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SOPA Images/LightRocket via Gett

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Em Rafah, a ajuda humanitária não entra e os refugiados não saem. Por que não abre o Egipto a passagem?

Negociações arrastam-se há dias, mas Egipto continua a recusar deixar entrar refugiados de Gaza — incluindo estrangeiros. Sisi teme que Hamas alimente insurgência do Sinai e uma crise permanente.

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Há dias que os portões da passagem de Rafah estão fechados. Do lado egípcio, acumulam-se os camiões cheios de ajuda humanitária: trazem comida, água potável, gaze e muitos outros mantimentos necessários para uma região que está a ser bombardeada há uma semana. No aeroporto de El Arish, a apenas 50 quilómetros, há aviões cheios de mais material, enviados por países como os Emirados Árabes Unidos e organizações como a OMS. Mas não vale a pena serem descarregados se os portões de Rafah não abrirem.

Do outro lado da fronteira, ainda dentro da Faixa de Gaza, a fila de carros, carrinhas e carroças cresce cada vez mais. Os estrangeiros que vivem no território, bem como os palestinianos que têm passaporte estrangeiro, acumulam-se na zona de fronteira à espera que lhes seja concedida autorização para passar para o Egipto. Até agora — e apesar das muitas notícias de que um acordo estaria a ser negociado entre o país, os Estados Unidos e Israel —, os portões continuam fechados.

O impasse: Cairo exige entrada de ajuda humanitária em troca de saída de estrangeiros

A situação promete agravar-se. Para além da espera, a passagem de Rafah (a única saída de Gaza não controlada por Israel) foi alvo de bombardeamentos aéreos por parte das Forças Armadas israelitas no início desta semana, o que foi invocado pelo Egipto como justificação para fechar de vez a passagem desde aí. Os que estão no local temem que haja novos ataques aéreos, mas Telavive parece ter suspendido os ataques àquela zona depois de ter apelado publicamente aos palestinianos de Gaza que fujam para sul, em direção a Rafah.

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Os camiões com ajuda humanitária acumulam-se no Sinai

Getty Images

O impasse, porém, continua. O Cairo diz que não pode permitir a passagem de pessoas, nem sequer cidadãos estrangeiros, se não for autorizada a entrada da ajuda humanitária. Israel continua a ameaçar atacar os camiões com mantimentos, porque implicariam o desfazer do cerco que decretou a Gaza, impedindo a entrada de comida, água, combustíveis e fornecimento de eletricidade. E o mais provável é que, se a invasão terrestre a Gaza começar entretanto, mais civis se dirijam para sul à procura de refúgio.

Vários governos como o norte-americano, o francês, o brasileiro, o mexicano e o ucraniano desdobram-se em apelos ao Egipto para que permita pelo menos a saída dos seus cidadãos em Gaza — e aludem vagamente à possibilidade de criar um corredor humanitário para que os palestinianos também possam sair. O Papa Francisco pediu este domingo que seja criada uma saída para pelo menos “as crianças, os doentes, os mais velhos, as mulheres e todos os civis”.

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Família de palestinianos com passaporte estrangeiro aguardam nos portões da passagem de Rafah

Anadolu via Getty Images

O secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, continua os esforços diplomáticos, devendo encontrar-se ainda este domingo com o Presidente egípico, Abdel Fatah el-Sisi. O ministro da Defesa italiano, Guido Crosetto, declarou que seria “vital” que o Egipto abrisse a passagem de Rafah, demonstrando assim “a sua liderança no mundo árabe”.

Na noite de sábado, porém, o porta-voz palestiniano da passagem de Rafah, Wael Abu Omar, confirmava ao New York Times que as entradas e saídas continuavam bloqueadas.

A má relação com o Hamas, o medo de um fluxo de refugiados e a solidariedade com a Palestina. O ato de equilíbrio de Sisi

A resposta foi parcialmente dada pelo Presidente egípcio num discurso feito na passada terça-feira, durante uma cerimónia de fim de curso da Academia de Polícia: “É claro que temos empatia. Mas temos de ter cuidado. Ao mesmo tempo que empatizamos, temos de usar as nossas cabeças para alcançar a paz e a segurança de uma forma que não nos custe demasiado”, disse, referindo-se à situação dos milhares de refugiados palestinianos que esta guerra irá provocar.

Aliado tradicional da causa palestiniana e vizinho de Israel (com quem mantém a paz desde 1979), o Egipto sente que está numa posição delicada desde que o Hamas levou a cabo um ataque em solo israelita que já matou mais de mil pessoas — e que Israel reagiu com bombardeamentos a Gaza que mataram mais de duas mil.

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O Presidente egípcio Sisi diz não querer lidar com mais refugiados

Getty Images

Por um lado, de um ponto de vista pragmático, não quer lidar com milhares de refugiados para além dos 300 mil que já alberga e que aumentaram recentemente com a guerra no Sudão. Mas há mais no cálculo do Cairo.

Este sábado, o deputado egípcio Mustafa Bakri afirmou à televisão Al-Arabiya que o país “avisou Israel e os outros atores internacionais de que vai lutar contra todas as tentativas de realojar palestinianos no Sinai”. Em causa, diz, está a tentativa de usar a península do Sinai para resolver o problema israelo-palestiniano.

O mesmo apontaram à jornalista Shahira Amin dois responsáveis da segurança do país, de acordo com um artigo escrito pela própria e publicado no site do Atlantic Council. O temor dos egípcios é antigo e ganhou força com um rumor de 2020, de que faria parte do plano de paz da presidência de Donald Trump para o Médio Oriente: recolocar palestinianos da Faixa de Gaza na península do Sinai, no Egipto, em troca de um perdão da dívida externa do país. Na prática, porém, tal proposta nunca foi oficialmente feita.

Mas o receio de que possa vir a ser posta em prática permanece entre as autoridades egípcias. E não é apenas o acolhimento de refugiados que preocupa Sisi: é a de que os conflitos entre Hamas e Israel possam também vir a ser exportados para o Sinai, onde o Egipto tenta manter uma indústria baseada no turismo, depois de ter derrotado grupos insurgentes jihadistas que atuaram na região durante anos.

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A península do Sinai foi palco de uma insurgência jihadista durante anos

AFP via Getty Images

Sisi olha inclusivamente com desconfiança para o Hamas e teme que membros do grupo possam vir infiltrados na vaga de refugiados para o Egipto. Por um lado, o Hamas está ligado à Irmandade Muçulmana, rival política de Sisi.Por outro, já em 2008 houve entrada de militantes do Hamas no Egipto, com a passagem de centenas de pessoas para o Sinai, lembra a Associated Press. A rivalidade entre Sisi e o Hamas é tal que, lembra o New York Times,  aquando da invasão de Israel a Gaza em 2014, o Egipto apoiou fortemente a iniciativa de Telavive: “Eles diziam aos israelitas para deitarem todas as portas abaixo em Gaza, para acabarem com eles”, resumiu ao jornal o analista Steven Cook, do Conselho de Relações Externas.

Por todas estas razões, o Cairo mantém-se firme em não abrir a passagem de Rafah. Mas a pressão externa, em particular dos Estados Unidos, adensa-se. Do ponto de vista interno, com eleições à espreita em dezembro deste ano, o Presidente egípcio também não quer dar um passo em falso e irritar uma população solidária com a Palestina, mas que, com uma crise económica interna, não quer lidar com milhares de refugiados.

“Se o Presidente egípcio recusar a proposta dos EUA, isto vai provavelmente exacerbar as tensões entre o Cairo e Washington e muitos irão ver o Egipto como cúmplice na morte de civis palestinianos inocentes. Se aceitar, será visto pelas Forças Armadas e por muitos egípcios como estando a minar a segurança nacional do Egipto e a ceder território aos palestinianos. É um cenário clássico de ‘preso por ter cão e preso por não ter’.”
Sahira Amin, jornalista egípcia

“Se o Presidente egípcio recusar a proposta dos EUA, isto vai provavelmente exacerbar as tensões entre o Cairo e Washington e muitos irão ver o Egipto como cúmplice na morte de civis palestinianos inocentes”, resume Sahira Amin. “Se aceitar, será visto pelas Forças Armadas e por muitos egípcios como estando a minar a segurança nacional do Egipto e a ceder território aos palestinianos. É um cenário clássico de ‘preso por ter cão e preso por não ter’.”

Mundo árabe não quer contribuir para uma segunda Nakba

Na prática, porém, nada parece estar a favor de que se crie um corredor humanitário de facto que possa servir para colocar a salvo milhares de civis que enfrentam a fome e que fogem da provável morte na Faixa de Gaza.

Por enquanto, são muitos os palestinianos que se recusam a sair, encarando uma fuga como uma segunda Nakba — a data em que tiveram de abandonar territórios na Palestina com a criação do Estado de Israel, conhecida entre os palestinianos como “A Catástrofe” — que os tornaria duplamente refugiados. O correspondente do Corriere dela Sera em Gaza recolheu os relatos de alguns que, apesar das condições desesperantes, não querem sair: é o caso de Mohammed Ibrahim, cujos vizinhos tentam matar a sede com água do mar, e de Sami Abu Noura, que deu aos filhos mortadela para comer, apesar de ser feita com a proibida carne de porco.

As pessoas não querem ir para o Egipto, porque não querem que seja repetido o mesmo erro de 1948, quando lhes disseram para sair e que iriam regressar a casa daí a uma semana e depois ela foi-lhes roubada”, resumia ao Wall Street Journal Abed Nasser, de 31 anos, que abandonou a sua aldeia perto da fronteira com Israel e se abrigou numa escola em Gaza.

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Muitos palestinianos não querem abandonar o território da Faixa de Gaza

AFP via Getty Images

É com base neste argumento — a de que os palestinianos não devem ser sujeitos a uma segunda fuga — que muitos países árabes têm recusado a ideia de estabelecer um corredor humanitário para retirar os civis. A Autoridade Palestiniana mantém que este deve ser apenas para os doentes, crianças e idosos, por exemplo. E governos como o da Jordânia e o da Turquia já afirmaram publicamente que não aceitam uma política de “expulsão” dos palestinianos para o Egipto. “Nenhum Estado árabe quer ser visto como estando a auxiliar a deslocação da população palestiniana”, apontou ao Washington Post Timothy Kaldas, vice-diretor do Instituto Tahrir para a Política do Médio Oriente.

Um responsável do departamento de Estado norte-americano avançou à Associated Press que, por isso, pode estar a ser preparada uma alternativa em conjunto com governos árabes e organizações como a Cruz Vermelha para serem criadas “zonas seguras” dentro de Gaza, onde a ajuda humanitária pode ser distribuída.

Na prática, porém, quando a invasão terrestre israelita começar a situação humanitária vai agravar-se ainda mais e tais pontos de apoio podem não ser suficientes. E associações como a UNICEF mantêm a esperança de que possa vir a abrir-se um corredor humanitário “quando a passagem [de Rafah] for aberta para entrarem os mantimentos”, confirmou ao Washington Post Jeremy Hopkins, da agência das Nações Unidas. “Fala-se de um pequeno número de pessoas — milhares, mas não centenas de milhares — a quem pode ser dada autorização para atravessar a fronteira”, acrescentou.

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A cidade de Rafah foi bombardeada por Israel no início da semana

Anadolu via Getty Images

Formalmente, o Egipto continua a dizer que não vai receber palestinianos no Sinai. Mas, no terreno, vai levando a cabo algumas iniciativas para o caso de vir a ser autorizada a passagem a uma minoria — ou caso haja uma invasão em massa de civis desesperados a acumularem-se nos portões de Rafah, já que a situação é tão fluida e grave que ninguém arrisca não estar preparado para o pior cenário.

Nas cidades de Rafah e Sheikh Zuwayed, no Sinai, já se montam tendas, noticiou o jornal egípcio Mada Masr. Fontes do governo egípcio adiantaram que o plano é o de criar uma zona tampão com 14 quilómetros, impedindo a passagem de palestinianos para a cidade de Arish, a maior da península. O governador da região também deu indicações às autoridades locais para que façam um levantamento de “escolas, casas e terrenos desocupados que possam vir a ser usados como abrigos, se necessário”, garante o The Guardian.

*Artigo atualizado às 9h do dia 16 de outubro para corrigir a informação de que a abertura de Rafah estaria a ser negociada por Egipto, EUA e Hamas. Está a ser negociada por Egipto, EUA e Israel

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