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Quando André Ventura indicou o nome de Diogo Pacheco Amorim para a vice-presidência da Assembleia da República já a esquerda tinha anunciado que ia chumbar o nome escolhido pelo Chega. A Constituição dita que as quatro maiores forças políticas têm o direito a propor um nome para o cargo, mas este tem de ser aprovado e nada impede que os deputados votem contra. Trata-se de uma votação secreta, e por isso, mais do que a posição do partido, conta a vontade de cada deputado.
O Chega quer fazer valer a ideia de que a tradição seguida nos últimos anos anos deve ser mantida, enquanto a esquerda quer impor uma “barreira à extrema-direita”. PCP e Bloco de Esquerda já deixaram claro o sentido de voto e algumas vozes do PS (incluindo um vice-presidente da bancada) já mostraram que devem juntar-se ao voto de protesto. Ao mesmo tempo, André Ventura já deixou claro que não irá desistir do cargo e que insistirá, indicando vários deputados até que um nome seja aceite (embora a maioria de esquerda esteja disposta a travar qualquer um dos doze).
Certo é que a Assembleia da República pode trabalhar sem um quarto vice-presidente eleito e, nesse caso, o Chega pode manter a insistência e acabar mesmo sem ninguém no cargo durante os próximos quatro anos.
O que diz a lei sobre a mesa da Assembleia da República?
A Constituição da República e o regimento da Assembleia da República são claros: os deputados são responsáveis pela eleição, com maioria absoluta, do presidente da AR e dos restantes membros da mesa, sendo eles quatro vice-presidentes, quatro secretários e quatro vice-secretários.
Segundo as regras, os vice-presidentes para este órgão são propostos pelos quatro maiores partidos com assento parlamentar — a questão que levantou toda a polémica. O Chega foi o terceiro partido com mais votos e deputados eleitos para o Parlamento, o que deu ao partido a possibilidade de sugerir um nome.
No regimento pode ler-se que “cada um dos quatro maiores grupos parlamentares propõe um vice-presidente e, tendo um décimo ou mais do número de deputados, pelo menos um secretário e um vice-secretário”. A tradição torna o vice-presidente destes partidos quase uma regra, mas vamos perceber que não é bem assim e que está tudo nas mãos dos deputados.
A tradição dita ainda que o presidente da Assembleia da República é escolhido pelo partido mais votado, mas nem sempre aconteceu assim. O exemplo mais recente é de 2015, em que Fernando Negrão (PSD) perdeu frente a Ferro Rodrigues (do PS), no ano em que os sociais-democratas venceram em eleições e em que foi firmada a geringonça. Nesse momento, os socialistas apresentaram um adversário para o candidato social-democrata e a maioria de esquerda acabou mesmo por dar a vitória a Ferro Rodrigues. Foi o primeiro ato que provou o funcionamento da geringonça.
Como são eleitos os vice-presidentes?
O regimento da Assembleia da República diz que são considerados “eleitos os candidatos que obtiverem a maioria absoluta dos votos dos deputados” e a votação é feita de forma nominativa. Ou seja, independentemente dos nomes apresentados e da decisão dos partidos, a votação é feita em urna fechada e cada deputado votará de acordo com aquilo que considera correto.
Há duas folhas de voto: uma para o presidente da mesa e outra para os restantes membros. O nome de todos os candidatos surge nessa mesma folha e à frente de cada um há um quadrado para votar. Uma cruz serve um voto a favor, a falta dela serve um voto branco (que, na prática, funciona como voto contra). São precisos 116 votos a favor (maioria absoluta) para que qualquer um dos membros seja eleito.
É exatamente aqui que começa a questão. PCP e Bloco de Esquerda já deixaram claro que vão votar contra o nome de Diogo Pacheco Amorim para a vice-presidência e algumas vozes do PS já deram a entender o mesmo. Mas já lá vamos.
O que acontece se um vice-presidente for chumbado?
A mesa da Assembleia da República pode funcionar caso seja eleito o número de membros suficientes para o quórum, que consiste no presidente e metade dos membros da mesa. Por outras palavras: a mesa pode funcionar caso o vice-presidente apresentado pelo Chega seja chumbado pelos deputados, ou seja, não mexe com o normal funcionamento dos trabalhos parlamentares.
Ao contrário do que André Ventura previu, o chumbo do vice-presidente do Chega não resultará assim um impasse institucional na Assembleia da República, tendo em conta que a mesa pode trabalhar (e está até previsto que assim seja) sem um dos quatro vice-presidentes. O único impasse é mesmo quanto à ocupação do lugar de vice-presidente, que pode nunca se verificar.
Ou seja, o que pode acontecer, e isso já dependerá apenas do Chega, será uma repetição constante da votação — que se pode estender por toda a legislatura. Ainda assim, independentemente da insistência por parte do partido nacionalista, nem o Parlamento pára, nem André Ventura tem forma de forçar ter um vice-presidente eleito para o cargo. Em termos legais, não há nada que obrigue a este cenário.
Já houve nomes chumbados nas mesmas circunstâncias?
Esta não é a primeira vez que um caso deste género acontece, mas não é nem tradição nem norma a Assembleia da República chumbar os nomes escolhidos pelas quatro maiores forças políticas. Contudo, o social-democrata Duarte Pacheco recorda ao Observador o que se passou com Nuno Kruz Abecassis, deputado do CDS cujo nome foi chumbado por várias vezes e que só viu o ‘sim’ três anos depois da primeira tentativa. O episódio é facilmente confirmado através do Diário da Assembleia da República da época.
O deputado do CDS, bem como a também deputada centrista Maria Helena Santo — que tinha sido proposta para secretária da mesa — serviram como uma espécie de vingança do Parlamento para com o líder do CDS na altura, Manuel Monteiro, que havia dito que os deputados e políticos em geral eram um “bando de sanguessugas que viviam à conta do orçamento”.
Nesse caso, o deputado democrata-cristão só conseguiu ficar na vice-presidência da Assembleia da República quando Manuel Monteiro deixou a liderança do CDS, três anos depois.
Apesar de este ser um caso aparentemente próximo, não se pode propriamente esperar o mesmo final. O problema do Chega, aos olhos da esquerda, é o próprio partido e não um deputado ou um líder. Da direita à esquerda, há vários partidos que têm estabelecido linhas vermelhas e que recusam falar com André Ventura. Agora, e apesar de esta ser uma questão institucional, alguns deles estão a aproveitar para manter a postura de afastamento do partido, para criar uma barreira e para afirmar uma convicção.
Como começou a polémica?
A polémica rebentou quando, depois de uma noite eleitoral em que o Chega ficou em terceiro lugar, a esquerda começou a dar indícios de que iria vetar o nome do partido — fosse ele qual fosse — para a vice-presidência da Assembleia da República.
Diogo Pacheco Amorim é o nome indicado pelo Chega para a vice-presidência da Assembleia da República
A esquerda apressou-se a antecipar que o vice-presidente do Chega poderia ver um cartão vermelho no dia da votação. Jerónimo de Sousa confirmou-o de viva voz, ao dizer que “não será com os votos do PCP que o Chega terá esse lugar institucional” e, pelo Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua prometeu uma “barreira à extrema-direita”, que incluía o voto contra em Pacheco Amorim (ou qualquer outro).
Na Rádio Observador, Hugo Pires, vice-presidente da bancada parlamentar do PS admitiu que também votará contra o nome do Chega por ser “democrata” e “liberal”.
O socialista argumentou que o Chega é “um partido que quer alterar e mudar a própria constituição” e que “não servirá bem os portugueses”, frisando que se trata de “um partido de extrema-direita que tem laivos racistas, xenófobos, que é contra a comunidade cigana, os afrodescedentes, os refugiados que fogem da guerra e da fome, que tem uma postura misógina e se opõe ao feminismo, é contra as mulheres” e que procura uma “tentativa de pôr portugueses uns contra os outros”.
Eleições da AR. PS “não pode ceder à extrema-direita”, Chega diz que tem “direito” à eleição
Por parte do Chega, rapidamente se levantaram vozes próximas de André Ventura, com o partido a defender-se e a falar em “boicote” e em “conspiração”. O Chega insistiu que, “no limite”, continuará a apresentar nomes de deputados até que a tradição seja cumprida e referiu que esta votação vai mostrar se existe “uma cultura democrática ou não democrática” por parte dos partidos.