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A embaixadora da Ucrânia em Lisboa, Maryna Mykhailenko, afirmou que está atenta à possível existência de elementos pró-russos em associações ucranianas em Portugal e que o Governo português partilha essa preocupação, apesar de limitações legislativas, em Lisboa, 06 de julho de 2023. Na primeira entrevista desde que foi colocada em Lisboa pelo Presidente da Ucrânia, em fevereiro passado, Maryna Mykhailenko afirmou à agência Lusa que é muito importante que as associações da sua comunidade em Portugal sejam registadas no Alto Comissariado para as Migrações e que este “deveria incluir apenas organizações pró-ucranianas e não pró-russas”, num contexto em que o seu país se encontra invadido pelas forças de Moscovo desde 24 de fevereiro do ano passado. (ACOMPANHA TEXTO DE 8 DE JULHO DE 2023). ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA
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Maryna Mykhailenko foi diretora do Departamento da União Europeia e da NATO no Ministério dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia e assumiu o cargo de embaixadora em 2023, substituindo Inna Ohnivets

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Maryna Mykhailenko foi diretora do Departamento da União Europeia e da NATO no Ministério dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia e assumiu o cargo de embaixadora em 2023, substituindo Inna Ohnivets

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Embaixadora da Ucrânia em Portugal. "Visita de Zelensky? Espero que aconteça este ano, mas a data só será discutida depois das legislativas"

Ao Observador, Maryna Mykhailenko diz que queda do Governo interferiu numa possível visita do Presidente. Admite falta de munições e avisa que "apoio dos EUA não é caridade, mas sim investimento".

Maryna Mykhailenko está otimista: espera um ano de 2024 “de muito sucesso” no campo de batalha. No entanto, não arrisca previsões sobre quando poderá terminar a guerra, que descreve como “uma maratona, e não uma corrida de sprint”, e avisa: “Tudo isto é pago com sangue. Dos soldados e dos civis”.

A Embaixadora da Ucrânia em Portugal afirma que a queda do Governo de António Costa não afetou o “inabalável apoio” de Lisboa a Kiev ao longo dos últimos dois anos, e lança um repto ao próximo Executivo: “Não esperamos uma mudança de posição depois das eleições e continuamos a esperar uma participação ativa na ajuda à reconstrução da Ucrânia”.

Mas se a Operação Influencer não teve impacto nas relações diplomáticas entre Portugal e Ucrânia, ao nível da invasão russa, pode ter afetado a já anunciada visita de Volodymyr Zelensky a Portugal. Maryna Mykhailenko diz que, face à “atual situação interna de Portugal”, essa visita terá de ser discutida só depois de 10 de março. “Espero que possa acontecer ainda este ano. Faremos o nosso melhor”, garante.

Em entrevista ao Observador por ocasião do segundo aniversário da invasão, a diplomata, de 49 anos, fala ainda sobre a importância do apoio dos Estados Unidos e da União Europeia, a “retirada estratégica” de Avdiivka, a morte de Alexei Nanalvy e os esforços para a adesão à NATO.

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“Dois anos de guerra? A Ucrânia não perdeu a batalha”

No dia 24 de fevereiro de 2022, há 730 dias, a Rússia iniciou uma invasão de larga escala à Ucrânia. Como cidadã ucraniana e diplomata, qual é a sensação de ter atingido este marco trágico? Alguma vez pensou que o conflito iria durar tanto tempo?
De facto, faz este sábado dois anos que a agressão russa à Ucrânia começou. Mas importa recordar que a Rússia começou esta guerra não provocada e injustificada há mais tempo, há 10 anos, quando ocupou a Crimeia. Mas, olhando apenas para estes dois últimos anos, posso dizer que, apesar de tudo, a Ucrânia não perdeu a batalha. E reforço que os soldados ucranianos lutam há dois anos.

O primeiro ano, de 2022, foi um ano de muito sucesso para nós ao nível terrestre. Cerca de 50% do território ocupado pelos russos foi libertado. E 2023 foi também um ano de muito sucesso para nós a nível marítimo, devido ao Mar Negro. A situação no Mar Negro pode ser descrita como uma derrota funcional das forças navais da Rússia. Os nossos drones atacaram 25 navios russos. E esperamos que 2024 seja um ano de sucesso ao nível aéreo. Isto tendo em conta a nossa cooperação com os nossos parceiros no que diz respeito à entrega de caças.

Mas claro que tudo isto é pago com sangue. Sangue dos militares e dos civis. E a guerra não é uma corrida de sprint, é uma maratona. Ninguém pode dizer com certeza quando vai acabar. Só posso garantir a nossa determinação em defender a Ucrânia e a Europa. Está mais forte do que nunca e esperamos que a união e solidariedade europeias continuem.

"Estamos convencidos de que o apoio dos Estados Unidos vai continuar. Até porque também é do interesse deles. Não é caridade: é investimento na segurança global e na democracia"
Maryna Mykhailenko, Embaixadora da Ucrânia em Portugal

Aqui chegados, podemos estar perante mais dois anos de conflito ou até mais? Como poderíamos pôr fim ao conflito neste momento e alcançar a paz? 
Continuamos a lutar no terreno e tudo está dependente das nossas forças e também dos parceiros internacionais. Olhando para os esforços diplomáticos, considero que a Fórmula de Paz proposta pelo Presidente Zelensky continua a ser o único plano realista para restaurar a nossa integridade territorial e garantir segurança e justiça. Este plano, de 10 pontos, foi apoiado na Assembleia Geral (da ONU) em 2023 e a Fórmula de Paz está gradualmente a ganhar o apoio de todo o mundo.

Para discutir a sua implementação, já organizámos quatro reuniões com conselheiros de segurança nacional e de assuntos internacionais. A última foi há um mês. E posso dizer-lhe que mais de 80 países e organizações internacionais participaram na discussão e que estamos perante um rápido crescimento do apoio a este plano. E, por exemplo, a Suíça aceitou recentemente acolher uma cimeira mundial de paz para a Ucrânia.

“Retirada de Avdiivka foi estratégica. Tinhamos de salvar vidas, mas Rússia sofreu perdas colossais”

Olhemos para a situação atual no terreno. Os últimos dias foram, diria, críticos: a Ucrânia retirou-se de Avdiivka, houve uma mudança no comando do exército, com a substituição de Valery Zaluzhny por Oleksandr Syrskyi. Existe ainda a questão do bloqueio da ajuda financeira e militar dos Estados Unidos. Como olha para tudo isto e descreveria a situação atual?
Olhando para Avdiivka, gostaria de destacar o objetivo das Forças Armadas: o de levar as tropas russas à exaustão e o de infligir o máximo de perdas a Moscovo. E conseguimo-lo. A Rússia sofreu perdas colossais no setor de Avdiivka. Estabelecemos a nossa superioridade nomeadamente através do uso de bombas aéreas guiadas. As forças ucranianas infligiram também grandes perdas nos equipamentos militares da Rússia, que eles planeavam, depois, usar noutras partes da linha da frente.

Mas, atualmente, também passamos por uma escassez de munições de artilharia e também precisamos de mais sistemas de defesa anti-área e de mísseis de longo alcance. Daí a decisão de retirar de Avdiivka para outras posições. O objetivo foi o de evitar um cerco e salvar vidas. E foi a decisão correta.

Foi, portanto, uma decisão estratégica. Podemos dizê-lo desta forma?
Sim, claro.

E quanto ao apoio dos Estados Unidos?
Agradecemos o apoio dos Estados Unidos e esperamos que continue. O meu Presidente falou recentemente ao telefone com o Presidente Biden e teve uma reunião com a vice-Presidente (Kamala Harris) em Munique, recentemente. E também tem estado em contacto com congressistas norte-americanos. Estamos convencidos de que o apoio norte-americano vai continuar. Até porque também é do interesse deles e da comunidade Euro Atlântica. Não é caridade: é investimento na segurança global e na democracia.

Como está a processo de adesão da Ucrânia à União Europeia e à NATO? Será possível num futuro próximo?
Estamos a trabalhar nisso. São questões diferentes. Quanto à UE, já investimos muito no sentido de aplicar a necessária reforma. E, para nós, a integração na União Europeia é uma pedra basilar da nossa existência. Não é apenas uma questão de superioridade ao nível da política internacional. Estamos, por isso, agradecidos ao Conselho Europeu por ter aberto as negociações com a Ucrânia em dezembro último. Estamos a finalizar a implementação das quatro condições e esperamos que as negociações necessárias comecem em breve.

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A Embaixadora da Ucrânia em Portugal afirma que a retirada de Avdiivka foi "estratégica"
Anadolu via Getty Images
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Maryna Mykhailenko diz que o objetivo foi "poupar vidas"
Getty Images

E quanto à adesão à NATO? Tem sido também uma questão muito discutida desde o início da guerra. O secretário-geral da Aliança Atlântica já avisou que é difícil integrar um país em guerra. Mas como está esse processo? E será possível vermos a Ucrânia a aderir em breve?
Essa é uma decisão mais política. Melhorámos drasticamente a nossa cooperação com a NATO. Por exemplo, criámos o conselho NATO–Ucrânia durante a cimeira de Vilnius, na Lituânia. Já decorreram dois encontros a esse nível. E percebemos que não podemos ser um membro na sua plenitude, enquanto a guerra ainda estiver a decorrer também na sua plenitude. Mas achamos que, pelo menos, podemos começar as negociações, no sentido de sermos convidados.

Gostaria de voltar a falar de Portugal. Portugal tem estado ao lado da Ucrânia desde o início da guerra. Como embaixadora da Ucrânia em Lisboa, pergunto-lhe: o Governo português é um bom parceiro? Portugal está a fazer o suficiente para ajudar a Ucrânia? Recentemente, por exemplo, tivemos dois ministros portugueses, dos Negócios Estrangeiros e da Educação, a visitar Kiev e a reforçar o compromisso de ajuda à reconstrução da Ucrânia.
Estamos muito agradecidos a Portugal pelo vosso inabalável apoio a três fatores chave: a luta contra a agressão russa, a integração europeia e a nossa aspiração em aderir à NATO. O que é, de facto, muito importante para nós é sentir este apoio ao nível do Governo e também da sociedade civil. As últimas sondagens mostram que a maioria do vosso povo, os amigos portugueses, são a favor do apoio à Ucrânia e contra concessões territoriais. Este apoio é muito importante para nós.

Olhando para a cooperação durante os últimos anos, diria que as nossas relações alcançaram um novo nível. E, de facto, tornámo-nos parceiros fortes. Falou da mais recente visita de dois ministros à Ucrânia. De facto, foi muito importante para nós. Participaram no III Fórum de Reconstrução de Jitomir. E o Governo português mostrou-se também disponível para ajudar na reconstrução de escolas desta cidade, nomeadamente o Liceu 25 (estabelecimento de ensino de referência destruído nos primeiros dias da invasão da Ucrânia). João Costa (ministro da Educação) teve reuniões próprias com outras delegações. Foi, de facto, muito importante. Mas esperamos ainda mais participação ativa do vosso Governo na reconstrução da Ucrânia.

O Governo português está em gestão devido a processo judicial. O primeiro-ministro demitiu-se na sequência da Operação Influencer. Estes constrangimentos afetaram, de alguma forma as relações diplomáticas entre Portugal e Ucrânia?
Não. Continuamos a agir ativamente e tentar saber o que podemos fazer mais, isto tendo em conta a vossa situação interna. Quase todos os vossos partidos políticos continuam a apoiar a Ucrânia. O Governo afirma que não devemos esperar uma mudança de posição do Executivo ou do país sobre a guerra no pós-eleições.

Queria questioná-la, precisamente, sobre as eleições. Como referiu, temos legislativas em março. Faltam poucos dias. Neste período de pré-campanha, já foi contactada por outros partidos políticos? Houve algum tipo de reunião ou discussão sobre o futuro das relações entre Lisboa e Kiev?
Estou em contacto permanente com os deputados de diferentes partidos com assento parlamentar e, como sempre, continuamos a discutir o que podemos fazer juntos.

Ainda esta quinta-feira o Governo português anunciou a prorrogação do visto para os refugiados ucranianos em Portugal. Sabe quantos ainda estão em Portugal atualmente? Tem números concretos?
Sim. Portugal recebeu, no início da invasão, 60.000 dos nossos deslocados. E com a comunidade ucraniana que já estava em Portugal, o número chegava aos 90.000 É 1% da vossa população. E é a segunda comunidade estrangeira em Portugal, depois da brasileira.

"Visita a Portugal? O meu Presidente já confirmou que está pronto para vir. Mas, tendo em conta a vossa situação interna e as eleições, teremos de voltar à discussão sobre uma data depois das eleições"
Maryna Mykhailenko, Embaixadora da Ucrânia em Portugal

E atualmente? Quantos dos refugiados de guerra ainda estão em Portugal?
Hoje, dois anos depois do início da invasão, cerca de 58.000 ou 59.000 ainda estão cá. Portanto, só cerca de 2.000 cidadãos voltaram para a Ucrânia. E por diferentes razões. Por exemplo, económicas. Outros queriam reencontrar as famílias. E temos também casos de crianças e adolescentes que queriam voltar a estar com os amigos.

Numa entrevista que deu à Agência Lusa, no verão, revelou que manifestou ao Governo português preocupação com casos de infiltração de pró-russos em organizações ucranianas em Portugal. Mantém essa preocupação? Ou a situação está resolvida?
Discutimos esta questão várias vezes com o vosso Governo e também durante a visita do ministro dos Negócios Estrangeiros à Ucrânia. Confiamos na ativa cooperação com a nova agência de migrações e asilo.

A AIMA.
Sim. É responsabilidade desta entidade de organizar e acolher os refugiados. Não temos mais informações sobre este procedimento. Estamos a aguardar a informação do Governo. E vamos continuar a partir daí.

O Presidente Volodymyr Zelensky virá em breve a Portugal? Esta é uma questão que também é discutida há muito tempo. O Presidente da Ucrânia já aceitou o convite formal para vir a Lisboa.
Espero que sim. O meu Presidente já confirmou que está pronto para vir. Mas, tendo em conta a vossa situação interna e as eleições, teremos de voltar à discussão sobre uma data depois das eleições.

Mas acha que seria possível essa visita oficial acontecer ainda este ano?
Espero que sim. Vamos trabalhar nesse sentido. Faremos o nosso melhor.

Zelensky aceita convite de Marcelo para visitar Portugal

E enquanto Embaixadora da Ucrânia em Portugal, fala com Volodymyr Zelensky frequentemente? Ou com outras autoridades ucranianas? Se sim, que tipo de discussões sobre a relação com Portugal mantêm nessas conversas?
Só posso transmitir a nossa gratidão a Portugal e ao Governo e destacar ao Presidente a forma como estão envolvidos no apoio ao nosso país. Mas não tive a oportunidade de falar com ele recentemente.

Calculo que esteja sempre muito ocupado.
Sim. Muito ocupado mesmo.

A guerra na Ucrânia começou há dois anos. Entretanto, surgiu outro conflito, desta vez no Médio Oriente, entre Israel e o Hamas. Considera que este conflito desviou a atenção das autoridades portuguesas da invasão russa da Ucrânia?
Não estamos em competição pela atenção que é dada a cada um dos lados. Todos os conflitos precisam de atenção da comunidade internacional e precisam de ser resolvidos. E espero que este conflito possa ser resolvido o mais depressa possível.

“Eleições na Rússia? São uma farsa. Não temos quaisquer expectativas”

A Rússia tem eleições presidenciais em março. Vladimir Putin volta a recandidatar-se. Quais são as suas expectativas?
Não temos quaisquer expectativas. Não são eleições, é uma farsa. Este ato nada tem em comum com um procedimento democrático como eleições. Não há qualquer tipo de expectativas do nosso lado.

A morte de Alexei Navalny, principal opositor do Kremlin, foi conhecida há uma semana. Esta informação está a impactar o decurso da guerra? Se sim, como?
É uma questão diferente. É uma tragédia para a família e para quem o apoiava. Putin é o responsável pela sua morte, por ser o seu principal crítico e oponente. Teve oportunidade de ler o testemunho da mulher de Navalny?

epaselect epa11160553 People gather on Dam Square to hold a vigil for the deceased opposition leader Alexei Navalny,Amsterdam, Netherlands, 17 February 2024. Navalny died in detention in Russia at the age of 47. President Vladimir Putin has lost one of his most outspoken critics with his death.  EPA/Remko de Waal

A representante de Kiev em Lisboa não tem dúvidas: Putin "é o responsável" pela morte de Navalny

Remko de Waal/EPA

Sim. Yulia Navalnaya não tem dúvidas de que Vladimir Putin é responsável pela morte, diz ter provas e promete continuar a luta do marido.
Exatamente. Infelizmente, não é a primeira vez que acontece uma morte deste género. A lista é longa e, infelizmente, pode tornar-se mais longa. Quanto ao impacto no decurso da guerra, bem… vemos que o Presidente Putin quer continuar porque ainda não atingiu os objetivos. Infelizmente, é a situação que temos.

Voltando ao seu trabalho em Portugal. Substituiu Inna Ohnivets, a antiga embaixadora, há cerca de um ano. Como tem sido a sua experiência à frente da Embaixada da Ucrânia? Como tem sido este ano?
Fui colocada em fevereiro, mas só cheguei a Portugal em maio, porque tive de finalizar o meu trabalho como diretora do Departamento da União Europeia e da NATO no Ministério dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia. Só posso dizer-lhe que estou feliz por estar aqui. Portugal apoia muito a Ucrânia e os ucranianos. Estabeleci relações muito boas não só ao nível governamental, mas também com as pessoas com quem contacto no dia a dia. Está a ser uma boa experiência.

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