— André Ventura, há dias escreveu esta frase nas redes sociais: “Deus confiou-me a difícil mas honrosa missão de transformar Portugal”. Quando é que isso aconteceu?
— Tem acontecido ao longo do tempo. Como é sabido, sou uma pessoa religiosa e acredito que o papel que o Chega conseguiu na sociedade portuguesa num espaço… Nós costumamos chamar-lhe o milagre da ascensão política, porque nunca nenhum partido teve esta ascensão.

Em entrevista, dada ao programa Sob Escuta da Rádio Observador, em dezembro de 2020 por altura das eleições presidenciais, André Ventura era questionado sobre o que havia dito antes: que era um enviado de Deus.

Ventura aponta baterias a opositores internos, fala em “destino” e deixa uma promessa: não vai desistir até ser primeiro-ministro de Portugal

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Este fim de semana, na Batalha, ficou provada a imagem divina que o líder do Chega tem junto daqueles que o seguem – e como não precisa de ter imagens suas espalhadas pelas paredes do local que recebeu o Conselho Nacional este fim de semana, ao contrário do que acontece na Assembleia da República, para dominar a quase totalidade das intervenções. Na verdade, conseguiu ser omnipresente na sala e o mais presente nos discursos (além dos opositores internos, como depois se verá). Para a maioria dos conselheiros e militantes, Ventura é Ele e há sempre alguém que compara a figura do líder único e incontestável (pelo menos é o que pede) ao divino.

E foi esta figura quase santificada que voltou a ser confirmada, e celebrada, na moção de confiança a André Ventura, aprovada no Centro de Exposições da Batalha, com uns expressivos 97,2% dos votos (num universo de 590 votantes, nos quais se incluem militantes, que puderam, pela primeira vez, votar). O culto ao líder, embora negado por conselheiros e militantes no palanque, não faltou. Ou não fosse o “destino” ter uma “missão” para André Ventura — que “representa as chagas de Cristo” patentes na bandeira nacional, segundo defendeu a deputada Rita Matias na sua intervenção.

Foi esse sentido de missão que o próprio Ventura também quis deixar claro. “Ninguém pode morrer sem cumprir o seu destino”, nem “ninguém pode terminar a sua tarefa sem cumprir aquilo para o qual foi destinado”. Numa espécie de chamamento divino (“eu sou vosso”), o líder do Chega traçou desde logo o seu objetivo, durante o discurso de encerramento do Conselho Nacional — chegar a primeiro-ministro de Portugal.

O “comboio” de Ventura tem destino (divino) a São Bento

Com o bilhete validado para mais uma viagem, ou melhor dito, com a liderança reforçada através da votação da moção de confiança, André Ventura sabe bem ao que vai. Voltou a prometer, novamente “com sangue e suor”, que o “comboio da história” está a passar pelo Chega e que, ele próprio, o vai liderar: “Não vai parar até 2026”. Vai “direitinho ao Palácio de São Bento”, “à casa de António Costa” e vai direitinho para “destituir o primeiro-ministro de Portugal”.

Ventura foi a uma Batalha, sem “traidores”, prometer “sangue e corpo para cumprir o destino”: governar em 2026

Sabe como falar, para quem falar (e neste discurso dirigiu-se, estrategicamente, aos militantes presentes na sala) e como receber o aplauso efusivo da plateia. A retórica está toda lá e a voz, essa, até teve momentos em que falhou. “Temos o destino nas nossas mãos, somos indestrutíveis na história que queremos construir para Portugal”, apontou. A viagem do divino para o mundo terrestre foi feita à boleia de um comboio (neste caso, e ao contrário do PSD de Luís Montenegro, sem alusões ao ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos), com foco na oposição interna, que, daqui para a frente, diz que vai “ignorar”.

Na Batalha, André Ventura serviu-se do local onde estava para atacar duramente quem questionou a sua liderança dentro do próprio partido. “Estávamos aqui prontos, com os cavalos no terreno, para os enfrentar e capitularam connosco. Como podem estes um dia querer lutar contra os socialistas?”, questionou sobre os que se “acobardaram e não vieram à luta”.

“Comboio” de Ventura tem destino a São Bento. Os destaques do discurso do líder do Chega

[Ouça aqui a reportagem com os principais destaques do discurso de encerramento de André Ventura]

E deixou ainda a promessa, uma vez mais diringido-se aos militantes, de que, pelo menos até 2026, vai “ignorar quaisquer ataques insignificantes” por parte da oposição interna. Disse ainda que “nasceu para salvar Portugal”, e, em concreto, “travar a luta contra o socialismo”. Pediu unidade em torno desse objetivo, falou diretamente nos olhos dos militantes e garantiu-lhes que são “eles” que têm o poder de mudar o rumo do partido “quando quiserem”. “Ninguém há-de mudar este partido sem vocês quererem”, assegurou, entre juras, promessas e chamamentos divinos.

No seu discurso, que terminou com confetis e o hino nacional, houve também tempo para reforçar algo que já havia dito: o fim dos desentendimentos internos. Se a moção de confiança surgiu depois de conflitos que, desta vez, atingiram a representação do partido no Parlamento, Ventura quis também provar, uma vez mais, que estão sanados. Não referiu Gabriel Mithá Ribeiro, mas agradeceu aos 12 deputados que compõem o seu grupo parlamentar e mostrou-se solidário. “Uma coisa é ver o Parlamento na televisão, outra é sentir a hostilidade, ali sentado, de todas as bancadas contra nós”.

A ausência (bem presente) dos adversários internos durante as intervenções do fim de semana

Foi tema central ao longo de dois dias de intervenções no Centro de Exposições da Batalha. Ora ouviu-se que “não há Chega sem André Ventura”, ora ouviram-se (em maior quantidade) ataques a uma oposição interna tantas vezes apelidada de “cobarde” e “ressabiada”. O Conselho Nacional foi convocado para discutir questões internas, isto é, testar o nível de legitimidade da atual liderança do Chega – e os dois dias de debate não foram aproveitados para também apontar baterias “para fora” — para a oposição “externa”, a do Governo e dos partidos do sistema, como referiu ainda no sábado André Ventura.

O espaço que podia ter sido dividido com ataques ao Governo socialista e à direita do PSD de Luís Montenegro foi ocupado por críticos internos que nem estiveram presentes este fim de semana. A aparente ausência da oposição interna foi abordada, por exemplo, por Diogo Pacheco Amorim, que recorreu à ironia: “Afinal, parece que os castelhanos não vieram. Não apareceram, esfumaram-se! Estava aqui D. João I à espera deles… Eu, com 73 anos, em cima do meu cavalo… e nada. Cadé?”

“Rua!” Oposição interna, “cobarde e ressabiada”, atacada no Conselho Nacional do Chega

[Ouça aqui a reportagem com os principais destaques das intervenções deste domingo]

Também Rui Paulo Sousa, deputado e vice-presidente do grupo parlamentar, não esteve com meias palavras. “Vão para o raio que os parta, rua daqui para fora!”, atirou, depois de já ter arrancado aplausos de pé da plateia: “Foram para a comunicação social dizer que não tinham voz, que não havia democracia. A democracia está aqui, mas eles não!”

A porta de saída foi também apontada por José Galveias. Deputado e presidente da Mesa do Congresso Nacional do Chega atacou os que se “escondem atrás das redes sociais e de declarações públicas insultuosas” e abreviou: “Em resumo, rua!”