Ser mãe sempre foi um dos grandes sonhos de Sara Cardoso Fernandes, 29 anos. De tal maneira que quando casou, em 2018, este surgiu naturalmente como o passo seguinte, naquilo que a própria descreve como uma “vida cor-de-rosa, rodeada de pessoas maravilhosas e de momentos repletos de alegria e felicidade”. Mas o diagnóstico de endometriose recebido no ano anterior veio trocar-lhe as voltas e fazê-la duvidar. Muitas foram as “interrogações, os medos, as incertezas, e os momentos de tristeza” que enfrentou – além das dificuldades reais em engravidar – mas a resposta que lhe permitiu ser mãe chegou e, em 2021, o sonho chamado Carminho nasceu. Fintar a endometriose é, pois, possível, sendo que para tal é preciso “confiar e acreditar”, sublinha.

A endometriose é uma doença inflamatória crónica que afeta uma em cada dez mulheres e que pode causar dor pélvica e infertilidade e afetar gravemente a qualidade de vida das mulheres, bem como dos seus parceiros e famílias”

Mas quando falamos em endometriose estamo-nos a referir exatamente a quê? De acordo com o médico João Cavaco Gomes, ginecologista no CETI – Centro de Estudo e Tratamento da Infertilidade, localizado no Porto, “a endometriose é uma doença inflamatória crónica que afeta uma em cada dez mulheres e que pode causar dor pélvica e infertilidade e afetar gravemente a qualidade de vida das mulheres, bem como dos seus parceiros e famílias”. Para se perceber bem como é que esta doença se manifesta, importa perceber que “nas mulheres com endometriose existem células semelhantes ao endométrio – que é o revestimento interno do útero –, mas que crescem fora do útero, causando inflamação e levando ao aparecimento dos sintomas”.

A endometriose afeta “mais frequentemente os órgãos pélvicos, nomeadamente, os ovários, as trompas, os tecidos de suporte do útero, o intestino grosso, a bexiga e os ureteres”, mas raramente também se pode desenvolver noutras localizações, como no diafragma, nos pulmões ou até no cérebro.

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mulheres tem endometriose, causando dor pélvica e infertilidade e afetar gravemente a
qualidade de vida das mulheres, bem como dos seus parceiros e das suas famílias.

Quando suspeitar de endometriose?

Os sintomas da endometriose podem variar, dependendo do local onde esta se localiza e a gravidade da doença, mas habitualmente as mulheres queixam-se de menstruações dolorosas (dismenorreia), dor durante as relações sexuais (dispareunia) e dor pélvica. Outros sintomas incluem hemorragias menstruais abundantes, dores, cansaço, perda de sangue no intervalo das menstruações, dificuldades na digestão, alterações do trânsito intestinal, entre outros.

Segundo João Cavaco Gomes, o diagnóstico da endometriose pode ser moroso, sobretudo se os médicos não estiverem consciencializados para a doença: “É frequente as mulheres com endometriose recorrerem a vários profissionais de saúde e passarem-se vários anos até terem o diagnóstico. Por isso, é importante que a mulher esteja atenta aos seus sintomas e que o profissional de saúde esteja sensibilizado para o reconhecimento da endometriose”. Perante o relato dos sinais e sintomas, será necessária a realização de “exame ginecológico e alguns exames médicos adicionais, que ajudarão a chegar ao diagnóstico”, explica o clínico com experiência no tratamento desta doença.

Endometriose e infertilidade

João Cavaco Gomes confirma que “a infertilidade é uma das manifestações da endometriose, mas nem todas as mulheres com endometriose terão dificuldade em engravidar”. Na verdade, “estima-se que até 30 a 50% das mulheres com endometriose tenham infertilidade e que uma proporção semelhante de mulheres com infertilidade tenha endometriose”, refere o especialista.

São vários os mecanismos que podem explicar a relação com a infertilidade, mas também estes “poderão variar conforme a localização e o estádio da doença em cada mulher”.  Desde logo, “julga-se que o ambiente inflamatório que a doença causa nos órgãos reprodutivos possa interferir com o normal desenvolvimento dos folículos, com a fertilização do ovócito e com a implantação do embrião”, aponta o médico. Por outro lado, “em estádios mais avançados, a endometriose causa uma distorção da anatomia normal dos órgãos afetados, que podem ficar deformados e aderentes entre si, o que pode comprometer o processo de ovulação e de captação do ovócito pela trompa, impedir a progressão dos espermatozoides, causar contrações uterinas disfuncionais e impedir a fertilização e o transporte do embrião”.

Infografia: Joana Figueirôa

Trocar as voltas à doença

Quando uma mulher que deseja ser mãe é confrontada com um diagnóstico de endometriose – tal como aconteceu a Sara Cardoso Fernandes – felizmente, existem diversos tratamentos disponíveis. A escolha do mais adequado varia de caso para caso, e “depende da idade da mulher, da existência de outros fatores de infertilidade, do estádio da endometriose e dos sintomas apresentados”, esclarece João Cavaco Gomes. Um dos tratamentos existentes é a cirurgia laparoscópica, que “pode ser a resposta para melhorar os sintomas, restaurar a anatomia e melhorar a fertilidade”. A evidência científica a validar esta opção parece ser robusta, já que “os estudos mostram que, nestas doentes, a taxa de fertilidade pode duplicar após a cirurgia”.

Ainda assim, para outros casais, “os tratamentos de fertilidade e as técnicas de reprodução medicamente assistida poderão ser a melhor opção”, admite. Todavia, “quando a endometriose se desenvolve nos ovários sob a forma de cistos, também designados por endometriomas, pode ser necessário tratá-los por cirurgia antes de recorrer às técnicas de reprodução medicamente assistida”.

Há ainda alguns casos específicos em que os tratamentos de preservação da fertilidade se apresentam como o caminho mais adequado. “Com estes tratamentos, é possível criopreservar ovócitos, evitando que mais tarde, quando a mulher desejar engravidar, a sua fertilidade já esteja demasiado comprometida”.

Até 35%

dos casais inférteis têm concomitantemente fatores masculinos e femininos a contribuir para a infertilidade.

Técnicas seguras e de sucesso

Para se decidir sobre qual a melhor opção terapêutica a propor a uma mulher com endometriose e infertilidade, o ginecologista indica que “deve ser feito o estudo completo de infertilidade do casal, antes de se assumir que a única ou principal causa da infertilidade é a endometriose”. Isto porque “em até 35% dos casais inférteis, existem fatores masculinos e femininos em simultâneo a contribuir para a infertilidade”. Além disso, “a endometriose também deve ser caracterizada, de forma a definir a localização das lesões e o estádio da doença”, acrescenta.

Quanto à taxa de sucesso das técnicas de reprodução medicamente assistida, nomeadamente a fertilização in vitro (FIV), “parece ser semelhante à das mulheres sem endometriose”, constata o especialista do CETI, advertindo, contudo, que “mulheres com estádios mais graves de endometriose poderão ter taxas de sucesso mais baixas”.

Outra questão importante prende-se com a segurança destes procedimentos, mas também aqui as mulheres podem ficar descansadas, pois “tanto quanto se sabe os tratamentos de fertilidade não aumentam o risco de recorrência da endometriose e também parecem não ter influência, ou apenas um efeito mínimo, na progressão da doença”.

Uma história de sucesso

Numa consulta de infertilidade, é detetada endometriose de novo. E, assim, no prazo de seis meses, volto ao ponto de partida”

Ao contrário de muitas mulheres, Sara Cardoso Fernandes não apresentava os sintomas habitualmente associados à endometriose, daí que o diagnóstico que recebeu, em 2017, a apanhou totalmente de surpresa. De imediato, começou a procurar soluções, visto que desejava muito ser mãe. “Da cirurgia, no mês de setembro de 2018, resultou a extração de um tumor endometrial nos dois ovários”, conta, a que se seguiu “uma inseminação artificial, em janeiro de 2019, mas sem sucesso”. De seguida, já em março de 2019, “numa consulta de infertilidade, é detetada endometriose de novo. E, assim, no prazo de seis meses, volto ao ponto de partida”, recorda. A proposta apresentada pela equipa que a acompanhava na altura passou pelo recurso à FIV, tendo sido realizadas duas intervenções, mas ambas com resultados negativos.

Sem baixar os braços, em novembro do mesmo ano procura uma segunda opinião, mas o diagnóstico é ainda pior: endometriose profunda e adenomiose (espessamento da parede uterina), com os “exames a confirmarem uma doença bastante avançada e os intestinos comprometidos com aderências”. A solução apresentada passou por nova cirurgia, por laparoscopia, para remover os tumores e a parte comprometida dos intestinos. A intervenção realizou-se em janeiro de 2020 e, em julho, levou a cabo uma nova FIV, mas esta, finalmente, bem-sucedida.

Olhando para trás, Sara Cardoso Fernandes aconselha todas as mulheres que passem pela mesma situação a “confiar e acreditar”. “Acho muito importante que sejam seguidas por um especialista em endometriose e não arrastem este problema por muito tempo”, recomenda a feliz mãe da Carminho, agora com um ano e meio de vida e um sorriso a transbordar de felicidade.