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Para assegurar o distanciamento necessário entre os fiéis, a lotação das igrejas foi muito reduzida
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Para assegurar o distanciamento necessário entre os fiéis, a lotação das igrejas foi muito reduzida

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Para assegurar o distanciamento necessário entre os fiéis, a lotação das igrejas foi muito reduzida

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

"É uma alegria reencontrar-vos". Máscaras, distâncias e o medo em cada gesto no regresso às missas

Mesmo com a lotação reduzida a 70 pessoas, a igreja de Benfica, em Lisboa, não deixou ninguém à porta: o medo ainda impede muitos de saírem de casa. No reencontro com a missa, tudo foi diferente.

Quarenta e cinco minutos antes das 17h deste sábado, já havia fila junto à porta lateral direita da igreja paroquial de Benfica, em Lisboa. Pequenas cruzes de fita adesiva vermelha, coladas na calçada portuguesa, marcam as distâncias de segurança que devem ser observadas pelos fiéis, necessariamente munidos de máscara, enquanto esperam para entrar. A lotação da igreja foi reduzida de perto de 300 para apenas 70 pessoas. Após dois meses e meio de suspensão por causa da pandemia da Covid-19, as missas católicas puderam, neste fim-de-semana, voltar a ser celebradas com a presença física de fiéis. Porém, neste regresso à missa, tudo foi diferente do habitual.

“Era bom ter a missa na sala mas não é o mesmo”

Nos bancos da igreja de Benfica, onde antes se sentavam pelo menos sete pessoas, sentam-se agora, uma ou duas, de forma alternada. Na sexta-feira, um grupo de voluntários do grupo de jovens da paróquia passou a tarde na igreja a fazer os preparativos: nos bancos, foram coladas pequenas etiquetas com a indicação “sente-se aqui”; no chão dos corredores central e laterais, pequenas setas vermelhas ou verdes, a indicar o sentido das deslocações permitidas; à porta, um tapete continuamente borrifado com desinfetante serve para a limpeza dos sapatos. Além disso, ninguém entra na igreja sem desinfetar as mãos e sem colocar uma máscara (se não trouxer de casa, a paróquia oferece uma, resultado de uma parceria com a junta de freguesia). Durante a missa, a desinfeção das mãos é repetida para todos os que pretendem comungar.

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Quarenta e cinco minutos antes da hora marcada para a primeira missa depois do desconfinamento, já havia fila à porta da igreja de Benfica

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Quando, a meio da tarde deste sábado, começaram a chegar à porta da igreja os primeiros fiéis para a celebração, os responsáveis da paróquia estavam preparados para lidar com eventuais problemas relacionados com a lotação do templo. Afinal, a missa das 17h de sábado é uma das mais concorridas da paróquia e a igreja está habitualmente cheia — e não raras vezes acumulam-se fiéis em pé ao fundo dos bancos. Desta vez, só as primeiras 70 pessoas a chegar poderiam entrar. “As pessoas estão habituadas a vir quando quiserem… Acho que vão querer entrar todas de uma vez e não vão poder. Não sei se não vai haver problemas”, desabafava na sexta-feira ao Observador a florista Manuela Graça, há anos encarregada dos arranjos florais da igreja — que, desta vez, foram feitos “tal e qual como se fosse um dia normal”.

Os receios acabariam, contudo, por não se concretizar. Quinze minutos antes do arranque da missa, já a grande maioria dos fiéis que iriam aparecer tinham entrado na igreja. Maria Luísa Baptista foi uma delas. Já tinha visto, da janela de casa, a fila a formar-se junto à igreja quando um amigo lhe telefonou. “Olha que já aqui estou na fila”, ouviu. “Então está bem, já aí vou.” Com mais de 70 anos, Maria Luísa nunca casou: consagrou toda a sua vida à Igreja Católica, especialmente à paróquia de Benfica (que conhece “de frente para trás e de trás para a frente”), e é na comunidade paroquial que tem toda a sua família. Por isso, os últimos dois meses e meio foram duros. Seguiu a missa das 11h a partir de Fátima, a das 12h na Rádio Renascença e o terço à noite. De manhã, conseguia passar pela igreja — que nunca chegou a fechar portas —, mas foram quase três meses sem os amigos com quem vai diariamente à missa.

Por isso, não quis perder a oportunidade de estar na primeira missa depois do desconfinamento: antes das 16h30, já assegurava o seu lugar junto a uma das cruzes vermelhas no chão para entrar na igreja.

Voluntários do grupo de jovens da paróquia passaram a tarde de sexta-feira a preparar a igreja para o novo normal nas missas

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

A única exceção à regra do distanciamento no interior da igreja vai para as famílias que cheguem em conjunto. Nesse caso, os membros da família podem sentar-se juntos em bancos reservados especialmente para o efeito nas laterais da igreja. Ricardo e Ana, que chegam da Amadora com os filhos Lourenço e Maria, ocuparam um desses bancos reservados às famílias. À falta de missas em algumas paróquias da Amadora — a situação preocupante naquele concelho levou várias igrejas a não retomarem ainda os cultos públicos —, o casal veio à missa a Benfica.

“Não foi para nós uma hipótese não vir à missa quando havia uma abertura à celebração comunitária”, assegura Ana, à entrada da igreja. Desde o primeiro fim de semana de março que a família, em teletrabalho e em telescola, não vai à missa: “Assistimos à missa na televisão todos os dias, às celebrações que houve em Fátima, às celebrações organizadas pelo Papa Francisco”. Mas, ao fim de três meses, vão voltar a comungar. “É um ato concreto, físico”, explica Ana. “Sinto falta de estar em assembleia. Mas tenho consciência de que estamos numa realidade muito pontual e que a nossa população é muito envelhecida, principalmente quem assiste às eucaristias, e isso é para nós todos, cristãos, certamente um momento de preocupação, porque não sabemos qual vai ser a aceitação nestas condições em que vamos retomar.”

"Tivemos de começar por fazer a medição da área da igreja para perceber quantas pessoas poderíamos cá ter dentro, tendo em conta aquilo que era a regra apresentada. Tivemos de fazer um bocadinho de ginástica para conseguir meter pelo menos as 70"
Padre Nuno Rosário Fernandes, pároco de Benfica

Tal como Maria Luísa, a família é encaminhada pelos corredores da igreja por um conjunto de voluntários, equipados com coletes refletores, responsáveis por garantir que os lugares são ocupados por ordem (a começar pela frente da igreja) e que ninguém contacta desnecessariamente com ninguém. Um primeiro voluntário borrifa o tapete da entrada com desinfetante, para que se limpem os pés; um segundo dispensa desinfetante para as mãos, e um terceiro encaminha os fiéis ao longo dos corredores, marcados com as setas verdes. No total, a paróquia conta com um grupo de mais de 50 voluntários, entre membros do grupo de jovens, escuteiros e outros paroquianos mais ativos, que se vão dividir em equipas pelas sete missas que vão ser celebradas todos os fins-de-semana.

O padre Nuno Rosário Fernandes (à esquerda) é o pároco de Benfica e foi ele quem coordenou o trabalho dos voluntários e a organização da igreja no regresso às missas

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

“É uma alegria reencontrar-vos”

Poucos minutos antes da missa, praticamente todos os fiéis já estão sentados nos lugares assinalados, num xadrez desenhado para maximizar as distâncias entre cada pessoa. O padre Nuno Rosário Fernandes, pároco de Benfica, que tinha estado à porta da igreja a receber os fiéis e a coordenar os voluntários, sobe ao altar, de máscara, para dar as boas-vindas a quem chegou para a primeira missa da paróquia. “É uma alegria reencontrar-vos”, disse o sacerdote, antes de repetir um conjunto de regras: não há cumprimentos no momento do abraço da paz; no momento da comunhão, começam os do fundo e seguem as indicações dos voluntários; no final, ficam nos lugares à espera de indicação sobre a ordem de saída.

Durante a celebração, os fiéis estiveram dispostos de forma alternada nos bancos da igreja, cuja lotação máxima foi reduzida para 70 pessoas

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

“Eu acredito sempre na boa vontade das pessoas e no bom senso da parte das pessoas”, explica o padre ao Observador, mostrando-se confiante no respeito dos paroquianos pelas normas — mesmo numa altura em que surgem polémicas à volta dos católicos mais ortodoxos que se opõem à proibição de receber a comunhão diretamente na boca. “Tudo isto passa por uma questão de segurança para todos nós. Temos de olhar sempre para o bem do outro. Não pensar apenas naquilo que para mim pode ser mais conveniente, no que para mim, até na minha devoção, na minha forma de viver a fé, pode fazer mais sentido. Aqui, penso que temos que ter este bom senso no sentido de apelar para que todos estejamos para o mesmo. Estamos ali para o mesmo e procuremos viver com serenidade, sobretudo, e com entrega, este momento festivo.”

De acordo com as normas decididas em conjunto pela Conferência Episcopal Portuguesa e a Direção-Geral da Saúde, as igrejas passaram a ter de definir uma lotação máxima que deve ser afixada à porta. No caso da igreja de Benfica, são 70 pessoas. “Tivemos de começar por fazer a medição da área da igreja para perceber quantas pessoas poderíamos cá ter dentro, tendo em conta aquilo que era a regra apresentada”, explica o padre Nuno Rosário Fernandes. “Tivemos de fazer um bocadinho de ginástica para conseguir meter pelo menos as 70”, admite. “É sempre difícil, quem esteve muito tempo sem poder participar na Eucaristia e agora que gostaria de vir e se calhar não vai conseguir entrar logo quando deseja, apelamos muito à paciência e à boa-vontade por parte das pessoas para isso.”

"Tenho testemunhos que me têm chegado de pessoas que não tinham contacto nenhum com redes sociais e que começaram a ter para acompanhar a missa"
Padre Nuno Rosário Fernandes, pároco de Benfica

Na primeira missa, a lotação esteve perto de esgotar, mas não chegou a acontecer. Alguns dos lugares nas laterais ficaram por preencher. Talvez por medo, especulava-se à porta, no momento em que os voluntários verificavam se os fiéis tinham as máscaras bem colocadas. “Têm de entrar na igreja com máscara, permanecer durante a celebração com máscara, retirar apenas quando chegar o momento de receber a sagrada comunhão”, explica o sacerdote. Esse é o único momento em que a máscara é retirada, apenas durante breves segundos, e não há lugar ao habitual diálogo entre o padre e o fiel (“O corpo de Cristo”; “Ámen”). Em vez disso, este diálogo é feito coletivamente antes da distribuição das hóstias, com o padre ainda no altar.

Na primeira missa celebrada com os fiéis em Benfica após o desconfinamento, presidida pelo padre Natanael Harasym, vigário paroquial, o momento da comunhão acabaria por ser o mais confuso. Muitos dos participantes, sobretudo os mais idosos, não perceberam bem a dinâmica da distribuição da comunhão e a necessidade de manter a distância de segurança, e os voluntários não tiveram mãos a medir para garantir que ninguém se aproximava demasiado de outra pessoa. “Estamos todos a aprender”, disse no fim o padre Natanael, salientando que os paroquianos se tinham portado “muito bem” durante a missa. “Até melhor do que eu.

A missa das 17h, primeira com presença física dos fiéis depois do desconfinamento, foi presidida pelo padre Natanael Harasym

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Fé digital veio para ficar

O regresso, gradual e com restrições, às missas presenciais vai causar estranheza durante muito tempo. As missas não parecem as mesmas: o silêncio causado pelo vazio, a distância entre os fiéis de máscara e o medo em cada movimento retiram às celebrações católicas, sobretudo às de domingo, aquela atmosfera de celebração familiar semanal. Ao mesmo tempo, parece ter havido uma migração de muitos católicos para o meio digital.

Logo desde o momento da suspensão das missas, o padre Nuno Rosário Fernandes — já habituado a essas tecnologias por ser o responsável de comunicação do patriarcado de Lisboa e por assegurar várias transmissões, em tempos normais, das celebrações do cardeal-patriarca — começou a transmitir as celebrações a partir da igreja paroquial de Benfica.

Os fiéis têm de estar de máscara durante toda a missa. Só durante a comunhão podem retirá-la, para receber a hóstia

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

A igreja esteve sempre aberta, num horário mais restrito, com um grande apoio que a junta de freguesia de Benfica nos deu, que diariamente tem vindo fazer a desinfeção da igreja”, explica o sacerdote. “Começámos logo com as transmissões. Tínhamos meios para isso e começámos desde logo a fazer a transmissão. Tenho testemunhos que me têm chegado de pessoas que não tinham contacto nenhum com redes sociais e que começaram a ter para acompanhar a missa. Testemunhos de quem não tinha o hábito da missa nem de rezar o terço e agora pede para que continuemos com o terço”, acrescenta.

“Todas as noites estamos ali, estamos com gosto, com muita paixão e muita entrega. Era um tempo especial, em que as pessoas estavam fechadas, com o ânimo em baixo. O objetivo era que houvesse esta presença da Igreja junto das pessoas. É uma comunidade não física. Não lhe quero chamar virtual, mas é uma comunidade na rede. Online”, sublinha o padre, sem dúvidas de que “a fé ficou mais fortalecida” e de que “desta pandemia podem sair pessoas com mais sentido de responsabilidade pelo outro”.

João Oliveira, 20 anos, estudante de eletrotecnia na Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade Nova de Lisboa, foi um dos paroquianos que acompanharam as transmissões com frequência. “Eu prefiro vir à missa presencialmente, mas acho que a Igreja fez um esforço para transmitir as missas pelo Youtube, o que também possibilitou viver a fé de uma maneira diferente”, diz João ao Observador. Encontrámo-lo na sexta-feira, a ajudar a colar as setas verdes e vermelhas nos corredores da igreja.

João Oliveira, 20 anos, foi um dos voluntários que ajudaram a paróquia a preparar-se para cumprir as regras durante as missas

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Membro do grupo de jovens, costumava tocar guitarra todos os domingos na missa das 19h e rezar o terço em conjunto nas noites de quarta-feira. Nos últimos meses, também o grupo de jovens da paróquia migrou para a plataforma Zoom. Voltaram agora, no desconfinamento, para ajudarem a paróquia a organizar as celebrações presenciais. Mas não têm dúvidas: mesmo com o regresso tímido das celebrações presenciais, os hábitos de experiência espiritual digital adquiridos durante a pandemia vieram para ficar.

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