Terça-feira, dia 30 de julho de 2019. 14 dias antes da anunciada greve dos motoristas de matérias perigosas e de mercadorias. A ideia é seguir o conselho do ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, e “começar a precaver-nos, em vez de esperarmos pelo dia 12“, até porque essa é uma semana difícil: apanha o dia 15, em que muita gente vai ou volta de férias, e uma possível ponte com o feriado de quinta-feira.
Para começar, fomos à procura de jerricãs para guardar combustível. Mas não fomos os únicos a pensar da mesma forma. Só à sétima loja encontrámos um recipiente apropriado. Até ali chegarmos a resposta foi sempre a mesma: “Estão esgotados” ou “Já não temos”.
Com o jerricã comprado e abastecido (para já, sem problemas), surgiram as perguntas relacionadas com a segurança: Posso armazená-lo no carro? Na garagem ou na arrecadação? E posso optar por recipientes até quantos litros? As regras são as mesmas? As respostas foram difíceis de obter e, em muitos casos, contraditórias. Contactámos diversas entidades que nos foram reencaminhando para a entidade seguinte, num autêntico loop.
A Autoridade Nacional de Proteção Civil remeteu uma resposta, numa primeira fase, para a Entidade Nacional para o Setor Energético (ENSE), que, por sua vez, nos informou de que “não pode, nem deve (estatutariamente), responder” às perguntas colocadas pelo Observador porque “o transporte de combustíveis, no que às respetivas regras de transporte e acondicionamento dizem respeito, é da competência exclusiva do IMT [Instituto da Mobilidade e dos Transportes]”. Contactado, o IMT não respondeu em tempo útil às questões.
Já “o armazenamento é da competência da DGEG [Direção-Geral de Energia e Geologia]”. Como esta entidade é tutelada pelo ministério do Ambiente, contactámos a tutela, que remeteu as questões, precisamente… para a DGEG.
Das respostas conseguidas vieram algumas curiosidades: sabia, por exemplo, que se não quer ter de pagar um imposto adicional apenas pode transportar até 10 litros de combustível no carro (e em recipientes adequados)?
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E se a GNR mandar parar numa operação STOP (ação tão comum em tempos de férias) com um jerricã cheio na bagageira? Quais as coimas aplicadas? A própria força militar tem muitas dúvidas, pediu dois dias para responder.
Dos postos locais da GNR vieram, aliás, respostas contraditórias. Um militar começou por garantir que iria procurar uma resposta junto dos colegas da divisão de trânsito. Poucos minutos depois, dizia-nos que não era “aconselhável” ter mais de 60 litros num jerricã no carro. Sugeriu que guardássemos a fatura para comprovar onde tínhamos comprado o combustível, e que, se o armazenássemos em casa, tivéssemos em atenção a temperatura ou a exposição solar. O recipiente teria, por isso, de ser adequado. “Não pode ser um garrafão de água.”
Um outro militar, desta vez já de um destacamento de trânsito, afirmou que podíamos guardar até 1.000 litros de combustível, desde que num recipiente certificado, no carro ou em casa. Um outro apelou ao “bom senso”, mas referiu que, a partir de cerca de 100 litros, já seria necessária uma autorização específica. Já um quartel de bombeiros disse que o combustível não pode ser armazenado em casa.
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A Proteção Civil esclareceria mais tarde (já com algumas respostas) que o armazenamento de líquidos e de gases combustíveis à revelia da lei é punível com uma coima que vai dos 275 euros até 2.750 euros, no caso de pessoas singulares, ou até 27.500 euros, no caso de pessoas coletivas.
Já a Associação Portuguesa de Segurança (APSEI) “desaconselha fortemente” os portugueses a transportar combustíveis, alertando, numa resposta ao Observador, para o risco de inflamação, que aumenta com o calor.
“É a febre dos combustíveis”. Stocks de jerricãs “têm estado a esgotar rapidamente”
Afinal, como podem os portugueses preparar-se para uma eventual greve de combustíveis e, nas palavras de Pedro Nuno Santos, “abastecer para enfrentar com maior segurança o que vier a acontecer”? Além da solução mais óbvia — encher o depósito do carro — procurámos alternativas para os dias da greve. Primeiro o armazenamento — e encontrar, comprar e abastecer, em segurança, um jerricã. Da teoria à prática, foram mais de 2h30.
A primeira paragem foi num hipermercado de uma das superfícies mais movimentadas de Lisboa, o Centro Comercial Colombo, pouco depois das 10 horas da manhã. Após algumas voltas aos corredores de produtos automóveis… jerricãs, nem vê-los. Um funcionário esclareceu: “Já não temos. Com isto da greve as pessoas ficaram com medo e esgotou”, referiu. Nesta loja, quando os há, os jerricãs à venda podem levar até 5 litros de combustível, mas, na terça-feira, não havia previsão sobre quando seria reposto o stock. Custam entre 9 a 10 euros.
Em resposta por escrito ao Observador, fonte oficial do Continente afirmou que se verifica “um ligeiro aumento na procura/compra por artigos como jerricãs”, mas frisou que, “de forma genérica, não se registam alterações significativas no comportamento dos consumidores em loja”.
No AKI começámos a perceber que encontrar um simples jerricã não seria, afinal, tarefa tão fácil quanto inicialmente pensámos. “Está esgotado há 3 meses”, informou também um funcionário. “É a febre dos combustíveis”, rematou. Recomendou uma ida à Norauto [loja especializada em artigos para automóveis].
Na zona comercial de Alfragide, a pouco mais de 5 km do Colombo, a resposta foi a mesma no Leroy Merlin, na tal Norauto e na Feu Vert, estas últimas de produtos automóveis. “Têm esgotado no próprio dia. Com isto dos combustíveis…”, informou um funcionário da Leroy Merlin. Ali, os stocks deste produto são repostos a cada semana e meia e chegam cerca de 30 jerricãs de cada vez. A próxima leva deve chegar no final da próxima semana.
Nas prateleiras há várias opções de tamanho e preço — de 10, 20 e 30 litros a, respetivamente, 9,49, 14,99 e 17,99 euros. O único disponível era um recipiente com capacidade de 30 litros a quase 30 euros. Mas talvez não seja boa ideia comprar.
“Quer para combustível, não é? Esse não dá, é para água. Se levar esse a uma bomba de gasolina, e eles virem, não deixam encher. O combustível, a longo prazo, vai furar o recipiente“, avisou o funcionário, alertando que os jerricãs adequados têm sempre o símbolo de substância inflamável. OK, confirma-se o aviso do militar da GNR. Garrafões de água vazios são mesmo perigosos para o transporte de combustíveis.
Verificado no sistema se outras lojas daquela cadeia de construção e bricolage na zona de Lisboa teriam os procurados jerricãs, continuámos sem sorte. Esta terça-feira pelas 11h30 da manhã, só em Coimbra, Loulé, Aveiro e Guimarães.
Na Norauto, a poucos metros da tentativa anterior, também não existiam. “Só vamos receber hoje [terça-feira] ao final do dia”, adiantou uma funcionária, avisando que “a afluência tem sido muito grande”. No Jumbo ao lado, a mensagem foi semelhante.
“– Têm jerricãs?
— Se tivermos é na secção automóvel.
[o funcionário leva-nos até lá e aponta para a prateleira, vazia no local onde estariam os recipientes de 5 e 10 litros]
— Aqui não temos. Mas deixe-me ver no armazém.
[Volta poucos minutos depois]
— Também não temos.
— Sabe quando voltam a receber?
— Pedimos 24 embalagens no sábado, devem chegar na sexta-feira.
— Se eu vier no próximo sábado, acha que ainda tenho?
— É melhor vir na sexta, por volta desta hora [meio-dia]. Têm estado a esgotar rapidamente.”
Antes de deixarmos Alfragide passámos por uma Feu Vert. Mas também aí o stock estava esgotado, tendo os funcionários encomendado já 50 jerricãs, de entre 5 a 20 litros. “Se eles vierem na quarta-feira e você na sexta, já não terá”, sublinhou a funcionária.
Duas horas depois, sem recipientes comprados após seis tentativas e mais de duas horas “às compras”, uma última paragem resultou: uma bomba de gasolina na Segunda Circular. A prateleira dos jerricãs estava vazia, mas à pergunta “Têm esgotado rapidamente?”, a resposta não foi derrotista: “Nem por isso. Costumamos ter sempre aí algum.” Perto de entrar no carro de mãos a abanar, o mesmo funcionário veio a correr avisar que, afinal, ainda tinha stock no armazém. “Realmente achei estranho já não termos e fui verificar no sistema. Temos vários”, disse-nos. E nas mãos trazia logo quatro.
Escolhemos um recipiente de 5 litros (a 11,75 euros, o dobro do preço que encontraríamos, por exemplo, no Jumbo), fabricado em Itália, e com o símbolo de material inflamável e fomos abastecer com gasolina 95. Ao todo, a conta ficou por 20,25 euros.
No rótulo estava também outro símbolo: “UN Approved” (aprovado pela Organização das Nações Unidas — ONU). Ou seja, aquele jerricã passou pelo crivo de segurança da ONU. Está, portanto, devidamente certificado e é seguro.
Nas indicações de utilização, lê-se ainda: “Em caso de muito calor, não encher o bidão mais do que 3/4 da sua capacidade. Não colocar perto de uma fonte de calor.”
E online, qual seriam as ofertas de uma embalagem segura para guardar combustível antes da greve de dia 12? No OLX, há quem venda jerricãs de 20 litros por 1 euro — sem que seja possível, por exemplo, conferir se é não próprio para substâncias inflamáveis, logo, se é ou não seguro. Os mais caros encontrados foram jerricãs metálicos (para uso militar) — um desses pode chegar, nesta plataforma, aos 100 euros, segundo os anúncios consultados esta quarta-feira. Além desses, estão para venda jerricãs por 5, 10 ou 15 euros de vários tamanhos. É, porém, preciso ter em conta se estão ou não habilitados para um transporte seguro. O que não é possível garantir.
E agora, onde podemos guardar o jerricã abastecido de forma segura?
Na garagem ou nas arrecadações? Depende do combustível
Já com um jerricã cheio, altura para voltar aos contactos sobre várias questões de segurança, nomeadamente como guardar ou transportar combustível. Nas garagens dos prédios só podem ser colocados veículos e respetivos reboques, segundo informação solicitada pelo Observador à Loja do Condomínio, uma empresa especializada em gestão de condomínios. Assim, nas garagens, não é permitido armazenar combustível — nem gasolina, nem gasóleo.
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Nas arrecadações de condomínio as regras são um pouco diferentes. Aí, é “proibido armazenar líquidos combustíveis cujo ponto de inflamação seja inferior a 21º C (como, por exemplo, o etanol, o álcool etílico, a gasolina e o benzeno) bem como líquidos combustíveis cujo ponto de inflamação esteja compreendido entre 21º e 55º C em quantidades superiores a 10 litros (como aguarrás e aguardente) e ainda líquidos combustíveis cujo ponto de inflamação seja superior a 55ºC, em quantidade superior a 20 litros (como no caso do gasóleo e do óleo de travões)”.
Ou seja: não é possível armazenar gasolina, mas pode guardar gasóleo até 20 litros (porque o ponto de inflamação deste combustível é mais alto). Estas regras fazem parte do Regulamento Técnico de Segurança contra Incêndio em Edifícios, publicado em Diário da República no final de 2008 (artigo 209.º). Ainda assim, para efeitos de segurança, “no núcleo de arrecadações deve existir iluminação de emergência, sinalização, sistema de alarme e extintores”, segundo a empresa.
Em caso de greve, há postos onde pode abastecer o seu veículo. Em Lisboa são 48, no Porto 41
“As arrecadações são locais exclusivamente destinados a arrumos de uma fração. É, por isso, vital que os condóminos estejam conscientes da perigosidade que envolve a colocação de certos materiais neste espaço, principalmente quando se trata de matérias inflamáveis e tóxicas – já que a concentração anormal de gases inflamáveis, explosivos e tóxicos pode causar danos extremamente severos em bens e pessoas, podendo inclusivamente levar à morte”, alerta a Loja do Condomínio.
Quanto aos carros a gás GPL, “só é permitida a existência de no máximo, 4 garrafas cheias ou vazias, com capacidade total não superior a 106 litros” (n.º 5 do artigo 106º), segundo informação da DGEG e da Proteção Civil.
E se não cumprir, qual a multa? De acordo com a Proteção Civil, o armazenamento de líquidos e de gases combustíveis, “em violação dos requisitos determinados para a sua localização ou quantidades permitidas (…), é punível com uma coima de 275 euros até 2.750 euros, no caso de pessoas singulares, ou até 27.500 euros, no caso de pessoas coletivas“.
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No carro? Se não quer arriscar-se a pagar imposto, só até 10 litros
Segundo a DGEG, esta questão é respondida no Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), segundo o qual o transporte de combustíveis tem de ser feito num recipiente de reserva, com um limite de 10 litros. Isto se quiser evitar ter o Fisco em cima e ser obrigado a pagar um imposto adicional sobre os produtos que transporta.
No artigo 61.º, pode ler-se:
“5 – Presume-se que a detenção de produtos petrolíferos não se destina ao uso pessoal do seu detentor quando forem transportados por formas de transporte atípicas, efectuadas por particulares ou por sua conta.
6 – Para efeitos do número anterior, considera-se forma de transporte atípica o transporte de combustível que não se encontre no reservatório de um veículo, ou num recipiente de reserva apropriado, até ao limite de 10 l, bem como o transporte de produtos líquidos para aquecimento que não seja efectuado em camiões-cisterna utilizados por operadores profissionais.”
Porém, segundo o Acordo europeu relativo ao transporte internacional de mercadorias perigosas por estrada (conhecido por ADR), e que foi transposto para a lei portuguesa em 2010, um cidadão pode transportar no carro até 240 litros de combustível, desde que distribuído em recipientes de 60 litros cada um (ponto 1.1.3.1, alínea a). Quer isto dizer que, se quiser transportar mais de 10 litros, o Fisco poderá cobrar-lhe por isso, se for mandado parar numa operação STOP da Autoridade Tributária.
Não está nos planos do Governo rever a lei da greve, afirma o ministro da Economia
A Associação Portuguesa de Segurança (APSEI) avisa, no entanto, que “alguns postos de abastecimento de combustíveis recusam mesmo o enchimento de recipientes que não sejam devidamente homologados/certificados”. “Estes recipientes, com uma aprovação baseada em ensaios definidos no ADR [que avaliam a segurança de transporte], podem inclusive ter uma validade limitada, como acontece com os jerricãs de matéria plástica”, avisa a APSEI.
Associação de Segurança “desaconselha fortemente” os portugueses a transportar combustível
Em resposta ao Observador, a APSEI “desaconselha fortemente a prática de transporte de mercadorias perigosas por pessoas singulares, pelos riscos que ela acarreta”. “Há acidentes ou incidentes que podem ser provocados ou intensificados pela presença dessas matérias, havendo um risco acrescido no caso da gasolina, pois a libertação de vapores no interior de uma viatura pode provocar uma explosão ou um incêndio”, refere a associação, notando ainda possíveis limitações na cobertura dos seguros, em caso de acidente.
“Caso aconteça algum acidente ou incidente que seja provocado ou intensificado pela presença dessas matérias, o seguro muito provavelmente não cobrirá, pois os danos que resultem do transporte de combustíveis, matérias inflamáveis, explosivas ou tóxicas, podem ser razão para exclusão, salvo se houver licença legal para o efeito e tenha sido subscrito cobertura de seguro para esse fim.”
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Segundo a APSEI, “a própria operação de enchimento e /ou trasfega de produto ou a fricção do vestuário” pode mesmo gerar eletricidade estática que provoque a combustão de vapores. “Como estamos no Verão e a temperatura ambiente é mais elevada, o risco de inflamação aumenta, pois trata-se de produtos extremamente voláteis”, alerta.
Afinal, é muito mais difícil do que parece cumprir as recomendações do Governo. Quer as de Pedro Nuno Santos para sermos previdentes, quer as de Pedro Siza Vieira, para termos “maturidade” na reação à greve. “É preciso encarar com alguma calma e tranquilidade esta situação”, disse o ministro da Economia.