Na quarta-feira, Francisco Guerreiro vai fazer pela primeira vez a viagem que se tornará rotina nos próximos cinco anos. O recém-eleito eurodeputado do PAN vai dirigir-se ao aeroporto de Lisboa para entrar num voo rumo a Bruxelas. Ainda não vai assentar arraiais ou procurar casa, vai apenas reunir-se com a família europeia d’Os Verdes, que vai acolher o novo parlamentar. “Vamos definir estratégias e começar a pensar na distribuição de pastas“, conta ao Observador.
A mala que vai levar é ainda pequena e a grande mudança está agendada para mais tarde, quando a atividade do Parlamento Europeu for retomada para dar início a uma nova legislatura. Os planos familiares, esses, já estão traçados. Casado e pai de duas filhas, uma com 11 anos e outra com dois meses e meio, vai seguir sozinho para a Bélgica. A mulher e as filhas vão continuar a viver em Cascais. “Tentarei vir quase todas as semanas, na medida do possível”, explica.
Para ir e vir de Bruxelas “quase todas as semanas”, Francisco Guerreiro vai ter de recorrer muitas vezes a viagens de avião, o meio de transporte mais poluente, e contribuir para o aumento da sua pegada ecológica. “Para compensar tentaremos, em todas as viagens, pagar um extra para compensar a pegada ecológica. Algumas companhias aéreas permitem esta opção. O dinheiro é direcionado ao combate às alterações climáticas, canalizando esse dinheiro para instituições que se dedicam a fazê-lo”.
A opção de levar a família para Bruxelas não esteve em cima da mesa, mesmo que isso pudesse reduzir a tal pegada ecológica. “A minha mulher tem cá trabalho e a minha filha mais velha tem a sua escola e os seus amigos. Não ia prejudicá-las“.
Assim, define essas viagens como uma inevitabilidade. “É impossível fazer de outra forma. De comboio não dá mesmo, até porque entre Lisboa e Madrid não há comboios de alta velocidade”. A culpa é “do sistema, que está montado de forma a que haja essas impossibilidades“, salienta.
A nível pessoal, Francisco Guerreiro diz que vai continuar a manter um estilo de vida amigo do ambiente. “Eu recolho lixo nos meus tempos livres, muitas vezes com a minha mulher. Além disso, sou vegan, o que reduz muito a minha pegada ecológica, e ando de transportes públicos, coisa que vou continuar a fazer em Bruxelas”. E continuou a justificar-se: “Somos contra a deslocalização periódica do Parlamento Europeu de Bruxelas para Estrasburgo, sobretudo pelos custos que isso tem para o ambiente. Mesmo que demore mais, vou fazer essa viagem sempre de comboio”, argumentou.
Francisco Guerreiro só disse que sim depois de acertar tudo quer com o partido quer com o seu círculo pessoal mais próximo. O resultado do passado domingo foi, por isso, “apenas o culminar de um caminho que vem de longe” e que já entrava nas contas do até agora responsável pela comunicação do partido.
“Podemos entender-nos com o PS ou com o PSD”
O recém-eleito eurodeputado dedicou-se à causa animal e ambiental há cerca de dez anos. Garante que sempre teve uma atenção especial a estes temas, mas que só quando tinha “20 e poucos anos” é que fez disso um modo de vida. “Quando vi o documentário Earthlings [Terráqueos, em português] decidi que tinha de fazer algo. Optei por ser vegan”. Foi a primeira mudança estrutural. Daí para a frente seguiu um caminho de dedicação às causas animais e ambientais que o levaram a entrar no partido com alguma naturalidade.
Entrou para o PAN em 2012 e chegou rapidamente à sua comissão política, mais concretamente em 2013. Nas eleições legislativas de 2015, que trouxeram o partido para a ribalta depois de terem assegurado a eleição de um deputado na Assembleia da República, Francisco Guerreiro era o número dois do círculo eleitoral de Lisboa. Não foi eleito, mas entrou para o gabinete de André Silva como assessor político. Uma experiência que permitiu ao futuro eurodeputado estar por dentro da prática parlamentar e contribuir diretamente para a intervenção do PAN no hemiciclo. Assim, o facto de ser deputado único nos próximos cinco anos no Parlamento Europeu é algo que não o assusta. Para já.
A viagem na política de Francisco Guerreiro começou com a candidatura à presidência da Câmara Municipal de Coimbra, nas autárquicas de 2013. E não correu nada bem. O PAN foi o terceiro partido menos votado, com 0,43% dos votos, só ficou à frente do PCTP/MRPP e do MPT. Em mais de 212 mil eleitores no distrito, o PAN conseguiu apenas convencer 925 votantes.
Foi também em 2013 que integrou a Comissão Política Nacional do partido. No ano seguinte, ano de eleições europeias, assumiu a coordenação da comunicação do PAN e era o número três da lista ao Parlamento Europeu. Nesse ano, o PAN recebeu dos portugueses menos de metade dos votos que levaram, no domingo, à eleição de um eurodeputado.
As ambições de Francisco Guerreiro não se ficaram pelo gabinete do PAN em São Bento, onde se tornou num dos homens de confiança de André Silva. Depois de se ter mudado para Cascais em 2016, aceitou candidatar-se à presidência do município nas autárquicas do ano seguinte. Beneficiando da representação parlamentar e do aumento da popularidade entre o eleitorado, o partido conquistou dois assentos na Assembleia Municipal.
Os resultados seguiram sempre uma tendência de crescimento e o candidato partiu confiante para as eleições europeias do passado domingo. “Não vai ser uma surpresa, quando nos candidatámos tínhamos o objetivo de eleger. Estou pronto para ir para Bruxelas”, disse ao Observador no penúltimo dia da campanha.
Francisco Guerreiro vai trocar os corredores da Assembleia da República, em Lisboa, pelos corredores do Parlamento Europeu, na capital belga. Com as férias parlamentares no verão e a campanha para as próximas legislativas a arrancar em setembro, não será uma prioridade imediata para o partido substituir o homem que surpreendeu o país no último domingo e vai agora sair da sombra de André Silva.
Os resultados permitem ao partido ostentar um resultado histórico e ombrear com os partidos tradicionais. Aos apelos sedutores que o PS e António Costa já vão fazendo a pensar no pós-legislativas, o PAN responde sem comprometimento: “Sabemos que em termos genéricos podemos entender-nos com o PS ou com o PSD, ou até com mais forças políticas”, afirma Francisco Guerreiro ao Observador.
As expetativas para as legislativas de outubro estão nos píncaros. “Estamos dispostos a sentar-nos à mesa com qualquer partido mas apenas quando houver propostas políticas. Não basta a retórica”, diz, assumindo que o PAN pode ser parte de uma espécie de “geringonça” se mantiver os bons resultados. E deixa um aviso: “O nosso caderno de encargos é muito exigente”.