A economia portuguesa e o bloco europeu, como um todo, podem ter escapado à recessão que chegou a ser vista como inevitável. Embora haja economistas que avisam que ainda é cedo para descartar esse risco, os indicadores divulgados esta terça-feira trouxeram boas notíciascrescimentos positivos no quarto trimestre e taxas de inflação que dão sinais de terem passado o pico. Com boa parte das maiores economias europeias em estagnação, porém, os especialistas antecipam um ano de 2023 “frágil” – e, em Portugal, tudo vai depender do turismo e da execução dos fundos europeus.

Para o Governo, que através do Twitter comentou a estimativa do Instituto Nacional de Estatística (INE) de um crescimento de 0,2% no quarto trimestre, o risco de recessão “está afastado”. Já o ministro das Finanças, Fernando Medina, tinha descartado esse risco nas últimas semanas. Mas “isto não está famoso“, avisa o economista Abel Mateus, olhando para os dados do Eurostat que apontam para um crescimento ligeiramente positivo (0,1%) na zona euro no quarto trimestre.

A generalidade dos economistas antevia um recuo de 0,1% na economia da zona euro no quarto trimestre, pelo que os dados preliminares (que incluem apenas 12 países da zona euro) saíram melhores do que o esperado. Porém, “há aqui uma data de países – Alemanha, República Checa, Suécia, Áustria… todos com variações negativas no crescimento [do quarto trimestre, face ao terceiro]”, salienta o economista, notando que mesmo onde há crescimento ele é “muito baixo”. “Ainda é cedo, penso eu, para dizer que estamos fora de perigo de recessão“, defende Abel Mateus.

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Uma recessão técnica define-se como dois trimestres consecutivos de variações negativas de trimestre para trimestre. E, nessa perspetiva, a confirmarem-se as estimativas preliminares do Eurostat e do INE, é provável que a recessão tenha sido evitada, admite Pedro Braz Teixeira, diretor do gabinete de estudos do Forum para a Competitividade.

“Os trimestres em que se admitia que as economias caíssem eram o quarto trimestre de 2022 e o primeiro de 2023 – mas as coisas estão a melhorar, os últimos dados da confiança [de janeiro] já estão em terreno positivo e, por isso, com estes valores positivos no quarto trimestre julgo que o cenário da recessão fica definitivamente afastado“, afirma Pedro Braz Teixeira.

Os dados do INE também surpreenderam o instituto de pesquisa económica da Universidade Católica, o NECEP, que tinha chegado a admitir que a economia portuguesa poderia ter caído 0,5% no quarto trimestre. Um crescimento de 0,2% “é melhor do que estávamos à espera“, diz João Borges de Assunção, líder do NECEP, “mas é consistente com a nossa ideia de que, ultrapassado este ressalto pós-pandemia, estamos numa zona de crescimento muito lento“. O especialista nota que “uma leitura negativa” do valor é que se trata de uma desaceleração face aos 0,4% que a economia tinha crescido no terceiro trimestre, em relação ao segundo.

Para 2023, a incerteza é grande e o NECEP admitiu em meados de janeiro um crescimento que pode ir de um valor negativo (-1%) até um valor positivo (2%) – ou seja, com um ponto médio em 0,5%. Ao Observador, João Borges de Assunção admite, agora, que os dados revelados esta terça-feira pelo INE “suportam marginalmente uma subida do ponto médio de 0,5%“. O Governo inscreveu no Orçamento do Estado um crescimento de 1,5%, com a Comissão Europeia a prever que a economia portuguesa irá crescer menos de metade: 0,7%.

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O crescimento da economia portuguesa no quarto trimestre, de 0,2%, foi um dos melhores na zona euro, de acordo com dados divulgados pelo Eurostat também esta terça-feira. O Eurostat revelou que a economia da zona euro surpreendeu com um crescimento positivo de 0,1% no quarto trimestre, o que significa que poderá escapar à recessão mesmo que tenha um recuo trimestral neste primeiro trimestre (é preciso dois trimestres consecutivos de crescimento negativo para cumprir a definição de recessão técnica).

Os economistas antecipavam um recuo já neste quarto trimestre mas, de acordo com o Eurostat, a economia da zona euro teve um crescimento ligeiramente positivo apesar da contração na Alemanha e em Itália. França e Espanha estão entre as economias que tiveram um crescimento maior, além de Portugal e Irlanda.

2023. Tudo vai depender do turismo e do PRR

Um “contributo positivo expressivo” da procura interna, que o INE não quantifica para já, foi o fator que mais impulsionou a economia portuguesa em 2022, ano em que o PIB cresceu 6,7% – mais duas décimas do que o Governo colocou no Orçamento do Estado mas menos uma décima do que os 6,8% previstos pelo Governo e pelo Banco de Portugal em dezembro.

Este crescimento de 6,7% foi o mais elevado desde 1987 e seguiu-se ao aumento de 5,5% em 2021 (após a quebra histórica de 8,3% em 2020, o primeiro ano da pandemia). Porém, apesar de ter sido a procura interna a impulsionar a economia, o próprio INE adianta que esse é um “motor” que está a perder gás – embora tenha havido em 2022 uma “aceleração do consumo privado“, notou-se, também, um “abrandamento do investimento“.

Se em 2022 ainda pôde haver essa aceleração do consumo privado, é muito provável que essa componente do PIB desvaneça em 2023, diz Pedro Braz Teixeira, devido ao “efeito devastador” da subida das taxas de juro e das pressões inflacionistas que se mantêm e não vão baixar de forma rápida. Em 2022 a poupança acumulada pelo portugueses na pandemia terá ajudado a suportar o consumo privado – porém, a taxa de poupança caiu muito rapidamente e atingiu mínimos históricos em setembro de 2022, o que não traz boas perspetivas para o consumo numa altura em que se antecipa que as taxas de juro vão continuar a subir.

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É por essa razão, entre outras, que Abel Mateus defende que o desempenho da economia portuguesa em 2023 “vai depender muito da continuação da recuperação do turismo, que é uma variável crucial porque os salários reais não estão a crescer e o enquadramento externo não é famoso”, pelo que as exportações também não gozam de ventos especialmente favoráveis.

O que rouba algum otimismo a João Borges de Assunção, neste ponto, é que o turismo já recuperou o nível de receitas pré-pandemia – “isso significa que mesmo que continue a crescer, não será um crescimento tão veloz como até agora na recuperação”. É a mesma perspetiva lançada por Pedro Braz Teixeira que sublinha que, neste enquadramento frágil, “o que o Governo tem de fazer é aquilo que prometeu e não tem feito” que é “acelerar a execução do PRR, que não se compreende como é que não está a ser executado como devia”.

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Na mesma manhã em que o INE divulgou esta primeira estimativa para o crescimento de 2022, o organismo também indicou que a inflação registou no primeiro mês do ano uma variação de 8,3%, face ao mesmo mês de 2022 – uma evolução que se confirma o abrandamento da subida dos preços que se verifica desde novembro, consecutivamente.

Por outro lado, a taxa de desemprego subiu para 6,7% em dezembro de 2022, o valor mais elevado desde junho de 2021 e que compara com 6,5% em novembro e 5,9% em dezembro de 2021. O governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, tem referido que a solidez do mercado de trabalho é aquilo que previne um cenário de “estagflação”, o termo usado pelos economistas para descrever um período de baixo crescimento (estagnação económica) em simultâneo com uma subida dos preços a um ritmo superior ao desejável.

Taxa de desemprego sobe para 6,7% em dezembro, máximo desde junho de 2021