Índice
Índice
[Veja aqui se entrou no Ensino Superior]
A discussão vai ganhando cada vez mais forma. Diretores de escolas e associações de pais são unânimes a pedir que se repense o atual sistema de acesso ao ensino superior, e a própria OCDE recomendou a Portugal, no ano passado, que deixe cair a ligação direta que existe entre as notas dos exames nacionais e a entrada nas faculdades e politécnicos. Para Andreas Schleicher, diretor para a Educação da OCDE, este é mesmo o principal problema do sistema educativo português.
Do lado dos reitores e dos presidentes de politécnicos, a opinião é de que o modelo é transparente, é simples e garante igualdade de oportunidades à educação académica. Garantem que o tema não é tabu, mas preferem discutir a política de numerus clausus (restrições às vagas disponíveis) e formas de chamar mais estudantes para dentro das salas de aula. Quando lá chegam, a principal preocupação é garantir que os jovens têm sucesso, já que os números mais recentes de abandono escolar são de 29% no ensino superior.
Como funciona hoje o modelo de acesso? Em primeiro lugar, cada par instituição/curso define as suas exigências: que provas de ingresso têm de ser feitas pelo aluno (e que correspondem aos exames nacionais), qual a nota mínima que terá de ser obtida para o jovem se poder candidatar e que peso terão na média final. É também definido o valor mínimo de candidatura e a sua forma de cálculo. Se a lei diz que a nota das provas de ingresso nunca pode valer menos de 35% no cálculo dessa média, a verdade é que a maioria das instituições define um peso de 50% para a nota de exame e os restantes 50% para a média do ensino secundário.
E é aqui que dirigentes escolares e encarregados de educação encontram o principal problema do atual sistema. O que exigem não é o fim dos exames nacionais. É antes que o peso da prova que em duas horas avalia o conhecimento obtido no secundário seja menor.
A inspiração, dizem, pode vir dos sistemas de outros países europeus. Na Dinamarca, na Holanda, na Irlanda ou no Reino Unido os critérios de acesso são definidos pelas próprias universidades e quando a procura é muita entram em campo as políticas de numerus clausus. Em Espanha, existe uma prova de acesso (a Selectividad) que filtra quem segue ou não para o ensino superior. E em França o acesso era tradicionalmente livre, embora o presidente Emmanuel Macron tenha vindo a fazer uma série de reformas legislativas a sistema.
Aberta a discussão, o Observador ouviu seis opiniões sobre o tema. Deve, ou não, o modelo atual de acesso ao ensino superior ser repensado? O principal ponto em comum entre as várias visões é que ninguém defende uma revolução do atual sistema.
Sistema atual é universal e garante igualdade de oportunidades
Maria de Lurdes Rodrigues, reitora do ISCTE e ex-ministra da Educação
Universalidade e igualdade de oportunidades. Estas são duas garantias que o atual modelo de acesso ao ensino superior garante e que, defende Maria de Lurdes Rodrigues, quaisquer outros sistemas que fossem implementados em Portugal teriam de garantir também. “O que mudaria no concurso nacional? Acabar com esta modalidade que procura ser universal e garantir igualdade de oportunidades e deixar às universidades a definição de critérios de escolha? Surgem quase automaticamente inúmeros outros problemas que colocam em risco estes dois princípios que são muito importantes”, argumenta a reitora do ISCTE.
O sistema nacional de acesso, lembra a antiga ministra da Educação, tem muito tempo, “mais de 30 anos”, e os elementos essenciais são a conclusão do ensino secundário e a realização de exames que, depois, de forma diferenciada e em função das notas obtidas, permitem a entrada nos cursos escolhidos. “Não nos podemos esquecer que existem outros modelos para segmentos de estudantes. Temos o concurso para estudantes internacionais — que não tem estas regras, os jovens candidatam-se diretamente às universidades e elas fazem a sua seleção —, para estudantes vindos dos PALOP, e ainda para maiores de 23 anos, feito por concurso local. E há mais, há o modelo de acesso aos cursos TEsP que tem sido muito aproveitado pelos alunos que terminam o secundário na via profissional.” Ou seja, explica a reitora, no sistema já há diferentes modalidades, assentes em dois princípios diferentes: “O concurso nacional é um sistema universal que procura garantir a igualdade de oportunidades, os restantes são mais particularistas, atendem às características dos públicos a que se destinam e têm sistemas de recrutamentos adequados aos cursos que têm e aos estudantes que os procuram.”
Apesar disso, Maria de Lurdes Rodrigues recorda que o modelo que permite a entrada de maior número de estudantes é o concurso nacional de acesso, e fá-lo de forma cega, o que garante que todos são tratados de forma igual. “É um concurso que se organiza com base no princípio da universalidade e da garantia de igualdade de oportunidade para todos. Hierarquiza os estudantes, faz a sua seriação apenas em função de um critério e que é a sua nota. Podemos dizer que é mais meritocrática, mas é igual para todos. Não olha para o nome da família, para a cor dos olhos ou da pele. Procura ser universal. Os outros modelos, mais particularistas, são modelos que foram instituídos porque é necessário ter uma diversidade de modelos para responder à diversidade de problemas.”
Ao ser cego, a reitora do ISCTE acredita que o atual sistema evita problemas mais graves. “Imagine que as universidades tinham como critério de seleção uma entrevista e nela concluía que um aluno de 16,1 valores é melhor do que outro de 16,8 porque tem melhor carácter, ou porque é filho de um amigo meu, qualquer coisa. Estas coisas acontecem, estes particularismos, são as coisas da vida… Às vezes gostamos pouco de sistemas muito mecanizados, porque são muito redutores, mas têm lados positivos e evitam estas situações”, defende.
Pelo caminho, lembra que durante a Convenção Nacional do Ensino Superior, organizada pelo CRUP, Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, houve um certo consenso entre reitores de que o concurso nacional de acesso com todos os seus defeitos e dificuldades, “especialmente para o ensino profissional”, era ainda o melhor modelo.
“Se o que me pergunta é se isto precisava de ser tudo mudado, eu não acho que precise de ser tudo mudado. Não houve uma crítica na convenção que dissesse que o sistema tinha de mudar radicalmente. Quando se colocam em cima da mesa várias escolhas, não temos muitas alternativas: tenho um sistema deste tipo, que é cego, coloca em função de um critério, um único, e podemos dizer que é muito redutor. Com ele, nada sabemos sobre a experiência deste jovem, sobre as suas competências sociais, relacionais. Mas ao acrescentar critérios particularistas, eles começam a entrar por um campo de grande subjetividade, surgem automaticamente problemas e a universalidade e igualdade de oportunidades podem ser postas em causa”, detalha Maria de Lurdes Rodrigues.
Quanto aos alunos que por 0,1 ficam afastados do curso que escolheram, a antiga ministra da Educação sustenta que esse problema nada tem a ver com o atual sistema de acesso. O problema é outro.
“Os alunos que ficam de fora por causa de décimas resolve-se de outra forma. Isso são os numerus clausus. Não é por causa do modelo que ficam de fora alunos por décimas, ficam de fora porque não há lugares. Isso é uma coisa diferente, é uma reflexão diferente e que não põe em causa o modelo. A política de vagas devia ser revista, no sentido de aumentar vagas, e precisamos de remover tudo o que sejam obstáculos ao acesso do ensino superior”, conclui Maria de Lurdes Rodrigues.
É preciso discutir o modelo de acesso, nem que seja para ficar na mesma
Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas
Não é de hoje que os diretores de escolas pedem que se reveja o sistema de acesso ao ensino superior e Filinto Lima, o presidente da associação que representa diretores de agrupamentos e escolas públicas (ANDAEP), chegou mesmo a desafiar os reitores para se pronunciarem sobre este assunto. “O ensino secundário é um ciclo perdido”, resume. “Os resultados dos exames são os donos disto tudo, são eles que mandam e definem o futuro do aluno.”
O problema, na sua opinião, é o peso que é dado à nota dos exames nacionais no cálculo da média de acesso ao ensino superior, que considera excessivo (nunca inferior a 35% do total). “Isto perverte a finalidade de um ciclo de estudos. Quando entram no 10.º ano, os alunos já sabem — e os professores também sabem — que são três anos a marrar para os exames. Parece que nada mais interessa. E não é isso que pretendemos do secundário. Não podem ser três anos a decorar matéria para debitar num exame e depois esquecer tudo quando se chega à faculdade. Decorar e marrar não é obter conhecimento.”
Do 10.º ano ao 12.º, uma fase fulcral do desenvolvimento dos jovens, o professor considera que os alunos deveriam estar a adquirir outro tipo de competências, que os preparem para a vida, e que acabam por ficar pelo caminho, ultrapassadas pela necessidade de treinar os estudantes para as provas de ingresso ao ensino superior. “Com os olhos postos nos exames nacionais, damos prioridade a conteúdos programáticos prescritos por programas extensos, castradores, levando a que as escolas, numa subserviência implícita, secundarizem outros desempenhos, como o desenvolvimento de competências dos alunos no âmbito do empreendedorismo, da formação pessoal e cívica, da criatividade e do livre arbítrio, que lhes vão ser pedidas mais tarde na vida ativa.”
Assim, não estranha que muitos docentes universitários se queixem “reiteradamente da impreparação dos alunos quando entram no ensino superior, muito provavelmente por terem passado três anos da sua vida académica a treinar para exames”. Filinto Lima esclarece que a sua oposição não é aos exames nacionais per se e muito menos à média obtida no secundário. É a ponderação que é dada a um teste que avalia em duas horas o que o aluno aprendeu em três anos que considera demasiado pesada.
“Damos muito valor a exames nacionais que por uma décima decidem se um aluno ingressa ou não no ensino superior. Gostava que houvesse um debate público sobre este tema, nem que fosse para ficar tudo na mesma, caso se percebesse que esta é a melhor solução. O tema merecia estar na agenda política e devia fazer parte do programa de um futuro governo”, defende o diretor do agrupamento de escolas Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia. Na sua opinião, as instituições de ensino superior deveriam cruzar com os exames nacionais outro tipo de avaliações, definidas de acordo com a oferta que têm. Acredita que soluções há muitas, basta olhar para outros países europeus, e considera que o que está em falta é a vontade de mudança.
Diretores querem o fim do peso excessivo da nota no acesso ao ensino superior
“Por que motivo não são as faculdades — que se aproveitam do trabalho que nós fazemos, vão buscar a papinha já feita — a fazer os seus próprios exames? Porque não fazem entrevistas, análises de portfólio? Não vejo os reitores muito preocupados com o assunto porque estão acomodados ao atual modelo de acesso. Têm o trabalho todo feito. Só vão buscar os alunos que nós facultamos. Escolhem os melhores e está feito. Não estão muito interessados em discutir o assunto”, remata o presidente da ANDAEP.
Por último, lembra que as recentes alterações legislativas levaram a flexibilidade curricular para as escolas do básico e do secundário, oportunidade de mudança que, na sua opinião, será pouco aproveitada do 10.º ao 12.º ano. “Quantas escolas com ensino secundário aderiram ao modelo de flexibilidade? Pouquíssimas. Até ao 9.º ano, bastantes, mas no secundário, como o objetivo é tirar a melhor nota nos exames nacionais, poucas escolas se preocuparam com a flexibilidade. É quase incompatível, como aliás disse o Andreas Schleicher da OCDE”, conclui Filinto Lima.
Em fevereiro de 2018, o diretor para a Educação da OCDE esteve em Portugal. Nessa altura, ao falar sobre o ainda projeto-piloto da flexibilização curricular, disse haver uma tensão crescente nas salas de aulas: de um lado estava o novo perfil do aluno e o novo modelo que representa a forma comos os professores querem dar aulas e, do outro, a responsabilidade de preparar os estudantes para terem bons resultados nos exames nacionais. “Um dia, Portugal vai ter de alinhar o seu sistema de exames com este novo perfil do aluno”, disse então.
Vale sempre a pena melhorar o sistema, mas não passa pelos numerus clausus
Marçal Grilo, ex-ministro da Educação
“Vale sempre a pena tentar melhorar um sistema que vigora há muitos anos, que está muito testado e que as pessoas sabem muito bem como funciona. Acho que pode ser repensado e que pode ser feita uma reflexão sobre isso.” Eduardo Marçal Grilo, ministro da Educação entre 1995 e 1999, numa altura em que a pasta do ensino superior ainda não tinha sido autonomizada pelos governos, diz não ter uma ideia muito definida sobre o que podia mudar no modelo de acesso ao ensino superior, embora tenha algumas preocupações.
“Há algumas inovações que podem ser feitas, por exemplo, alguns cursos poderiam ter entrevistas, mais personalizadas, que poderiam trazer algum benefício. O curso de medicina, por exemplo, poderia ter umas regras diferentes e seguir um pouco os cursos norte-americanos em que há um recrutamento de candidatos que já têm uma seleção de base, em Física, ou o que for”, diz Marçal Grilo.
Por outro lado, assume que as entrevistas também têm o que chama de efeitos colaterais: “Temos um sistema em que entra o aluno que tem 18 e não o que tem 17 valores. Se alterar isto, se tiver um júri que diz que o de 17 deve entrar e o de 18 não, isso criará necessariamente algumas pressões e desequilíbrios que convém analisar.”
Outra inovação possível, diz, seria haver uma candidatura ao curso e não a cursos. “Não vou voltar aos exames de admissão que havia há 60 anos… Possível, é. Deixar os exames do secundário de lado e haver uma prova de candidatura. Poderia ser combinada, um exame, uma oral. Desta forma, disfarçava o aspeto negativo que realcei na entrevista”, acrescenta, sublinhando que precisaria de pensar mais tempo no tema para poder fazer uma reflexão profunda.
“Sou sempre favorável à mudança, sou um reformista, estou a favor de tudo o que pode melhorar. Agora se me perguntar: ‘É preciso revolucionar o sistema?’ Não me parece que uma rutura muito significativa se justifique neste momento. Mas que é um tema importante, é”, afirma o antigo ministro.
Uma mudança no peso percentual que têm hoje os exames nacionais no acesso ao superior (nunca menos de 35%) não o choca. Mas tem de haver um patamar mínimo, sublinha. “Não se pode fazer um exame e ter 3 valores. Há uma grande aleatoriedade numa prova de duas horas e em 40 mil candidatos, haverá 300 que tiveram um problema familiar, ou que o dia lhes corre mal. Mas quando o dia corre mal não se tem 3.”
Sobre os alunos que ficam de fora por uma décima, não lhe parece que a solução seja acabar com os numerus clausus. “Vamos supor que se acaba com os numerus clausus. O que acontece? Eu estive muito na origem dos numerus clausus em 1976/77, sei quais são as consequências. Eles começaram quase por causa dos cursos de medicina, principalmente por causa do curso de Lisboa. Não havia condições para acolher a quantidade de estudantes que queria Medicina. O que acontecia em 1975, 1976 no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, era que os doentes fechavam-se nas casas de banho porque não podiam ser auscultados e apalpados por 40 pessoas”, recorda.
“Se se acabar com o numerus clausus é uma enorme barafunda. Há cursos que têm grande procura, e seria difícil absorver os estudantes. Antes de 1975 não havia numerus clausus porque não havia massificação no ensino superior. Acabar com eles não me parece boa decisão, pode-se é tê-los de uma forma diferente, não geridos centralmente, mas têm de existir. Ou então escolhe os alunos por nota, escola a escola, e não há numerus clausus, mas é como se houvesse”, remata.
Em jeito de conclusão, Marçal Grilo relembra uma das perguntas que mais ouve: “Uma coisa muito relevante para mim é outra questão. Uma das perguntas que mais se faz é para que é que este curso serve? Pergunta clássica. O curso vai dar formação, não vai dar uma profissão. O que digo sempre é: o curso que fizerem, façam-no bem feito.”
Acesso ao ensino superior não é tabu, mas Governo tem de ser o regulador
António Fontainhas Fernandes, reitor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e presidente do Conselho de Reitores
Deve ou não o modelo de acesso ao ensino superior mudar? António Fontainhas Fernandes começa por salientar que tem três experiências distintas quando é questionado sobre este assunto. É pai, é reitor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e é também presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), o que lhe permite ter visão sobre os vários ângulos da questão.
Mas é como representante do CRUP que prefere responder. “Como presidente do conselho de reitores, remeto-me para aquelas que têm sido as nossas posições. Temos reunido com a Confap, que representa os pais, e temos tentando perceber o que está bem e o que está mal. Acima de tudo, parece-nos que o Estado tem de manter o papel de regulador que tem tido até agora. Mas este assunto não é tabu e temos uma abertura muito grande para falar com os pais e com os representantes do ensino secundário”, sublinha.
Quando faz o rol de prós e contras, o reitor da UTAD acaba por listar mais pontos positivos. “O regime atual de acesso tem algumas vantagens: é muito transparente, não se notam casos em que a sociedade mostre discordância e, por outro lado, é muito simples. Tem funcionado bem e isso é uma nota positiva. A questão é ver o peso das matérias no acesso”, explica. Ou seja, Fontainhas Fernandes garante que no CRUP há abertura para analisar o peso dos exames nacionais e de outros critérios na média final do secundário que determina a entrada, ou não, no curso pretendido. Apesar disso, acredita que o sistema é transparente e não tem causado grandes problemas ao longo dos últimos anos.
“É sempre possível fazer ajustamentos. O despacho de vagas do Ministério do Ensino Superior deste ano é diferente do do ano passado e fez-se ajustamentos pela positiva. O mais importante é o Estado manter este papel de regulador, até por questões de desequilíbrios demográficos e territoriais. Para nós, mais importante, é discutir as políticas que promovem o sucesso dos estudantes e alargar a base social dos candidatos, através do aumento da ação social para conseguirmos levar mais estudantes para o superior”, esclarece o reitor.
Por último, Fontainhas Fernandes ressalva outro ponto que considera positivo: há mais candidatos do que vagas e isso mostra uma confiança das famílias no ensino superior. “As famílias percebem que vale a pena investir na educação dos filhos, não só pela empregabilidade, mas também pela sua formação como cidadãos do mundo, e isso significa que ainda há espaço para o ensino superior crescer.”
Um sistema que discrimina quem segue o ensino profissional
Pedro Dominguinhos, presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos e do Instituto Politécnico de Setúbal
Estável, confiável, credível. O atual modelo de acesso ao ensino superior é tudo isto na opinião de Pedro Dominguinhos, o presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP). Mas é também injusto para quem termina o ensino profissional e não casa com o atual perfil do aluno à saída do ensino obrigatório, um documento do Ministério da Educação que traça as principais competências e conhecimentos que um jovem deve ter no final do 12.º ano.
Entre esta leitura das vantagens e desvantagens, o também presidente do Instituto Politécnico de Setúbal encontra mais pontos positivos para quem vem dos cursos científico-humanísticos em contraste com quem segue a via profissional. “Tem havido a produção de estudos e diagnósticos que mostram que o sistema que temos é estável, confiável, credível e funciona numa lógica de continuidade de estudos do 12.º ano para quem vêm das vias científico-humanísticas. Mas hoje em dia é óbvio que o sistema não responde aos alunos que chegam pela via do ensino secundário profissional, também porque não foi construído para responder.” Assim, defende, não se pode continuar a olhar para o ensino profissional como o fim da linha e lembra que só 20% destes estudantes prosseguem estudos no ensino superior, incluindo já os Cursos Técnicos Superiores Profissionais (CTeSP), que têm uma duração de dois anos letivos.
“Poderão dizer que o objetivo fundamental do ensino profissional não era o prosseguimento de estudos, mas houve uma alteração profunda naquilo que é o mundo do trabalho, na necessidade de formação ao longo da vida. Tem de haver aqui uma afinação, uma melhoria, no acesso ao ensino superior salvaguardando um conjunto de objetivos que são importantes como a universalidade, a equidade. Não me parece correto, usando as mesmas notas, colocar no mesmo concurso alunos que vêm das científico-humanísticas com quem vem do profissional. Quem é diferente tem de ser tratado de forma diferente”, argumenta Pedro Dominguinhos.
Ensino profissional à parte, o presidente do Politécnico de Setúbal não encontra muitas desvantagens no atual sistema, embora considere que o modelo de acesso merece ser discutido. “Temos um perfil de saída dos estudantes no final do ensino secundário que não é totalmente compaginável com a situação que temos. Temos a flexibilidade curricular. Diria que há novos dados que merecem ser discutidos e devemos discuti-los de uma forma abrangente face às novas realidades que temos no próprio sistema. Faz todo o sentido, mas tem de ser uma discussão aprofundada, não pode ser mudar apenas uma pequenina coisa, sem olhar para o sistema como um todo.”
Sobre as habituais críticas ao peso que as notas dos exames nacionais têm, Pedro Dominguinhos consegue ver neste o melhor dos modelos possíveis. “Os alunos só têm de fazer um exame, não têm de andar a fazer exames em cada uma das instituições a que se candidatam. Isso iria criar uma pressão e uma desigualdade social que poderia ter impacto maior nos estudantes com menores recursos económicos”, sustenta.
Concluindo, considera que o debate sobre a mudança tem de estar em cima da mesa. “O sistema tal como existe é fiável, é universal e é confiável entre todos os atores do sistema, mas naturalmente pressupõe uma centragem dos alunos do secundário mais na obtenção dos exames do que no desenvolvimento de competências. Nesse sentido, a utilização das notas dos exames nacionais tem de ser ponderada, olhando-se para outros sistemas e sabendo, desde logo, que todos terão vantagens e desvantagens”, sublinha o presidente do Politécnico de Setúbal.
Modelo é pouco transparente e favorece os mais fortes
Jorge Ascenção, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais
Um modelo injusto, pouco transparente e que favorece os alunos de famílias social e economicamente mais abastadas. Por acreditar em tudo isto, o representante das associações de pais em Portugal defende que está na hora de mudar o atual modelo de acesso ao ensino superior. Para Jorge Ascenção, presidente da Confap, o principal problema é olhar-se exclusivamente para uma nota, de forma cega, que dirá muito pouco sobre as competências de um aluno. Por outro lado, considera demasiado o peso dado à nota dos exames nacionais.
“Há jovens que têm um percurso no ensino básico e no secundário de excelência e os exames, que são subjetivos, simplesmente não lhes correm bem. Acho mal que o sistema de acesso defina o futuro de um jovem em duas horas quando ele andou 12 anos a estudar. São esses anos que faz sentido analisar. Quantos alunos por uma décima não conseguem entrar no curso que querem? Quem tem responsabilidade tem de parar para pensar e encontrar uma solução menos injusta”, defende o presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais.
Jorge Ascenção diz acreditar que o secundário tem de ser referência na altura de se ingressar no ensino superior e considera natural que as instituições queiram definir a média mínima com que os alunos entram. “Tudo isso faz sentido, mas depois tem de ser a instituição de ensino superior a pública e previamente definir os critérios para um aluno se poder candidatar, tem de ser ela a fazer a seleção dos seus estudantes. Não podemos é ter jovens que durante três anos andam focados só numa classificação, até podem ter um 20 e, no fim, não sabem nada daquilo.”
Se uma solução desse género avançasse, com cada universidade a criar o seu próprio exame, Jorge Ascenção não vê nesse cenário qualquer desvantagem. “Às vezes dizem-me: ‘Já viste o que era ir fazer o exame a cada uma das universidades?’ Quem diz isto está a brincar, não quer discutir o problema a sério. Então não há convénios entre as universidades? Se me quiser candidatar a Engenharia, o exame que faço na Faculdade de Lisboa não serve para o país todo? Isso é argumento de quem não quer ter de fazer a discussão.”
A opinião do presidente da Confap é, em quase tudo, diametralmente oposta à de reitores e presidentes de politécnicos que defendem que o atual modelo é o mais justo, objetivo e transparente. “Isso não é bem verdade. Justo e objetivo? Só quem não percebe a subjetividade que o sistema de exames encerra em si próprio é que pode afirmar isso. Um exame pode ser afetado por muita coisa, até pelo estado de espírito do estudante ou pelo do professor que o vai corrigir. Não é por acaso que quando se pedem reapreciações de notas na esmagadora maioria das vezes, ela sobe. E há outro nível de injustiça: aqueles que só se podem socorrer da própria escola como preparação para o exame, ficam em desvantagem em relação aos que têm condições financeiras para se socorrer de outros meios e que partem com vantagem para uma avaliação feita na memorização.”
Ensino superior e políticas públicas: muito pouco, demasiado tarde?