(Artigo originalmente publicado em setembro de 2019)
“Mil desculpas, tenho mesmo de responder a isto.” De língua de fora, como um miúdo que tenta realizar uma tarefa de perícia, Eneko Atxa vai “teclando” no telemóvel antes de ser fotografado à porta do seu novo restaurante em Lisboa que inaugura oficialmente no próximo dia 1 de outubro. Nos menos de cinco minutos que passa a enviar mensagens pede desculpa mais duas vezes. “Não gosto mesmo nada de ser esta pessoa, desculpa!”. Está de ténis, veste umas calças de fato-de-treino com bom aspeto e uma jaleca em forma de camisa. “Vamos a isso! Onde me querem?”, atira.
Simpático, tranquilo e gentil (assim o comprovou o momento supracitado e não só) — foi desta forma que o chef do tri-estrelado Azurmendi, no País Basco, se apresentou ao Observador na sua nova casa lisboeta, o restaurante-dois-em-um que mora no antigo e carismático Alcântara Café e que se divide em dois conceitos: o Eneko, proposta de fine dining que replica o seu três estrelas Michelin na localidade de Larrabetzu, a 20 minutos de Bilbao; e o Basque, projeto mais descontraído de comida típica da chamada Euskadi.
Num dia de testes e afinações, a pouco tempo da grande festa de inauguração deste projeto criado pelo Penha Longa Resort, pairava no ar uma certa calma inquieta. Não se ouviam grandes correrias ou discussões mas percebia-se no olhar dos cozinheiros, empregados de mesa e pessoal da gerência que a tensão estava lá. “Um projeto destes não acontece todos os dias, não é?”, comentou um rapaz que ia arrumando umas caixas. De facto, tinha toda a razão. No total, Eneko tem cinco estrelas Michelin (três no Azurmendi e outras duas, em dois outros espaços); cinco restaurantes entre Espanha, Londres e Tóquio; ocupa o 14º lugar na prestigiada lista do The World’s 50 Best Restaurants e é uma das figuras mais destacadas na vanguarda da gastronomia espanhola. Já passou quase um ano desde a vinda de outro super-chef espanhol para Portugal, Martín Berasategui, o mais estrelado de Espanha (tem dez astros no Guia Vermelho), mas o panorama gastronómico nacional ainda fica entusiasmado com esta chegada de gigantes internacionais. Em entrevista, falou da carreira, da importância que dá à responsabilidade ambiental, da sua terra natal, e final da Liga dos Campeões que gostava muito que acontecesse. Tudo isto antes de fazer desfilar alguns dos pratos que irá servir no Eneko, a aposta mais requintada, com a ajuda do seu chef-executivo, Lucas Bernardes.
Cinco estrelas Michelin, cinco restaurantes, dois deles em sítios tão distintos como Londres e Tóquio. Porquê Lisboa, agora?
É uma cidade que me está a deixar maluco, adoro. Eu descobri Lisboa como turista, primeiro (como cozinheiro só agora), e sempre fiquei com boa impressão. Fiz uma viagem grande, de sul a norte, há uns 16 anos. Fiquei apaixonado. Gosto muito das pessoas, principalmente. São sempre muito amáveis, muito próximas. É verdade que tem vindo a mudar muito, agora toda a gente lá fora está sempre a falar de Lisboa. Mesmo assim, parece-me que as pessoas e certas características da cidade em si continuam na mesma, a única diferença é que está com mais gente. Adoro isto, a vossa capacidade de manterem a vossa essência. É admirável.
É difícil manter a identidade, quando de repente surgem tantos e tão variados estímulos externos (e não só).
Sem dúvida. Acho que tens vários casos de cidades pelo mundo que foram mudando imenso ao longo do tempo, à medida que mais e mais gente as visitava. Às vezes é difícil de te lembrares de como tudo costumava ser, como é a tua cultura e como vives. No vosso caso acho que com grande naturalidade souberam preservar isso, manter a vossa essência acima de tudo.
O que acha que mudou mais desde essa grande viagem?
Sabes…Na verdade acho que não dá para isolar uma ou outra coisa em específico. Reconheço o mesmo brilho, a mesma luz, a mesma essência…
Teve tempo para explorar, agora recentemente?
Sim, sim! Nos últimos meses fiz várias viagens e tenho gostado muito do que tenho visto. Lisboa ainda é um sítio onde podes caminhar, sentir-te tranquilo, podes interagir com as pessoas que elas respondem-te com amabilidade, seja num bar ou numa tasca. Há sempre muita proximidade. Reconheço talvez um maior sentimento de orgulho naquilo que é vosso. A sensação de que aquilo que têm é autêntico, único…
Encontra semelhanças com o País Basco?
Tentamos fazer o mesmo, sim. Manter a nossa essência, as nossas raízes.
E em relação à comida? Acha que temos sabores, receitas ou ingredientes semelhantes?
As semelhanças são várias, concordo. É claro que há diferenças: a localização geográfica, por exemplo, ou até a história, que nos mostra que somos culturas diferentes. Mesmo assim acho que há mais que muitos pontos em comum. Tenho vindo a perceber cada vez melhor o valor enorme que dão à gastronomia, à cultura da mesa e até àquilo que está “atrás” da comida (os produtos, produtores, as tradições) e nesse aspeto diria que somos muito iguais.
Voltando um pouco atrás: o Eneko entrou no mundo da comida muito cedo, com 15 anos. Nessa altura já sabia que queria ser cozinheiro?
Não acho que tenha sido uma coisa vocacional. Acho que apenas me encontrei com esta vida e a possibilidade de utilizar a comida como ferramenta para transmitir um pouco daquilo que somos, daquilo que há à nossa volta, de como vivemos e de como queremos ser no futuro. Esta vida permitiu-me isso e, ao mesmo tempo, deu-me uma sensação de realização pessoal e profissional que nunca imaginei ter.
Então não era daqueles casos em que desde pequeno dizia que queria ser cozinheiro.
Não sabia mesmo o que queria ser. Sabia que gostava de comer, muito. Adorava tudo o que envolvia a gastronomia e não estou a falar só da profissional. Falo das casas, dos lugares onde se preparavam pratos maravilhosos — talvez já fosse uma espécie de preâmbulo daquilo que ia acontecer. Já havia muita magia aqui, neste “preâmbulo”. Falo da interação familiar, do ato tão simples de cozinharmos com alguém, desfrutarmos do tempo passado à mesa…
Mas a sua família já tinha ligações ao mundo da comida?
Nada de muito profissional, tudo caseirinho. A nossa cozinha era o epicentro da casa, um ponto nevrálgico de partilha. Isso maravilhava-me. Estar ali a ouvir os adultos a conversar ora de coisas sérias ora a rir, ver todo o tempo que exigiam as preparações. É algo muito simbólico, ver a mesa não apenas como uma peça de mobiliário mas como um entreposto de muita coisa.
E houve assim algum momento mais marcante onde tenha percebido que queria mesmo seguir esta vida?
Não acho que tenha sido algo de pontual. Este mundo tem uma coisa maravilhosa que é o de estares constantemente a aprender. Abres uma janela e vês logo outra lá à frente, à espera de ser aberta também — e assim sucessivamente. Aprender é das coisas que mais gosto neste mundo e o facto de continuar a aprender coisas ao fim de tanto tempo só prova que isto é um ciclo contínuo.
Gosta mais de estar sentado à mesa a comer ou a preparar a comida para os outros provarem?
Os dois. Obviamente que adoro comer mas também acho que alimentar alguém é algo de maravilhoso. É fazer os outros feliz com algo que tu estás a criar. Isso, para mim, é cozinhar.
O País Basco também é conhecido quase como uma mina de grandes restaurantes e cozinheiros. Por muito que seja quase cliché perguntar isto, qual é o motivo para este magnetismo tão grande?
Acredito que se deve muito à nossa grande cultura gastronómica que vem desde os nossos antepassados, principalmente as mulheres, que eram quem mais cozinhava antigamente. Depois também temos a grande sorte de viver num sítio muito bem posicionado geograficamente (estamos perto do mar, da montanha…). Há uma enorme cultura do produto e do produtor. Todo este conhecimento foi-se entrelaçando de tal forma que acabou por criar a onda gastronómica que é aquela que ainda hoje se vive no País Basco.
Costuma dizer que a sua mãe e a sua avó foram as suas mestres principais. O que é que elas lhe ensinaram que outros cozinheiros com quem aprendeu, como o Martín Berasategui, por exemplo, não?
Ensinaram-me, mais que tudo, não a cozinhar mas a desfrutar da comida e a tentar fazer felizes aqueles que podem provar algo feito por mim. A comida é muito isto: ter um conhecimento, uma ferramenta, que te pode ajudar a dar felicidade aos outros. Poder ganhar a vida a fazer isto é melhor ainda! O teu trabalho deixa de ser isso, um trabalho, passa a ser parte fundamental da tua vida.
“Azurmendi” é um apelido da sua mãe, certo?
É verdade… Foi uma homenagem que quis fazer. Toda a gente me conhece como Eneko Atxa mas muitos desconhecem que a maior parte da essência daquilo que eu sou como cozinheiro vem do amor que a minha mãe me incutiu.
E como nasceu esse projeto?
Tudo começou na adega de txacoli do meu tio. Abrimos aí o “primeiro” Azurmendi, em 2005. Esse espaço continua a existir mas agora chama-se só Eneko, o Azurmendi como existe hoje nasceu em 2012, quando já tínhamos muito mais experiência e uma ideia de objetivo para o futuro mais clara.
E a parte da sustentabilidade…
Começa em 2012… Bem, 2010, na verdade. Sentíamos que tínhamos um compromisso grande com aquilo que havia à nossa volta e prestávamos muita atenção a coisas como trabalhar com produtores locais, por exemplo. Acontece que a dada altura demos conta que estávamos muito focados no ingrediente em si e muitas vezes não ligávamos tanto ao seu contexto, aquilo que existia à sua volta. Foi a partir daí que decidimos começar a pensar como teria de ser o Azurmendi do futuro. Criámos um espaço onde até o próprio edifício transmite essa ideia de respeito. Trabalhamos com todas as ferramentas possíveis para criar um espaço sustentável: temos painéis fotovoltaicos para a energia solar; 18 perfurações de 150 metros de profundidade para canalizar energia geotermal; um mecanismo para reciclar a água da chuva; utilizando muitos materiais reciclados na própria construção do edifício; a compostagem…
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Quem?
Eneko Atxa é um chef basco que tem cinco restaurantes: o Azurmendi (três estrelas Michelin), dois “Eneko” — um na adega do tio e outro em Bilbao (ambos com uma estrela) –, o Eneko Basque Kitchen & Bar, em Londres, e o Eneko Tokio, no Japão. O seu Azurmendi ocupa a 14ª posição na listagem do 50 Best e já foi considerado duas vezes o mais sustentável do mundo, pela mesma organização.
O quê?
No próximo dia 1 de outubro abre ao público a sua aventura portuguesa no antigo Alcântara Café. Esta sua nova casa está dividida em dois conceitos, o Eneko Lisboa e o Basque. O primeiro é de fine dining e tem dois menus de degustação, o Erroak e Adarrak. O primeiro é mais curto e está totalmente virado para os pratos clássicos, daí o nome Erroak, que em basco significa “raízes”. Adarrak, significa “ramos” e é uma mistura de clássicos e novidades. No Basque vai reinar a comida típica da “Euskadi” num ambiente descontraído e de partilha.
A cozinha é um meio muito poluente, basta pensar na quantidade de plástico que se usa (do papel celofane às bolsas para fechar alimentos a vácuo, por exemplo) ou no desperdício alimentar que ainda existe. Sente que é possível, por muito que não totalmente, “limpar” o mundo da cozinha e reduzir esta mancha ecológica negativa?
O caminho por avançar ainda é muito longo. Com a sensibilidade que a imprensa está a ter com o mundo da gastronomia temos de ser exemplares nesse aspeto. Acredito que dentro da disponibilidade que tem cada negócio — dependendo da magnitude do mesmo –, podemos levar a cabo várias ações que podem criar um futuro mais sustentável, mais de acordo com aquilo que acredito ser a grande fonte de inspiração de muitos de nós: a natureza.
Por onde se pode começar?
Depende muito da dimensão e capacidade do restaurante, bem como muitos outros fatores externos. Muitas vezes é dificílimo para alguém que esteja a começar com meios apertados conseguir fazer coisas com grande magnitude. Mesmo assim, de certeza que se consegue sempre fazer qualquer coisa, por pouco que seja. É importante saber que não é preciso assustar os negócios, não dá para se fazer tudo de uma vez. Tem de se medir sempre a capacidade de cada um e, aos poucos, ir adaptando as suas maneiras de trabalhar, o seu modus operandi do dia-a-dia, a hábitos mais justos e conscientes. Coisas como evitar o desperdício alimentar, separar resíduos, procurar materiais orgânicos, ter muita atenção ao que se compra e ao que se vende.
Hoje fala-se mais da sustentabilidade mas acha que há quem se aproveite disso e tente usar como estratégia de marketing, por exemplo, não ligando a muito mais que isso?
Esse marketing é pão para hoje mas fome para amanhã. Quando a sustentabilidade é para ti algo de sentido comum, fazes tudo de maneira natural porque é justo. É melhor trabalhar assim. Quando é apenas uma tendência, algo forçado, não vai dar em nada, vão ser só quatro linhas numa entrevista.
Qual é papel dos chefs nesta “luta”?
Nós somos — e digo isto entre aspas — uma “indústria” que toca em muitas áreas e contextos. Quando falamos de um restaurante, por exemplo, falamos também do setor primário porque é a ele que compramos ingredientes. Falamos da logística necessária para fazer tudo acontecer, também… São muitas, muita áreas. Até a saúde! Esta, por acaso, é uma área que me tem preocupado cada vez mais. Temos de começar já a lutar, não podemos esperar que chegue o amanhã porque será tarde demais. A alimentação é uma ferramenta que pode criar um mundo mais saudável — que tem muito de sustentável, inevitavelmente. Tudo está ligado e é por isso que sinto que o papel da gastronomia é agrupar tudo isto.
De que forma se tem debruçado mais sobre a ligação da gastronomia com a saúde?
É uma responsabilidade muito grande que temos neste setor. Cada vez encontramos mais intolerâncias a alimentos, mais alergias, mais obesidade infantil, pior alimentação, menos tempo para cozinhar, para consumir… Tudo isto está a levar-nos — e com isto não pretendo ser apocalíptico — muito pouco saudável.
Já deu para perceber que no Azurmendi a sustentabilidade é algo que está garantido, mas e nos seus outros espaços, como funciona?
É sempre mais complexo. Ainda ontem estava a falar com o Lucas, que vai ser o nosso chef aqui. Ele trabalhou connosco lá e percebe que muito do que podemos fazer no Azurmendi aqui, com a pouca experiência que ainda temos, é impossível de pôr em prática.Mas tentamos sim encontrar caminhos alternativos, outras opções que nos permitam adaptar a esta ideia. Podem haver mil exemplos de como se faz isto mas ainda ontem o Lucas falou-me de um projeto que aqui em Lisboa é uma opção muito viável mas que no País Basco, infelizmente, ainda não é: dar a comida que sobra a uma empresa que depois a distribui por quem mais necessita. Isso é algo que podemos começar a explorar, por exemplo. A separação do lixo de forma disciplinada é outro exemplo. Há muitas opções, felizmente. Neste momento aqui ainda falta fazer tudo, ainda agora descolámos, mesmo assim é bom conhecer já estas alternativas e dar a entender que não estamos aqui para ensinar ninguém mas sim para aprender.
É interessante mencionar esse projeto da distribuição de comida porque muitas vezes não há bem a noção de que a sustentabilidade não é algo exclusivamente ligado à natureza. As pessoas e a forma como são tratadas também faz parte disso.
Claro, é um círculo enorme de fatores. Quando falamos de sustentabilidade temos de falar das pessoas, da economia… Um projeto também tem de ser economicamente sustentável porque isso faz com que consigas sustentar os teus trabalhadores, o negocio, etc…
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Quanto?
No espaço mais descontraído, o tal Basque, pode contar com um gasto entre 35€ e 40€ por pessoa. No fine dining a fasquia fica algures entre os 110€ e 125€.
Onde?
Pode encontrar esta novidade na Rua Maria Luísa Holstein, número 13, na zona de Alcântara. Ambos os conceitos funcionarão de terça-feira a sábado (só ao jantar, pelo menos para já), mas o Basque estará aberto entre as 19h e as 00h e o Eneko Lisboa das 19h30 às 23h30. Reservas são aconselhadas e para as fazer pode utilizar o e-mail reservas@enekoatxalisboa.com ou os números de telefone 912 411 863 e 215 833 275.
E curiosidades?
Um dos pães que o chef está a servir no Eneko Lisboa é feito pela já célebre padaria Gleba.”É de um rapaz muito novo, de aqui perto. Deves conhecê-lo de certeza”, comentou Eneko. Apesar disso, o basco quer conhecer mais produtores de fora de Lisboa e das grandes cidades, projetos antigos e de escala mais pequena. Sabe que dificilmente conseguirão garantir-lhe um fornecimento diário mas “pode ser que pelo menos uma vez por semana possamos servi-lo e tentar fazer qualquer coisa de especial com isso”, explica.
Gosta mais de cozinhar no San Mamés [estádio do clube de futebol Athletic de Bilbao, o favorito do chef] ou no Azurmendi?
[Risos] No Azurmendi, sempre! Adoro futebol, sou maluco pelo Athletic. Quem me dera que possamos ver uma final da Champions em que jogamos com uma equipa portuguesa qualquer! Nós este ano, infelizmente, nem sequer vamos à Europa, mas pode ser que para o ano que vem já lá estaremos outra vez.
E sobre este projeto lisboeta, o que pode dizer sobre eles?
Entendemos que o fine dining terá todas as características que normalmente associamos ao género, sempre com matizes e princípios próprios do Azurmendi. Ao mesmo tempo também queremos dar a conhecer uma outra gastronomia, algo mais casual (apesar de não gostar muito da palavra), algo que possas partilhar com o teus amigos, família, mas de forma mais tranquila e relaxada. Algo onde a gastronomia seja o elo que te liga a um tempo bem passado.
Teve tempo para conhecer produtos de cá?
Então não! A nossa arca frigorífica está cheia de peixe fresco que chegou hoje de manhã. Ainda estamos a fazer testes, experimentar assar algumas coisas na grelha, sobre o carvão. Fazemo-lo com vegetais, até.
Já teve alguma surpresa?
O vosso peixe já nos deu algumas! Algumas carnes igualmente.
O Lucas Bernardes vai ser o vosso chef aqui, certo?
Ele já estava connosco há uns bons tempos no Azurmendi e quando soubemos do projeto de Lisboa começámos a trabalhar ainda mais em conjunto já com o intuito de o deixar aqui, à frente dos restaurantes. É uma sorte ter pessoas como ele a trabalhar comigo. Os nossos restantes cozinheiros também estiveram connosco no País Basco, no Azurmendi, a aprender e interiorizar o nosso espírito, a nossa visão.
O Martín Berasategui chegou a Lisboa há um ano. Sendo ele um dos seus mentores, perguntou-lhe dicas sobre a cidade quando ficou decidido que iria cá abrir um projeto também?
Sim, claro! [risos]
Acha que à semelhança de vocês os dois há mais cozinheiros de fora de Portugal a olhar para o país como um possível destino para novos negócios?
De certeza absoluta. Qualquer um sentir-se-ia deslumbrado por poder trabalhar cá.
Outro dos projetos que desenvolve tem a ver com um grande banco de sementes, correto?
Usamo-lo para recuperar todas as espécies autóctones do País Basco que estão quase a desaparecer. Já vamos em 400 e cada uma delas é estudada para se perceber que qualidades tem, que possibilidades pode ter dentro da nossa comida. Há muita coisa que, por razões quase insignificantes, corre o risco de desaparecer. Recuperámos, por exemplo, um tomate pequeno, com forma de pera, que é maravilhoso! É lindo e ainda por cima sabe super bem. Eu não conseguia perceber como era possível que ele estivesse quase a desaparecer mas depois explicaram-me que era porque nos anos 90, pensou-se que ele não era atrativo para a venda ao público por causa da sua forma e cor. Isto é impensável!
Acha que o grande público já percebe a importância de projetos como esse ou só mais para a frente o saberá valorizar?
Agora já há essa noção de valor, acredito. Às vezes diz-se que os jovens não se interessam por este tipo de coisas e que não estão sensibilizados. Pessoalmente acho que é o exato contrário. É verdade que há novos hábitos, tendências, tecnologias e isso fez-nos perder um pouco a nossa capacidade de comunicar. Ao mesmo tempo, acho que as gerações mais novas, acima de todas as outras, são as que estão mais dentro do assunto.
O menu que servirá cá é igual ao do Azurmendi?
Mais curto, mas sim. Vão haver algumas diferenças mas é claro que se bebe muito da casa mãe.
É provável então que seja um natural concorrente a estrela, não?
Não me atrevo nunca a dizer isso. O mais importante é trabalhar! Convencer o público, as pessoas que vêm cá. Ser muito humilde e trabalhar muito. Se depois estiverem felizes connosco tudo o resto que virá será uma consequência de um trabalho muito bem feito. A finalidade principal não pode ser nada disso, tem de ser o trabalho.
Já teve tempo para conhecer o trabalho de outros cozinheiros portugueses?
Já fui a alguns restaurantes, claro. É muito emocionante ver tantos e tantos cozinheiros que estão a trabalhar a um nível fantástico. A cozinha portuguesa, aliás, está a um nível “topíssimo”! Muito, muito alto! Gostava de ter mais tempo para conhecer melhor ainda aquilo que aqui se tem desenvolvido, mas estou a gostar muito do que vejo. Já estive no Belcanto, por exemplo, e quero muito conhecer o Alma, do Henrique Sá Pessoa. Quero muito conhecer o trabalho do Sergi [Arola], oiço dizer maravilhas do seu trabalho cá.