internacionais:

“Falo comigo, em primeiro lugar, porque tenho um cérebro muito bom e tenho dito muitas coisas. […] Sei o que faço e ouço muitas pessoas, falo com muitas pessoas e, quando a altura for apropriada, dir-lhe-ei quem são essas pessoas. Mas falo com muitas pessoas. O meu principal conselheiro sou eu mesmo e tenho, sabe, tenho um bom instinto para estas coisas”.

● Abril de 2016, evento de campanha, Trump Tower:

“Andei nas melhores escolas, sou, tipo, uma pessoa muito inteligente. Irei representar o nosso país com dignidade e muito bem. Não estou interessado em mudar a minha personalidade – foi ela que me trouxe até aqui”.

● Dezembro de 2016, na Fox News, explicando porque, quando entrar na Casa Branca, irá dispensar os briefings informativos diários usualmente prestados ao presidente:

“Sabe, sou, tipo, uma pessoa esperta. Não preciso que me digam a mesma coisa, pelas mesmas palavras, todos os dias, nos próximos oito anos. Poderão ser oito anos – mas oito anos. Não preciso disso. Mas digo: ‘Se alguma coisa mudar, avisem-me’”.

● Janeiro de 2017, visita ao quartel-general da CIA, Langley, Virginia:

“Sei imenso sobre West Point. Sou uma pessoa que dá muito crédito aos académicos. Na verdade, de todas as vezes que digo que tenho um tio que foi um grande professor no MIT [Massachusetts Institute of Technology] durante 35 anos e fez um trabalho tão fantástico de maneiras tão diversas, academicamente – era um génio académico – e então dizem, ‘Donald Trump é um intelectual?’ Acreditem em  mim, sou, tipo, uma pessoa esperta.”

● Fevereiro de 2017, discurso em conferência da National Sheriff’s Association, Washington DC:

“Fui um bom aluno. Compreendo coisas. Compreendo muito bem, melhor do que, penso, praticamente qualquer pessoa”.

● Janeiro de 2018, Twitter, reagindo a dúvidas sobre a sua estabilidade mental:

“Ao longo da minha vida, as minhas duas principais qualidades têm sido a estabilidade mental e ser, tipo, mesmo esperto. […] Passei de empresário de GRANDE sucesso a estrela televisiva de topo e a presidente dos EUA, na primeira tentativa. Creio que isto me qualificaria não como esperto, mas como génio… e um génio muito estável”.

● Janeiro de 2018, perante jornalistas, Camp David:

“Andei nas melhores universidades ou universidade. Andei numa… Tinha uma situação em que era muito excelente aluno, saí e fiz biliões e biliões de dólares, tornei-me num dos empresários de topo, fui para a televisão e durante dez anos fui um tremendo sucesso, como provavelmente estarão a par, concorri a presidente uma vez e ganhei”.

● 2018, conferência de imprensa:

“Penso que a imprensa me faz mais descortês do que realmente sou. As pessoas não compreendem, eu andei numa universidade da Ivy League, fui um aluno simpático, tive sucesso, sou uma pessoa muito inteligente. Penso – acredito mesmo – penso, que a imprensa cria uma imagem de Donald Trump diferente da pessoa real”.

● Abril de 2020, conferência de imprensa sobre a pandemia de covid-19, Casa Branca:

Após sugerir terapias estapafúrdias contra a covid-19, disse “Não sou um médico. Mas sou, tipo, uma pessoa que possui um bom vocês-sabem-o-quê” e apontou para a sua cabeça.

● Julho de 2021, entrevista em Mar-a-Lago:

“Antes de mais, sou uma pessoa importante [big person]. Sabem disto? O meu tio, John Trump, creio que ele esteve no MIT [Massachusetts Institute of Technology] mais tempo do que qualquer outro professor. Um homem absolutamente brilhante. Tinha imensos graus académicos. Por isso, está nos genes”.

● Setembro de 2024, comício:

“Sabem, eu faço a tecelagem. Falo de, tipo, nove coisas diferentes e todas elas se reencontram brilhantemente. E há amigos meus que são, tipo, professores de Inglês e dizem ‘É a coisa mais brilhante que alguma vez vi’. Mas as ‘fake news’, sabem o que dizem? Que eu divago. Isto não é divagar. Quando tens, o que faço é, desvio-me de um assunto e menciono outro nacozinho e depois regresso ao tema, e faço isto durante duas horas a fio e não falho a pronúncia de uma só palavra”.

● Ao longo da sua carreira, Trump tem vindo a afirmar peremptoriamente que ninguém sabe mais do que ele sobre bancos, comércio, impostos, construção civil, infra-estruturas, terrorismo islâmico, tecnologia, energias renováveis, avaliação de impacto ambiental, ambiente em geral, redes sociais, sondagens, o sistema judicial, legislação tributária, cuidados de saúde, políticas monetárias, operários da indústria siderúrgica, armas nucleares, entre outras áreas de conhecimento.

● Para coroar esta enunciação dos prodigiosos atributos intelectuais de Trump pela sua própria voz, nada melhor do que este trecho de um discurso no 71.º Al Smith Diner (um evento de angariação de fundos para fins caritativos), em Nova Iorque, em Outubro de 2016:

“A verdade é que sou uma pessoa modesta, muito modesta. É verdade. De facto, muitas pessoas dizem-me que a modéstia é talvez a minha melhor qualidade”.

Qual deles é a baleia?

A bazófia é um dos fenómenos mais fascinantes da natureza humana, pois, paradoxalmente, enraíza-se quase sempre numa profunda insegurança, que o gabarola nunca será capaz de admitir, nem sequer perante si mesmo. Embora a bazófia seja fenómeno corrente, são muito poucos os que se aproximam da gabarolice compulsiva de Donald Trump. Se as suas ufanias no que respeita aos negócios, à fé religiosa ou ao número de parceiras sexuais requerem alguma trabalho para serem desmontadas e contraditas, já as lambanças respeitantes à sua inteligência superior se autodestroem: é muito improvável que alguém que se exprime de forma tão tosca, errática e indisciplinada, não só maltratando a sintaxe como roçando a ininteligibilidade, com vocabulário tão limitado e com raciocínios tão trôpegos seja realmente muito inteligente.

A imagem que pretende projectar de “génio muito estável” esboroou-se um pouco mais quando começou a jactar-se de ter passado com distinção num teste cognitivo, proeza que, em Julho de 2020, numa entrevista à Fox News, descreveu assim:

“As primeiras perguntas são muito fáceis, as últimas são muito mais difíceis. Tipo, uma pergunta sobre memória. É, tipo, tu dizes ‘Pessoa, mulher, homem, câmara, TV’ e eles dizem ‘Pode repetir isso?’ e eu disse ‘Sim. Pessoa, mulher, homem, câmara, TV’. Na verdade não é assim tão fácil. Mas para mim foi fácil. E esta não é uma pergunta fácil. […] [Os médicos dizem] ‘É espantoso! Como consegue fazer isso?’. ‘Consigo porque eu tenho, tipo, uma boa memória, porque estou cognitivamente lá’”.

Este teste cognitivo parece ter deixado marca indelével na mente de Trump e ter-se tornado num elemento central na sua auto-imagem, uma vez que voltou a referi-lo várias vezes. Uma dessas ocasiões foi em Janeiro de 2024, num comício em Portsmouth, New Hampshire:

“Acreditem ou não, não me sinto… Sinto-me como se tivesse 35 anos. Na verdade, sinto-me melhor agora do que há 30 anos. Parece-lhes estranho? Sinto-me melhor agora. E, cognitivamente, sinto-me melhor do que há 20 anos. Não sei porquê. […] Eu disse, ‘Doutor [Ronny Jackson, então o médico da Casa Branca], devo fazer um teste cognitivo?’ Porque, a dada altura andavam a dizer ‘Este fulano é de tal modo brilhante e quer conquistar o mundo no dia seguinte’ e isto não estava a funcionar, ‘Este fulano é, tipo, incrível, o trabalho que ele está a fazer. Temos de pará-lo’. E depois disseram, ‘Este é um dos seres humanos mais estúpidos de sempre’. E esta estava a funcionar, mas eu já não gostava tanto, quero dizer, era mau. […] Eu disse [ao médico] ‘Eu sou bom em testes. Então, como é?’ e ele disse, ‘Bem, o problema é que, sabe, as pessoas vão saber e se tiver um mau resultado não é uma coisa particularmente boa. […] Eu disse ‘Tenho de fazê-lo, tenho de calá-los’. E fiz o teste e passei com distinção. Creio que eram 35, 30 perguntas. E deixem-me dizer-lhes, sabem, mostram sempre a primeira, tipo, uma girafa, um tigre e isto e aquilo, uma baleia. Bem, qual deles é a baleia? OK e isto continua por três ou quatro e depois torna-se mais difícil e mais difícil e mais difícil”.

O que é mais patético nestas farroncas é que Trump parece estar convencido de que o teste se destinava a avaliar níveis superiores de inteligência, quando, pela descrição que dele faz, se percebe que se trataria de um teste muito básico, destinado a avaliar se a pessoa em questão está a entrar em declínio cognitivo ou sofre da doença de Alzheimer. Provavelmente foi o teste conhecido como Montreal Cognitive Assessment (MoCA) ou um seu análogo. O MoCA consiste em 30 perguntas que avaliam a memória de curto prazo, a capacidade de concentração, a fluência na linguagem, etc. e é usualmente completado em dez minutos; entre as tarefas pedidas estão copiar o desenho de um cubo (em perspectiva), desenhar a posição dos ponteiros de um relógio nas 11:10, identificar um leão, um rinoceronte e um camelo e indicar a data actual e o local onde se encontra. Em síntese; o teste não se destina a filtrar candidatos a admitir num curso de física de partículas no MIT, mas a identificar quem deveria ingressar numa casa de repouso.

Página do teste Montreal Cognitive Assessment

O mais tudo

Para lá das reivindicações de excepcionalidade no domínio intelectual, Trump também não perde uma oportunidade para alardear triunfos esmagadores no domínio material. Tudo aquilo que possui, comercializa ou organiza é superlativo, colossal, inaudito, motivo de pasmo e inveja. Veja-se, por exemplo, o que disse numa entrevista com os jornalistas Carol Leonnig e Philip Rucker, que o visitaram na sua mansão de Mar-a-Lago, em 2021: “É a maior, a melhor, a que tem maior área, a mais tudo. O oceano, o lago, confina com ambos. Mar-a-Lago, do-oceano-ao-lago. Sabiam disso? Mar-a-Lago, do-oceano-ao-lago. É o único lugar. Estão a ver aquela janela? Aquela janela quando foi construída, tinha o maior vidro do mundo, OK?” (in I alone can fix it: Donald J. Trump’s catastrophic final year, 2021).

Mar-a-Lago, a mais tudo

Poderá alegar-se que, embora não existam indícios de que Trump seja um pensador profundo e sofisticado, ao menos deu provas de talento no domínio empresarial. Ele próprio é, claro, o primeiro a realçar a sua invulgar aptidão para multiplicar dinheiro: “O meu pai fez-me um pequeno empréstimo em 1975 e eu transformei-o numa empresa que vale muitos, muitos milhares de milhões de dólares”. Noutra ocasião, Trump precisou que o “pequeno empréstimo” que lhe fora feito pelo pai, o magnata imobiliário Fred Trump, fora de um milhão de dólares, quantia modesta, admitamos, quando comparada com a imponência da Trump Organization, que, para lá das actividades no ramo imobiliário, é possuidora de 16 campos de golfe, vinhas, uma rede de hotéis e a plataforma da internet Truth Social, já geriu ringues de patinagem e uma rede de casinos, produziu programas de televisão, organizou concursos de beleza, e comercializa (ou já comercializou) vestuário, acessórios de moda, joalharia, relógios, perfumes, livros e revistas, serviços financeiros, jogos de tabuleiro e produtos alimentares e bebidas (incluindo as marcas Trump Burger, Trump Chocolate, Trump Steaks e Trump Vodka).

O Império Trump é também um Império da Possidonice: todos os vidros exteriores do Trump International Hotel, em Las Vegas, são folheados a ouro

Porém, uma investigação do The New York Times, que analisou 10.000 páginas de documentos financeiros relativos à família Trump, revelou que a quantia total que transitou do império de Fred Trump para as mãos de Donald Trump foi de cerca de 200 milhões de dólares (mais de 400 milhões a preços actuais). Esta quantia, as ardilosas manobras das equipas de advogados e contabilistas da Trump Organization e a prática (que deu origem a um processo judicial em curso) de subvalorizar substancialmente os seus activos quando está em causa a cobrança de impostos e de sobrevalorizá-los substancialmente quando está em causa a obtenção de empréstimos bancários, têm permitido manter a fachada do império Trump, ainda que muitos dos seus empreendimentos anunciados com estardalhaço tenham acabado por falir ou extinguir-se envoltos em dívidas e acusações de fraude. Na verdade, o seu único negócio francamente lucrativo parece ter sido o reality show The Apprentice.

Na “compilação-remix” The beautiful poetry of Donald Trump, montada por Robert Sears a partir de fragmentos de discursos e posts de Trump (ver Donald Trump pelas suas próprias palavras), há um “poema” que sintetiza o afã de auto-elogio de Trump em cinco linhas: “I am the best/ I predicted Apple’s stock would fall/ I will build a great, great wall/ I build buildings that are 94 stories tall/ My hands – are they small?”, ou, numa tradução deslustrada pela perda da rima, “Sou o melhor/ Previ que as acções da Apple iriam cair/ Vou construir um grande, grande muro/ Construo prédios com 94 andares/ As minhas mãos – são pequenas?”.

O triunfo do narcisismo

O narcisismo é uma perturbação da personalidade a que a sociedade actual presta pouca atenção e sobre a qual não exerce censura social significativa (pelo menos no Ocidente), pois 1) Tem raízes profundas na natureza humana; 2) Está amplamente difundida; 3) Confunde-se com a “auto-estima”, que muitos psicólogos e gurus-filósofos e uma legião de manuais de “desenvolvimento pessoal” garantem que é benéfica e deve ser fomentada; 4) Manifesta-se com exuberância na maior parte das figuras proeminentes dos mundos da política, das empresas, das competições desportivas, das artes & letras e do entretenimento, muitas das quais gozam de um reconhecimento e apreço pelas massas que, nalguns casos, raia a idolatria (ver capítulo “O que vem a ser uma “boa conversa?” em Mariano Sigman e a arte da conversa de treta).

Narciso contempla o seu reflexo na fonte, por Jan Roos (c.1591-1638)

A atitude perante o narcisismo não é igual em todas as culturas: se nos EUA há muito que reina a aceitação ou a ausência de reprovação social, no Japão, por exemplo, a sociedade tende a reprimir o individualismo e a gabarolice e a promover o kenkyo (humildade, modéstia). Porém, após o término da II Guerra Mundial, o poderio económico e mediático-propagandístico dos EUA conseguiu impor – mais pela sedução do que pela força ou intimidação – o seu lifestyle a quase todo o mundo, não só nas suas componentes materiais e nos hábitos de consumo, como na sua atitude perante a vida, nomeadamente no que respeita à veneração do sucesso e ao culto da notoriedade (ver capítulo “Enviesamentos e omissões em O crisântemo e a espada” em Dos samurai aos pokémon: De que é feita a identidade japonesa?).

Como se a rendição do mundo a estas idiossincrasias americanas não fosse já suficientemente nefasta, a Internet e, em particular, as redes (ditas) sociais tornaram a fanfarronice numa segunda natureza para uma parte apreciável da população mundial, que passa hoje várias horas por dia a disputar a atenção dos seus pares e a tentar persuadir o resto da humanidade de que possui atributos excepcionais e vive uma vida invejável, recheada de requintes só acessíveis a connoisseurs e de experiências excitantes, só acessíveis aos mais endinheirados (férias e restaurantes no Instagram) ou aos mais destemidos (“desafios” e estroinices no TikTok). Pode mesmo dizer-se que nenhuma inovação tecnológica fez tanto pelo alastramento da pandemia de narcisismo como as redes (ditas) sociais – a que seria mais apropriado chamar “redes umbilicais”, já que o seu propósito último não é o estreitamento de laços entre pessoas, é a exaltação do umbigo de cada um (ver A filosofia da Antiguidade tem alguma utilidade no século XXI?).

Narciso, por Michelangelo da Caravaggio, c.1600

Como seria de esperar de um homem obcecado com sucesso e notoriedade, Donald Trump já produziu pensamento sobre o assunto: “Mostrem-me alguém sem ego e eu mostrar-lhes-ei um falhado [loser]. Possuir um ego saudável ou uma opinião elevada sobre si mesmo é um factor positivo na vida!”, escreveu ele no Twitter, a 19.07.2012.

Os virologistas e epidemiologistas costumavam levar as mãos a cabeça quando Trump atirava ao ar sugestões para combater a covid-19, mas os psicólogos sociais sentir-se-iam, provavelmente, inclinados a concordar genericamente com a ideia central deste tweet. O papel do amor-próprio [ou auto-estima, como passou a dizer-se em Portugal por influência anglo-saxónica] e da autoconfiança na realização pessoal, a sua percepção pelos outros e as implicações para a sociedade há muito que são objecto de investigação científica e, no artigo “Is high self-esteem beneficial? Revisiting a classic question” (publicado no número de Janeiro de 2022 da revista American Psychology), Ulrich Orth e Richard W. Robins propuseram-se examinar o “volumoso corpo de investigação (incluindo várias meta-análises) que examina as consequências do amor-próprio em vários domínios importantes da vida: relações, escola, trabalho, saúde mental, saúde física e comportamento anti-social”. Orth & Robins concluíram que “em geral, os resultados sugerem que o amor-próprio é benéfico em todos estes domínios e que estes benefícios persistem independentemente da idade, género e raça/etnia”, pelo que “as intervenções destinadas a potenciar o amor-próprio poderão, se adequadamente concebidas e implementadas, beneficiar os indivíduos e a sociedade como um todo”.

Tal afirmação suscita várias interrogações fundamentais: por exemplo, como estabelecer a quantidade “adequada” de amor-próprio? Onde traçar a fronteira entre amor-próprio “saudável” e narcisismo? Como distinguir alguém que se ilude a si mesmo sobre as suas capacidades mas não causa dano aos outros, de alguém que alardeia capacidades excepcionais para deliberadamente defraudar e suplantar os outros?

Se o amor-próprio exacerbado pode ajudar os indivíduos que o possuem a singrar na vida, mas essas conquistas são logradas à custa do “atropelo” ou do ludíbrio dos seus semelhantes, é duvidoso que a promoção do amor-próprio seja benéfica para a sociedade como um todo. Há também que considerar que o caminho para o sucesso obedece a regras diferentes consoante o campo de actividade: por exemplo, um futebolista sem talento pode possuir quantidades colossais de amor-próprio, mas nunca passará da cepa torta. Já nas actividades artísticas/criativas, que são apreciadas por critérios subjectivos, um amor-próprio transbordante pode suprir a falta de talento, como (a talentosa) Sophia Loren, deixou claro: “Vencer numa profissão difícil exige uma fé feroz em nós próprios. É por isso que alguns medíocres vão mais longe do que pessoas com muito talento”. Os mundos da trash TV, dos YouTubers e dos influencers são casos flagrantes em que o talento é de pouca relevância e a “fé feroz em nós próprios” abre portas, move montanhas e conquista audiências; é um meio em que a notoriedade não decorre de uma capacidade ou atributo, inato, treinado ou herdado, é-se famoso simplesmente por se se ter alcançado a fama. Neste ponto, vale a pena lembrar que foi na reality TV que Trump angariou boa parte da popularidade que lhe permitiu uma entrada de rompante na política.

Se há coisa que não falta a Trump é “uma fé feroz em si próprio”, como opina Cliff Sims, que trabalhou muito de perto com ele na Casa Branca (ver Donald Trump pelas palavras dos seus colaboradores mais próximos): “Trump acredita que só ele, pela simples força de vontade, é capaz de resolver alguns problemas” (in Team of vipers: My 500 extraordinary days in Trump White House, 2019).

“Let’s go Brandon”, por Jon McNaughton

A armadilha do narcisismo

O narcisismo pode funcionar como um dínamo interior, pode conferir vantagem num meio fortemente competitivo, pode ser meio caminho andado para o sucesso, mas também encerra perigos. Entre eles está o bloqueio da maturação intelectual, da aquisição de conhecimentos e da elaboração de uma mundividência sólida, congruente e dinâmica. Se já somos perfeitos, que necessidade haveria de mudar seja o que for em nós? Se somos o centro do sistema solar, o que poderíamos ganhar em conhecer as perspectivas dos planetóides que orbitam na nossa periferia? Se somos “o fulano mais esperto na sala”, como poderiam as opiniões alheias alterar os nossos juízos e s nossas decisões? Se já temos a convicção de sermos especialistas em todos os assuntos, que sentido faria gastarmos tempo a estudar qualquer assunto com profundidade? Se com duas ou três lérias enunciadas em tom assertivo conseguimos intimidar os outros e fazer prevalecer a nossa opinião, por que razão deveríamos aperfeiçoar as nossas capacidades de raciocínio e argumentação?

Sendo o assunto as relações com a China, Trump dispensa ouvir o conselho de diplomatas, especialistas em política internacional e sinólogos: “Li centenas de livros sobre a China ao longo das décadas. Conheço os chineses. Fiz muito dinheiro com os chineses. Compreendo a mente chinesa”.

Donald Trump, Xi Jinping e respectivas esposas, numa visita à China, em 2017

Sendo o assunto a covid-19, Trump, embora tendo a seu lado alguns dos mais experientes virologistas e epidemiologistas, não se coíbe de propor tratamentos tão heterodoxos como iluminar (interiormente) o corpo do paciente com uma luz muito forte, a injecção de desinfectante ou a toma profiláctica de hidroxicloroquina (um desparasitante sem qualquer efeito comprovado sobre o SARS-CoV-2).

Sendo o assunto a mitigação dos danos causados por furacões cada vez mais frequentes e intensos, Trump, em vez de dar crédito aos climatologistas e reconhecer os efeitos negativos das alterações climáticas de origem antropogénica, sugere que se inactivem os furacões lançando sobre eles bombas nucleares antes que cheguem à costa americana.

O narcisismo encerra a mente num casulo de auto-suficiência e arrogância intelectual que se vai tornando mais espesso e impermeável com o passar do tempo e que condena o narcisista à superficialidade do conhecimento e à imaturidade das emoções. As atitudes de Trump são as de um rapazola de 14 anos, mimado, petulante e habituado a ver satisfeitos todos os seus caprichos, e as suas prelecções e observações abrangem todos os temas imagináveis; todavia, sobre todos esses temas só tem a dizer banalidades, tautologias ou tolices, para mais enunciadas num registo hiperbólico e tremendista, com uma sintaxe estropiada e um vocabulário muito limitado, seguindo uma trajectória ziguezagueante e imprevisível e entremeada por uma mão-cheia de obsessões e ditos “espirituosos”, incessantemente repetidos. O narcisista patológico é uma criatura paradoxal: a sua soberba nada tem que a sustente, a sua agitação frenética é vã e no centro do seu ego hipertrofiado, que projecta metástases em todas as direcções, não existe uma personalidade sofisticada e cativante mas um aterrador vazio.

Veja-se o que respondeu Trump, numa entrevista ao Lex Fridman Podcast, em Setembro de 2024, à pergunta “O que mais respeita nas pessoas com inclinações de esquerda?”: “Respeito o facto de estarem todos lá dentro e, sabe, a vida é, até certo ponto, o que fazes enquanto esperas pela morte, por isso é melhor que faças um bom trabalho”. E à pergunta “Quão frequentemente pensa na sua morte?”: “Se és religioso tens, acho, uma melhor disposição em relação a ela, pois é suposto que vás para o céu, idealmente não o inferno, é suposto que vás para o céu, se foste bom”. E recorde-se uma entrevista à Fox News, em Junho de 2024 (ver Donald Trump pelas suas próprias palavras), em que à pergunta “Qual é a sua relação com Deus?”, Trump responde “Creio que é boa” e logo começa a bazofiar-se de quão adorado é pelos cristãos e de como estes rezam fervorosamente por si – sobre Deus e sobre a sua própria religiosidade, nem uma palavra.

“Did you think to pray”, por Jon McNaughton

Pode um narcisista deixar de o ser?

O narcisista patológico é incorrigível. A correcção requer, antes de mais, que se reconheçam erros e falhas. Ora, como pode alguém que se imagina o supra-sumo admitir uma falha? Apontar um deslize ou uma debilidade a um narcisista fará com que, de imediato, acorram às muralhas todos os soldados disponíveis, para crivar o atrevido de flechas e chuços e regá-lo com azeite a ferver. Os narcisistas patológicos podem desbaratar imenso tempo e energia em fanfarronices, paradas e ostentações, mas quando se sentem ameaçados, todas as forças e recursos são mobilizados para defender a cidadela do ego. Mesmo que a pressão exterior o leve a reexaminar as suas palavras, actos e obras, a maquinaria mental do narcisista patológico irá, automaticamente, rearranjar e reescrever o passado, de forma a que a sua conduta surja justificada, legítima, imaculada, acima de qualquer reparo (“Tivemos o que penso ter sido um bom telefonema” – assim descreveu Trump a conversação telefónica de 25.07.2019 com o presidente da Ucrânia em que tentou chantagear este para obter material incriminatório contra o filho de Joe Biden, em troca do desbloqueio da ajuda militar americana à Ucrânia).

Os presidentes da Ucrânia e dos EUA num encontro em Nova Iorque, 25.09.2019

E mesmo que se veja obrigado a admitir que esteve envolvido, de algum modo, em eventos lamentáveis, o narcisista patológico irá atribuir a culpa a outrem. As manobras de Trump para subverter as eleições presidenciais de 2020 e impedir a transição pacífica do poder para Joe Biden são, aos seus olhos, perfeitamente legítimas: sendo ele o mais amado dos políticos americanos (vivos e mortos), como poderia a vitória ter-lhe escapado, para mais contra um candidato insignificante e alquebrado? Só a trapaça pode explicá-lo. E se, intermitentemente, Trump admite, a contragosto, que a 6 de Janeiro de 2021 aconteceram coisas reprováveis dentro e à volta do Capitólio, recusa terminantemente admitir qualquer responsabilidade no sucedido: “Não tive nada a ver com isso, apenas fui convidado para fazer um discurso. Apareci lá para fazer um discurso. […] O comício não foi organizado por mim, foi organizado por outros. […] [Os tumultos] nunca teriam acontecido se Nancy Pelosi e o mayor de Washington tivessem feito o seu trabalho. Eu não era responsável pela segurança. Nancy Pelosi é que era responsável. Ela não fez o que lhe competia” (debate com Kamala Harris, 10.09.2024).

Também as acusações de violação e abuso sexual de diversas mulheres são absurdas: sendo Trump o homem mais atraente, charmoso e sexy do mundo, todas as mulheres do mundo estão ansiosas por ir para a cama com ele, portanto todo o sexo com Trump é, necessariamente, não só consentido como desejado.

Igualmente infundadas são as acusações de fraude contra a Trump Organization: Trump é um negociador nato, um empresário visionário, o Rei Midas do nosso tempo, não precisa de recorrer a vigarices para singrar – e se, eventualmente, paga de impostos uma soma irrisória quando comparada com a sua fortuna e rendimentos, é porque é esperto e sabe aproveitar as oportunidades.

Portanto, é provável que, quando Trump se queixa amargamente de que é o homem mais injustiçado e perseguido da História e se compara com Jesus e Aleksey Navalny, há pelo menos uma parte da sua mente deformada pelo narcisismo que acredita verdadeiramente nisso. O narcisista patológico nunca conseguirá compreender o abismo que o separa dos heróis e mártires com que gosta de cotejar-se: ele até poderá ter a coragem física necessária, mas será sempre um cobarde intelectual.

“Obrigado, foi uma excelente pergunta”

Numa sessão de campanha de Trump no Economic Club, em Nova Iorque, a 05.09.2024, um elemento da instituição, Reshma Saujani, após uma introdução circunstanciada, em que realça quão elevada é hoje a despesa das famílias americanas com creches, fez a Trump uma pergunta muito clara e objectiva: “Se vencer em Novembro, compromete-se a dar prioridade a legislação que torne as creches acessíveis, e, em caso afirmativo, que instrumento legislativo específico irá propor?”.

Trump respondeu: “Bem, eu faria isso e nós estamos sentados, sabe, eu era, alguém, nós tínhamos, o senador Marco Rubio e a minha filha Ivanka, foram de grande impacto nesse assunto, é um assunto muito importante, mas penso que quando fala do tipo de números de que eu estou a falar, isso, porque, repare, as creches são creches, não podia, sabe, há uma coisa, temos de ter isso neste país, temos de ter isso, mas quando me fala desses números, comparados com o tipo de números de que eu estou a falar, por impor tarifas às nações estrangeiras a níveis a que eles não estão habituados, mas habituar-se-ão muito rapidamente e não vai impedi-los de continuarem a fazer negócios connosco, mas eles terão uma tarifa muito substancial quando enviarem produto para o nosso país, esses números são muito maiores do que qualquer número de que estamos a falar, incluindo as creches, e vai tomar conta disso, vamos ter, estou a contar não ter deficits num período de tempo muito breve, acoplados às reduções de que vos falei sobre desperdício e fraude e todas as outras coisas que estão a acontecer no nosso país, porque tenho de ficar-me pelas creches, quero ficar-me pelas creches, mas esses números são relativamente pequenos em relação ao tipo de números económicos de que eu estou a falar, incluindo crescimento, mas o crescimento também é liderado por o que o plano é, de que eu acabei de falar, nós vamos arrecadar biliões de dólares e por muito que se diga por aí que as creches são caras, é, em termos relativos, não muito caro quando comparado com o tipo de números que iremos receber, vamos fazer deste um país acessível, que é capaz de cuidar das suas pessoas e então poderemos preocupar-nos com o resto do mundo, vamos ajudar outras pessoas, mas vamos primeiro tomar conta do nosso país, isto é sobre a América Primeiro, é sobre fazer a América grande outra vez, temos de o fazer porque, neste momento, somos uma nação em colapso, por isso vamos tratar disso, obrigado, foi uma excelente pergunta, obrigado.”

“Saving a generation”, por Jon McNaughton

É legítimo e natural que diferentes candidatos e partidos não estejam de acordo sobre qual deverá ser o papel do Estado no apoio à infância e debatam se a política de tarifas aduaneiras deverá privilegiar o comércio livre ou o proteccionismo, mas não só não existe a mais remota ligação entre os dois assuntos, como a resposta de Trump é um emaranhado tão inane que acaba por pôr a nu a incapacidade para articular ideias, a ausência de pensamento político e de uma ideia para o país e o olímpico alheamento dos problemas reais dos americanos – para Trump, a política é meramente um meio para conquistar poder e satisfazer o seu ego.

Pouco depois da sessão, Reshma Saujani, a autora da pergunta que desencadeou a logorreia de Trump, declarou aos media, que considerou a resposta “insultuosa” e um “sinal claro” de que ele não era qualificado para o cargo presidencial. Já alguns media de referência americanos fizeram leitura bem diferente. A Associated Press sintetizou o evento assim: “Num importante discurso sobre economia, Trump sugeriu que as taxas aduaneiras podem resolver o aumento do custo das creches”. Uma jornalista da Fox News descobriu um “novo Donald Trump”, descreveu a sua intervenção como sendo “muito orientada para políticas” e ficou agradada com a forma como “esta versão do ex-presidente explicou às pessoas ideias que são difíceis de esmiuçar”; um colega seu concordou e confessou: “Fiquei impressionado”. Nem a Associated Press nem a Fox News estavam a ser irónicas. Talvez a tão falada crise da democracia americana seja também uma crise do jornalismo.