Nuno Vasconcellos quis construir (mas falhou) um projeto de poder nos media em Portugal, mas foi para o Brasil, deixando centenas de milhões de euros de dívida aos bancos e também aos trabalhadores das suas empresas falidas. Agora, promete pagar o que deve a quem trabalhava no Diário Económico, e com juros. Quando, em entrevista ao Observador, fala disso e da relação com Francisco Balsemão, mostra estar comovido, com a voz embargada. Mas antes de pagar tem de resolver a insolvência pessoal. No final da entrevista, volta ao tema e insiste: “É o primeiro colchão que vou fazer”. Já no que diz respeito às dívidas aos bancos, a história é outra. Também falharam com ele, defende.
Numa longa entrevista de quase duas horas, por vídeo e com Nuno Vasconcellos em São Paulo, o ex-dono da Ongoing diz que hoje vive do seu salário, como administrador de várias empresas. Mas garante que não é dono de nenhuma — nem no Brasil, nem no Panamá. Está insolvente em Portugal, tal como a sua mãe. Tudo porque cedeu aos bancos e deu um aval pessoal envolvendo bens da família e deixou no BES um depósito de 100 milhões de euros como garantia da dívida, três meses antes da queda.
Sobre o seu ex-sócio e homem de confiança, Rafael Mora, que o atacou no inquérito parlamentar ao Novo Banco, não quer ir longe nas críticas pessoais. Tem mulher e filhos, e – como se diz no Brasil – “não quero entrar numa fria com ele”. Apesar de achar que Rafael Mora disse coisas que não correspondem à verdade, garantindo que era acionista da holding que controlava o grupo. Na sua perspetiva, alguns deputados estenderam um tapete vermelho a Mora na Comissão Parlamentar de Inquérito. Não todos. Mariana Mortágua, a quem por vezes chama Helena, merece elogios.
Está convencido que teria conseguido resolver os problemas da Ongoing e pago as dívidas aos bancos se tivessem aprovado uma reestruturação, que não podiam fazer por causa da “má imagem” que tinha a empresa e ele próprio em Portugal, para onde quer voltar com o intuito de “limpar o nome” — mas para isso precisa de reunir 10 milhões de euros.
Veja aqui os melhores momentos da entrevista a Nuno Vasconcellos:
Porque deixou Portugal pelo Brasil e quando é que isso aconteceu?
Já venho para o Brasil desde os meus 25 anos. A minha primeira mulher nasceu no Rio de Janeiro e tem cá família. Tenho nacionalidade brasileira há 10 anos, estou no Brasil com residência fiscal há 12 anos. Não é uma resposta óbvia. Em Portugal tinha esgotado a minha situação de alguma forma. Houve coisas que aconteceram que estavam a tornar a minha vida empresarial numa situação muito complicada. O meu nome estava todos os dias nas páginas dos jornais, fui acusado cinco anos, uma acusação falsa, fui posto num processo de espiões que nada tinha a ver comigo. Foi bastante mediático.
Foi por questões reputacionais ou por problemas económicos e financeiros das empresas em Portugal?
Naquela altura não havia problemas financeiros, há 10 anos. Para nós estava tudo bem. A Ongoing deu quase 400 milhões de resultados positivos. Tinha em caixa 120 milhões depois de ter feito um aumento de capital. Os problemas financeiros começaram só depois da queda do BES.
Ouça aqui a entrevista na íntegra
Os recursos que a Ongoing tinha em Portugal foram usados para financiar os investimentos no Brasil?
Em parte. A Ongoing no Brasil era sócia minoritária de uma holding de tecnologias que tinha outros sócios. Os negócios no Brasil foram feitos com brasileiros e havia uma holding que tinha um private equity, com recurso a crédito, mas uma boa parte com capitais próprios. Esses 375 milhões de euros de lucros serviram, na íntegra, para amortizar créditos aos bancos A Ongoing nunca distribuiu dividendos, tinha contratos com os bancos em que todo o resultado das operações tinha de ir para amortizar empréstimos.
Que empréstimos é que Ongoing amortizou? E a que bancos em concreto?
A duas grandes instituições, o BES e o BCP, sobretudo o BCP. O BCP era o maior. A Ongoing chegou a ter 10% da Portugal Telecom, dos quais 2,4 a 2,6% foram financiados pelo Credit Suisse, uma operação cara. Depois, numa operação mais barata, o BCP deu uma linha de crédito de 400 milhões de euros. E não fui eu que fui pedir, foi viabilizado, foi proposto.
Quem no BCP lhe propôs o crédito?
Na altura o presidente era Paulo Teixeira Pinto, mas ele não decidiu sozinho. Uma operação desta dimensão foi aprovada por todo o conselho de administração.
E ofereceram-lhe esse crédito para quê?
Para comprar ações da Portugal Telecom. Não foi uma oferta, teria sido maravilhoso. Estava na praia e um dos diretores máximos do BCP veio ter comigo e perguntou-me: ‘Nuno, não gostarias de reforçar a posição na PT?’ Na altura tinha pouco mais de 2%. E estávamos no meio da OPA da Sonae. Eu disse que era ótimo. Fizemos uma reunião com o administrador, que me passou ao presidente, tudo ‘by the book’. E o presidente deu-me um voto de confiança e a operação foi viabilizada super rápido. Também havia um banco japonês em Londres que nos ajudou a comprar mais de 3%.
Se os bancos impuseram que fosse amortizando a dívida, porque é que em 2014 a Ongoing tinha uma dívida elevada?
A dívida não era muito elevada. Era muito dinheiro, com certeza. O grupo chegou a ter uma dívida um pouco acima de mil milhões. Mas o BCP emprestou 400 milhões e acho que chegamos a ter 410 milhões. Quando a Ongoing pede o PER (Processo Especial de Revitalização), que não foi aceite, o BCP tinha 290 milhões. Portanto, amortizou. A Ongoing nunca pagou dívidas? É falso. Toda a riqueza criada pela Ongoing foi para pagar juros e amortizar empréstimos. Paguei o dobro dos juros ao BCP. Não foi um negócio tão mau para o banco. Quando fizemos o contrato, pedi para ter taxa de juro fixa. E quando houve aumento de juros, o banco já estava em dificuldade e a perder muito dinheiro com este crédito. Eles pediram e eu aceitei ficar com uma taxa mais alta. Mas os juros baixaram e a minha taxa não baixou. Fiquei até um pouco chateado. Isso sufocou-nos também um pouco.
Porque é que o colapso do BES teve um impacto tão significativo e levou a Ongoing à falência?
Em primeiro lugar, a Ongoing detinha ações do BES e da Espírito Santo Financial Group, que era acionista do banco. A primeira participação relevante da Ongoing foi na Espírito Santo Financial Group.
Sempre com crédito?
Parte capital e parte crédito. Havia muita dívida, sim, mas os nossos ativos chegaram a estar avaliados em 2 mil milhões.
Mas a parte de leão eram as ações da PT, que desvalorizaram muito.
Tocou no ponto. A Ongoing tinha uma dívida de 50% do ativo. E tinha 265 milhões de capital social. A minha mãe era a última beneficiária, através da RSH [Rocha dos Santos Holding]. A Ongoing não era 100% da família, tinha outros acionistas. Cerca de 30% era um private equity.
O BES era para nós um pilar muito importante. Não só pela relação, mas também porque, ao não pagar a dívida do GES à PT, de mil milhões, a Portugal Telecom acabou aí. A PT já estava com problemas pelo investimento na Oi. Foram investidos mais de 3,7 mil milhões na Oi e três anos depois só valia 400 milhões. Pouca gente conhece a história. A PT tinha de provisionar mais de três mil milhões e nem sequer tinha isso em capital social. Daí nasce a ideia de fundirem as duas empresas. Empurrar para a frente com a barriga.
Mas a Ongoing como acionista apoiou essa solução.
Se não apoiássemos, estaríamos mortos. Não tínhamos outra solução. Ou era morrer ou juntar-se a outro gigante para criar um grande operador de língua portuguesa. Sabíamos que a Oi estava muito doente. O que nos deu a luz era que íamos ser maioritários na Oi. Se fosse bem gerida talvez fosse possível dar a volta por cima. Mas infelizmente, quando fizemos a fusão [primeiro] colocámos os ativos da PT debaixo da Oi e os acionistas brasileiros continuavam com o controlo, porque a operação não estava fechada. E é quando se sabe que o BES [a Rioforte, do GES] deve mil milhões à PT. Os brasileiros tiram proveito desta situação e dizem ‘ oh pá, o contrato já não é válido’. Os acionistas da PT perdem muita força. Fomos ‘hijacked’ muito inteligentemente. As ações da PT viraram pó, tal como as do BES, onde estavam os dois maiores ativos. Tínhamos 1,8% no BES e na ESFG.
Se a Ongoing era acionista do BES, porque é que o crédito não foi para o banco mau, como aconteceu com outras partes relacionadas, e ficou no Novo Banco?
Tenho uma resposta possível, talvez não seja aquela que querem ouvir. Se os créditos da minha responsabilidade eram tão maus, como passaram para o Novo Banco? Porque havia uma conta da Ongoing de quase 100 milhões de euros no BES. Um mês antes do aumento de capital, um dos diretores do BES liga-me a dizer que o BCE está a apertar, temos de provisionar o crédito em 80%, eram quase 400 milhões.
Qual foi a sua resposta?
Eu disse: ‘Sim, estamos aqui uns para os outros. Vocês sempre me ajudaram’. E dizem-me: ‘Tens as ações da Zon [NOS] e a da Impresa, Está na hora de vender.’ Tinha mais de 20% da Impresa e consegui vender por 55 milhões de euros e a dívida no BES que me deram para comprar era de 30 milhões. Pagamos a dívida de 30 milhões. E achava que ia ter 25 milhões para investir. O banco disse para deixar os 25 milhões para amortizar. As ações da Zon não estavam dadas como garantia a nenhum banco. Era o meu colchão. Estavam lá mais de 100 milhões. Mas eles disseram que era preciso vender e trazer o dinheiro para cá.
Essas interações com o BES foram com Ricardo Salgado?
Nunca falei de crédito com Salgado diretamente, falava com diretores e com o administrador da área do crédito, António Sotto. E falava com o CFO [Amílcar Morais Pires], com quem tinha uma relação ótima. Um cara brilhante, um excelente gestor. Já tinha vendido uma parte da Zon e quando vendi tudo – deu 72 milhões mais os 25 milhões – , foram depositados no BES numa conta que foi penhorada como garantia adicional. Ficaram lá cerca de 100 milhões. O banco provisionou 80%. Só faltavam cerca de 10 milhões para cobrir 100%. O banco pediu então um aval pessoal. E eu disse que nunca dei e nunca dou avales pessoais. Mas o banco insistiu: tens de dar. ‘Confia em nós’, disseram.
Isso foi quando?
Um ou dois meses antes do aumento de capital do BES [maio de 2014]. Foram impecáveis. Cumpriram à risca [aceitaram financiar as empresas no Brasil com um novo crédito de 30 milhões de euros] e eu cumpri à risca. Dei o meu aval, mas avisei que não tinha nada em meu nome para além dos terrenos que já estavam no banco como garantia. Pedi à família, que deu como garantia uns armazéns e terrenos que tinham boas rendas. Estou bem arrependido de ter dado esse aval. Foi por causa desse aval que estou insolvente em Portugal. Um mês depois o BES faz um aumento de capital com enorme sucesso e dois meses depois vai à falência. Depois pergunto aos novos gestores como é. Tenho o projeto Chiado [reestruturação de crédito negociada com o BES], tenho salários para pagar no Brasil…
O que lhe disseram os gestores do Novo Banco?
Fui lá com o meu crédito aprovado pelo BES. Conhecia o presidente e o vice-presidente, Vitor Bento e José Honório. Eles disseram: adoramos o teu projeto, mas o banco não tem condições para emprestar mais. Então temos um problema seriíssimo, respondi. Vendi os meus ativos, entreguei mais ativos, colaborei com o tudo o que tinha, baseado numa promessa que não foi cumprida.
Mas tinha dívida para pagar na altura ao Novo Banco.
Havia dívida para pagar com certeza [cerca de 600 milhões]. Mas as empresas é suposto terem dívida e irem pagando ao longo do tempo. Se calhar nunca pensou que amortizou metade da dívida no BCP e mesmo pagando juros altíssimos. E amortizei a dívida relacionada com a Impresa.
Aquilo que estava em seu nome que lhe permitiu amortizar dívidas, já tinha sido vendido em 2014.
Mas eu trouxe para o banco garantias que não existiam nos empréstimos. Uma parte serviu para amortizar e a outra ficou lá em dinheiro. O meu crédito não tinha risco, tinha quase 100 milhões em caixa, o que deveria dar um jeitão ao Novo Banco. E depois o BES tinha provisionado o meu crédito.
Era uma imparidade. Estava a comer o capital próprio do BES.
Com certeza. O BCE considerou que era um empréstimo de risco e obrigou o BES a fazer isso. Provavelmente, o BCE mandou fazer isso porque sabia que se a PT e o BES fossem para o buraco eu teria de ir também. Não por minha culpa. O dinheiro público não foi para pagar a minha dívida. Já estava paga, ou seja, reconhecida.
A recapitalização do Novo Banco também serviu para cobrir essa imparidade.
Não. O BES provisiona a dívida da Ongoing meses antes de fazer aumento de capital.
A dívida ficou lá e continuou a comer capital ao Novo Banco. Acabaram por executar os seus avales pessoais?
Sim, estou insolvente em Portugal.
Que efeitos teve isso na fortuna da sua família, uma vez que entregou bens dela?
Para a minha família foi o caos. Foi muito complicado. A minha família não está insolvente. A minha mãe está insolvente. Tenho irmãs, cunhados, sobrinhos… a família não está insolvente. A minha mãe está insolvente em Portugal [por causa da Ongoing].
Mas tem património fora de Portugal?
Não. A minha mãe não tem um centavo, não tem um prédio ou apartamento ou casa. Em Portugal ou fora.
Porque foi tudo entregue à banca por causa das dívidas da Ongoing?
Há sempre a ideia de que os empresários têm muito dinheiro fora de Portugal. Muitos empresários tiveram de recomeçar tudo com empréstimos, como a família Espírito Santo. Se calhar alguns têm. Mas outros não. O verdadeiro empresário é o que se entrega de alma e coração às empresas e põe dinheiro quando é preciso pôr. Foi o que aconteceu no meu caso. Eu poderia hoje ter 100 milhões fora da Ongoing e fui pôr esse dinheiro, a minha tábua de salvação, dentro do BES como garantias adicionais. O BCP também pediu garantias.
A Ongoing geria um fundo que tinha recursos da PT, do BES e do Montepio. O que aconteceu a esse dinheiro?
Foi investido em vários ativos, penso que está agora na fase de liquidação. Era um fundo a nove anos, mais dois anos.
Mas que ativos?
Não sei, não conheço todos. Sei que chegou a comprar fundos que investem em arte e vinho.
Onde está esse dinheiro?
Não sei, deve estar lá e está-se a desinvestir dinheiro desses fundos.
Quem gere esses fundos?
Já não são geridos. A empresa está em dissolução. Sei porque o beneficiário último era a família, mas hoje não recebem dinheiro porque não podem cobrar um fee [comissões de gestão] há cinco anos. Quem fez a gestão desses fundos foram duas pessoas que trabalhavam na área financeira para a família.
As entidades que investiram nesses fundos vão ser reembolsadas?
Isso não sei. Nunca fui administrador. Sempre houve uma cortina de ferro com a Ongoing. Esses fundos eram regulados.
Alguns desses fundos investiram na Ongoing ou em negócios ligados à Ongoing?
Não todos, mas havia um ou outro que indiretamente investiu um… [Nuno Vasconcellos interrompe a resposta para atender o telefone e segundos depois retoma a conversa]. Não houve nenhum investimento direto ou indireto na Ongoing.
Qual foi o papel de Rafael Mora no desenvolvimento do grupo? Ele disse que o Nuno Vasconcellos tratava diretamente de questões financeiras com Ricardo Salgado. É mesmo assim?
Ricardo Salgado nunca foi financeiro, não falava com ele, nem pedia autorização para fazer investimentos. As empresas têm relações com banqueiros. A relação era com Salgado e com outros banqueiros. O Rafael também conhecia essas pessoas. Fui com Mora a mais de uma reunião com Salgado. Mas a relação privilegiada e de confiança de Salgado era comigo, como era com o presidente da Caixa e com Paulo Teixeira Pinto no BCP. A Caixa era sócia na PT.
Rafael Mora era o estratega do grupo?
Achei sempre muito estranho o que os media diziam sobre ele. Era meu vice-presidente. Os media diziam que ele era brilhante, inteligente e que era quem mandava no grupo. Saiu um ano como o 16.º mais poderoso de Portugal [na lista anual elaborada pelo Jornal de Negócios]. Cada um faz a imagem que quer. O Rafael veio dizer [na audição da comissão de inquérito] que não era acionista, mas era.
Quanto tinha?
Tinha 9,9% da RSH, a holding que estava por cima da Ongoing. Estou aqui de boa fé nesta entrevista. E tenho de trazer honestidade intelectual. Não tenho intenção de enganar ou omitir nada. Fiz erros no passado, mas não dá para manipular informação. Há pessoas que são especialistas nisso. É um tema sensível. Rafael Mora tem filhos e uma esposa e não quero entrar numa fria com ele. Acho que ele não foi muito correto, mas sou um bom cristão. Não queria usar o Observador para dizer alguma coisa incorreta sobre o Rafael Mora.
Vamos cingir-nos ao que fazia na Ongoing.
O Rafael era vice-presidente, era o meu braço direito para tudo. Mais tarde ficou com a tecnologia e eu fiquei com os media. O Rafael tomava conta nos negócios e estava na PT, era com certeza uma pessoa de maior confiança.
Quando é que essa relação se começou deteriorar?
Aconteceu depois de o BES falir. Ele estava na Oi e era presidente executivo de uma holding em que a Ongoing era minoritária. Com o dinheiro que havia, o Rafael queria privilegiar as tecnologias em detrimento das empresas de media. Não aceitei pôr mais dinheiro nas empresas de tecnologia para pagar salários e não pagar salários nas empresas de media. Do meu lado nunca houve um grande corte ou zanga. Isso só acontece depois de o Rafael sair da empresa. Houve procedimentos errados que viraram processos crime no Brasil e nos Estados Unidos. E o Rafael quis salvar, salvaguardar a posição pessoal em empresas em que era acionista pequeno para se tornar um grande acionista. O financeiro detetou situações mais complicadas que tivemos de denunciar.
Tem um processo judicial?
Ele tem um processo-crime que está a ser julgado no Brasil. E nos EUA perdeu um processo com um pedido de indemnização de mais de 30 milhões de dólares decidido por um juiz federal de Los Angeles.
Não conhece nenhuma investigação do Ministério Público por causa da queixa de Rafael Mora contra si em Portugal?
Isso está no Ministério Público e eu não tenho acesso. Mas essa queixa é no seguimento dos processos que estão cá [no Brasil]. Aliás, a deputada do Bloco de Esquerda, às vezes faz acusações e faz perguntas… Eu tenho de congratulá-la porque faz isso a toda a gente, não tem preferidos. Porque quando se vai a uma CPI [comissão parlamentar de inquérito] é para responder a perguntas, não é para ser acusado ou para ter uma acusação antes de fazer a pergunta. Quem é filho de boa gente acaba por sentir. Mas o Rafael acabou por dar algumas respostas que não são verdadeiras. De empresas que são dele, de coisas que ele diz que eu fiz que não são verdade. Está documentalmente comprovado. Tudo o que eu fiz, fiz de consciência tranquila e ainda hoje pergunto porque raio um empresário como eu ia pôr quase 100 milhões de euros que não estavam garantidos a banco nenhum, pega nesse dinheiro e dá de garantia [ao então BES]. Ou eu fui muito burro, ou estava de boa fé.
Rafael Mora defendeu que os problemas da Ongoing começaram quando o Nuno Vasconcellos entrou em conflito com Pinto Balsemão pelo controlo da Impresa. Faz sentido esta leitura? Quer explicar?
[silêncio] Não me parece que seja a versão correta. Ninguém sabe qual era a relação que eu tinha com o dr. Balsemão. Nem o Rafael Mora. Eu ainda hoje tenho um enorme carinho e amizade pelo dr. Balsemão. Nunca me ouvirão falar contra ele ou contra a família dele. Foi uma pessoa extraordinária durante toda a minha vida, foi quase como um segundo pai, uma pessoa que eu adorava e que ainda hoje adoro e amo. E tenho muita pena de não manter contato com ele. Acho que havia muitas forças à volta de Pinto Balsemão – e à minha volta também – que se calhar não gostariam desta amizade tão forte.
Como assim?
Enquanto era só um pequeno empresário ou um gestor de empresas – que foi aquilo que eu fui até aos meus 40 anos – a coisa foi… Quando eu passei a ser uma pessoa, como se falou aí em Portugal, tipo uma estrela que apareceu do nada – que também não é verdade, mas eu aceito. Também não vejo mal nenhum alguém que veio do nada e fez o que fez, devo ter algum mérito. Mas infelizmente não. Sou a quinta geração de empresários na minha família.
Quando diz que existiam muitas forças à sua volta e à volta de Balsemão, está a referir-se a Ricardo Salgado?
Ao contrário. Eu fui um dos responsáveis, se não o responsável, por unir Ricardo Salgado e Pinto Balsemão. Na altura o meu pai ainda era vivo e o meu pai era um irmão para Pinto Balsemão e vice-versa. Quando essa guerra entre BES e Impresa aconteceu fiquei muito incomodado porque eu também estava no meio. A família Espírito Santo era como se fosse família para mim. A família Balsemão era família para mim. Estava ali no meio de um tiroteio que eu achava, inclusivamente, que ia ser prejudicado. Acabava por levar um tiro nem que fosse de raspão. Pus-me imediatamente em campo para tratar disso. Como também ajudei o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, que também tinha um problema sério na SIC – uma vez até apareceu lá no meio do programa.
Então de onde é que surgiu esse conflito com Balsemão pelo controlo da Impresa?
O conflito acontece porque se inventou que eu queria tomar conta ou ser o presidente do grupo Impresa. E essa nunca foi a minha estratégia. A minha estratégia era a Portugal Telecom, não era a Impresa. Nunca quis ser presidente da Impresa. A obra que Pinto Balsemão fez com a ajuda do meu pai, eu acompanhei tudo. Fui a primeira pessoa que chegou à casa de Pinto Balsemão, quando ele ganhou o concurso da SIC, com uma garrafa de champanhe. Eu vi o Expresso a perder dinheiro durante dez anos, com o meu pai preocupado.
Se não queria tomar conta da Impresa quem é que convenceu Francisco Pinto Balsemão que o queria fazer?
Ainda hoje estou para saber. Mas alguém fez isso. Lembro-me de um dia ter chegado à sede da Impresa e ele estava sentado na mesa grande de reuniões de costas e eu vim por trás. Estava a ler o Sol e disse-me: ‘Dizem-me que tu vais comprar o Sol, isso é verdade?’. ‘Não, tio, isso não é verdade, nós temos uma parceria com angolanos e esses angolanos é que querem comprar o Sol’. Até podem ter falado do meu nome, mas eu nunca iria comprar uma empresa concorrente de outra em que eu era acionista e que o meu pai ajudou a criar. Aí começou uma desconfiança. Acho que ele não acreditou cem por cento em mim, devia ter as informações dele. Mas era tudo mentira.
Reatou as relações com Pinto Balsemão ou continuam sem se visitarem ou falarem?
Eu tentei contatar com o dr. Balsemão há quatro ou cinco anos. E uma vez fui passar o Verão a Portugal com os meus filhos e disse: ‘Vou ligar para ele, está velhote, está mais velho, preciso de o ver, preciso de estar com ele, eu não posso, eu não vou aguentar ele um dia não estar cá e ir embora sem [a voz fica embargada]… sem fazermos as pazes’.
E ele não atendeu?
Não interessa.
E com Ricardo Salgado? Tem estado com ele?
Não. Falei com ele depois de ter ido à CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito], tive um telefonema. Estava triste. Há muitas histórias que estão muito mal contadas.
Quer dar um exemplo?
Ricardo Salgado deve ter feito muitos erros, como eu também fiz. Conhece algum empresário que não tenha feito erros? Com certeza que Ricardo Salgado, com a carreira que fez, comprou um banco que lhe foi roubado da família…. Não nos podemos esquecer que o BES era um dos maiores bancos em Portugal. E eles recompraram o banco, sem dinheiro, falido. Na Grécia, em Espanha [não deixaram cair nenhum banco]. Os EUA só deixaram cair um banco e estão mais do que arrependidos. Em Portugal não deixámos cair um banco, deixámos cair um, dois, três, quatro, cinco bancos. Um deles de grande dimensão.
O banco ainda existe e tem custado muito dinheiro aos contribuintes. Os acionistas é que são outros.
Respeito a sua opinião mas não concordo com ela. O banco é a empresa mais alavancada. Nunca se pode perder a confiança num banco. O que se deixou fazer foi perder a confiança. Se o Estado tivesse encontrado uma forma – eu sei que o Governo e o primeiro-ministro na altura tiveram diretrizes da Comunidade Europeia para se executar e ponto final. Se se tivesse investido dois ou três biliões [mil milhões] no momento certo, nunca teríamos chegado a isto. Está à vista que foi um erro.
O Diário Económico foi uma das empresas do seu grupo em que deixou dívidas, nomeadamente aos trabalhadores. O que é que o levou a desistir do projeto e a não pagar as dívidas que ainda hoje tem?
Em primeiro lugar, quero pedir desculpa às pessoas. Eu era o presidente máximo e a responsabilidade era minha e nunca fugirei a essas minhas responsabilidades. Tenho uma culpa que caminha comigo, há mais de cinco anos, por essas pessoas que não conseguiram receber indemnização. As do Diário Económico foram as mais prejudicadas. À medida que ia entrando dinheiro ia-se pagando e ia-se despedindo as pessoas. Eu nunca quis deixar o Diário Económico e esse foi o meu erro. Já havia pressões para vender e devia ter vendido. Mas eu acreditava tanto no projeto e que o Diário Económico ia ser a única operação que iria ter em Portugal. Aí eu devia ter pensado mais nas pessoas, quem sabe.
E houve interessados na compra?
Tinha um empresário brasileiro, que foi quem me ajudou aqui no Brasil, que estava muito interessado no Diário Económico. E ele disse-me: ‘Nuno, eu só posso ir a Portugal daqui a um mês, mas vou resolver a situação porque tenho muito interesse no Diário Económico’. E eu liguei para as pessoas e disse: ‘Vem aí um investidor tratar do assunto, precisa de falar com as pessoas, o dinheiro vai chegar para pagar os salários logo após ele dar o OK’. Só que houve algum advogado de algum trabalhador – com todo o direito – que pediu a insolvência da empresa. E a partir do momento em que se pede a insolvência, o empresário disse que não havia nada a fazer. A culpa não foi de quem pediu a insolvência, foi minha, por não ter antecipado que isso poderia acontecer. Aqui no Brasil isso nunca aconteceria.
Quem era o empresário que estava interessado?
Não gostaria de dar o nome porque não tenho autorização. É uma pessoa extremamente low profile. Foi a pessoa que me deu a tábua de salvação aqui no Brasil, que me estendeu uma mão quando eu estava completamente perdido aqui.
Gostaria de voltar para Portugal?
Com certeza. É o meu país.
O que é que falta para poder voltar para Portugal? O que é que pode ainda fazer pelas pessoas? Pagar as indemnizações?
Para mim é um ponto de honra voltar a Portugal e pagar cada tostão com juros a cada uma dessas pessoas. Estou há cinco anos tentando me pôr de pé. Sou bastante otimista, nunca vejo o copo meio vazio, vejo sempre o copo meio cheio, como qualquer empresário. Tenho a certeza que vou voltar um dia a Portugal e vou limpar o meu nome. É um ponto de honra [a voz fica embargada]… Peço desculpa… E poder de novo conquistar o coração das pessoas que deram parte das suas vidas a trabalhar numa empresa que eu ajudei a criar e que era a minha responsabilidade, obviamente.
Isso implica, do seu ponto de vista, pagar às pessoas, pagar aos bancos?
As pessoas são as pessoas. Os bancos são os bancos. Os bancos tinham uma relação de negócio connosco. Os bancos não cumpriram comigo também, muitas coisas. Se o BES tivesse cumprido com a PT nada disto tinha acontecido. Há aqui uma triangulação. A culpa é minha? Não. A culpa foi do banco. Eu fui arrastado. Eu nunca teria ido à falência se não tivesse acontecido o que aconteceu à PT. Está a entender? O banco empresta-me dinheiro a mim, depois pede dinheiro à PT…
Não é uma questão de culpa, mas de responsabilidade relativamente aos financiamentos que foram concedidos.
Eu assumo as responsabilidades até eu não estar mais na Ongoing. Pediram-me para pôr dinheiro lá [no BES] eu pus, para eu ir buscar mais garantias, eu dei essas garantias, dei até aquelas que não tinha que foi o meu aval pessoal. Ainda propus um PER [Processo Especial de Revitalização]. Nenhum dos credores aceitou. Se tivessem aceitado. provavelmente eu teria dado uma grande volta à situação. Provavelmente daqui a dois ou três anos eu teria pago uma boa parte desse crédito. Mas a minha imagem em Portugal, a imagem da Ongoing, estava acabada. Eles fizeram PER com outras empresas que estavam bem pior que a Ongoing. O PER não foi dado à Ongoing pela sua má imagem.
Como é que com o PER ia gerar receitas para pagar a dívida, por exemplo, ao Novo Banco?
O PER requer uma reestruturação da dívida. Aqui no Brasil fiz vários. Os credores fazem um perdão de dívida ou transformam em capital. Mas viabilizam a empresa e os postos de trabalho. Eu tinha a certeza que era capaz de fazer isso, porque as empresas eram boas e viáveis. Quando se diz que a Ongoing não era nada… Não era nada, mas pagava impostos, empregava mais de duas mil pessoas. Não era apenas aquela tasquinha que vivia dos dividendos. E era só o maior acionista da maior multinacional portuguesa, que era a PT. O nosso projeto era ganhar cada vez mais controlo na PT e pegar naquelas empresas start-ups todas e nas empresas de media e integrá-las na PT.
Joe Berardo está a ser investigado, assim como o seu advogado André Luiz Gomes, que também foi advogado da PT. Receia uma investigação relacionada com os devedores dos bancos?
Já fui investigado, em muitos outros casos, de ter ligações ao Ricardo Salgado, no Brasil também por causa dos acionistas da Oi que foram presos. Depois daquele caso miserável em que fui acusado durante cinco anos de uma coisa que não fiz [o caso das secretas], nunca mais fui acusado de nada. Eu estou de consciência tranquila, não fiz nada, não desviei ativos ou dinheiro. Pus tudo o que podia naquilo em que eu acreditava, continuo a lutar para me reerguer e voltar. Devia impostos em Portugal, não pessoalmente, mas como administrador do Económico e da Ongoing, e já comecei a pagar. Espero que não andem à procura de um bode expiatório para justificar as péssimas decisões que se fizeram no passado em relação ao BES. Como é que o banco é vendido por mil milhões e depois tem uma linha de crédito de nove mil milhões [apoios públicos ao Novo Banco]? A culpa é do empresário? Foi isso que tentei explicar na CPI e ninguém quis ouvir. Há partidos políticos que estão falidos, há anos, tecnicamente. Onde é que está essa dívida? A bem da verdade, cortou-se o pio ao Nuno Vasconcellos. Eu achei aquilo ridículo, lamentável. Não as perguntas dos deputados, do Bloco de Esquerda. Não gosto que ela [Mariana Mortágua] me acuse, obviamente. Ela é assim com toda a gente e eu respeito isso. O que não aceito é que haja deputados que a uns fazem perguntas com tapete vermelho, como aconteceu com Rafael Mora. E para outros vem um monte de acusações.
Quem é que foi o deputado que fez perguntas com tapete vermelho a Rafael Mora?
Adivinhe. Foi o deputado do PSD, um jovem. E o próprio presidente, quando ele chegou lá e disse “Dr. Rafael Mora mandou logo um e-mail para cá, a dizer que queria ser ouvido”…
E tem alguma explicação para isso? Para o tratamento VIP que, na sua perspetiva, Rafael Mora mereceu?
Não teve tratamento VIP do PS nem do Bloco de Esquerda.
Está arrependido de ter tratado assim os deputados? Porque na prática os deputados sentiram-se insultados por si. Teria feito de outra maneira?
A gente tenta sempre fazer de outra maneira, quer melhorar, não quer piorar. Sobretudo se tem um mínimo de humildade e inteligência emocional, acha sempre que pode fazer melhor. Mesmo que ache que não fiz nada de errado. Eu respondi a todas as perguntas.
Mas houve uma pergunta, em particular, que tinha a ver com uma offshore no Panamá. Os acionistas da Affera?
Mas eu não sei quem são os acionistas da Affera. Eu não sou acionista de nenhuma empresa, hoje em dia. Nem posso ser. Eu estou insolvente em Portugal.
Mas esta é uma empresa no Panamá. Certamente que pode ser acionista no Panamá ou mesmo no Brasil.
Não posso. Mas mesmo que pudesse, era preciso que eu tivesse dinheiro para poder investir nessas empresas. Infelizmente não tive essa capacidade. Todo o dinheiro que eu tinha, meu e da minha família, deixei-o no BES, numa conta.
O que é que faz no Brasil e o que é que tem?
Eu tenho negócios no Brasil, sou gestor. Vivo do meu salário. Tenho uma família para alimentar, tenho cinco filhos.
É gestor mas não é proprietário?
Não, não sou proprietário. Sou gestor das empresas que estavam todas falidas. A Ongoing tinha uma participação de 40% na Realtime no Brasil, que tinha um monte de empresas falidas aqui no Brasil. E eu tive de me fazer à vida. Eram sociedades anónimas, transformei todas em sociedades limitadas. E nomeei-me administrador único dessas empresas.
Quem são os donos dessas empresas?
Um grupo de acionistas americanos e brasileiros que deram crédito naquela altura, com juros altíssimos, contrapartidas altíssimas que deram o capital também. Eu não sou acionista dessa empresa nem de nenhuma outra, nem no Paraguai ou no Panamá, nem no Brasil. Sou representante dessas pessoas que me deram uma mão e acho que tenho feito um bom trabalho. Avancei para um projeto há dois anos que é o maior parque temático no Brasil. Estava com 750 pessoas desempregadas, fechado desde Janeiro. Arranjei um grupo de acionistas e reabri o parque. Consegui fazer isso também no jornal O Dia, uma reestruturação em que os trabalhadores aceitaram um corte de 80% das dívidas que a empresa tinha. Fizemos isso com muita ajuda dos trabalhadores e obviamente dos credores.
Ou seja, fez no Brasil aquilo que não conseguiu fazer em Portugal?
Consegui fazer aqui no Brasil porque aqui nenhum advogado dos trabalhadores entrou com um pedido de insolvência. Se algum credor tivesse pedido a insolvência da empresa, teria sido o fim.
[A entrevista tinha sido dada como concluída e Nuno Vasconcellos faz questão de voltar a falar sobre o seu regresso a Portugal e o Diário Económico]
Eu gostava muito de voltar um dia a Portugal, não para ter negócios, acho que não vou voltar a ter negócios em Portugal, mas quero muito limpar o meu nome. Tenho filhos, tenho primos, tenho uma família grande. Eles não têm culpa nenhuma, mas acabam por levar com esta onda negativa. Mas isso não é o que me preocupa porque eles são pessoas fortes. O que me preocupa e tira o sono são as pessoas que eu deixei desamparadas e que deram parte das suas vidas. Sobretudo as pessoas que trabalharam na área de media e do Diário Económico. Eu queria deixar esta mensagem para elas. Têm a minha promessa, o meu compromisso, não vou descansar enquanto não pagar cada tostão que ficou devido pela empresa a essas pessoas. Sinto-me moralmente responsável por essas pessoas que nunca quis abandonar. E espero que acreditem em mim. E mesmo que não acreditem, não tem problema porque vou pagar cada tostão com juros. Sei que legalmente nada me obriga a isso, mas moralmente eu me obrigo a mim próprio. E isso vai acontecer.
[Veja aqui a entrevista a Nuno Vasconcellos na íntegra:]
Tem algum horizonte temporal?
Antes de fazer isso tenho de ir falar com o meu gestor de insolvência. É algum dinheiro que está aqui em causa. Espero que Deus me dê saúde para eu poder voltar. Esse colchãozinho é o primeiro que vou fazer, para pagar a insolvência e depois pagar aos trabalhadores. Penso que será à volta de dez milhões de euros. Bem negociado, com o administrador de insolvência. Com os trabalhadores não quero negociar nada. Vou até pagar mais, com os juros. Deram parte da sua vida. É lamentável aquilo que aconteceu. Não tem explicação, não tem desculpa. A única coisa que eu posso pedir é desculpas.