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Faz parte da equipa do Ministério da Educação desde que António Costa chegou ao Governo, em 2015, apoiado na Geringonça. Depois de, em duas legislaturas, ter liderado secretarias de Estado, João Costa é, há sensivelmente meio ano, ministro da Educação. Com o Orçamento do Estado para 2023 entregue pelo Governo no Parlamento, e a discussão na generalidade prevista para 26 e 27 de outubro, João Costa fala daquilo que alunos, professores e comunidades educativas podem esperar, não só para o próximo ano, mas também para o resto da legislatura.
O cenário traçado? Mais estabilidade para os professores já no próximo ano letivo, já que está convencido de que a negociação com sindicatos chegará a bom porto e que os Quadros de Zona Pedagógica (QZP) serão reduzidos antes das férias de verão. A dimensão enorme dos QZP — a do Algarve é do tamanho de toda essa região — é um dos motivos que faz com muitos professores andem de casa às costas quando chega a altura das colocações. Sobre aquele caso concreto no sul do país, o ministro da Educação diz ainda não saber em quantas partes será dividida, mas será dividida de certeza.
As baixas médicas irregulares também estão na sua mira. Até porque, garante o ministro, 90% das vezes que os alunos ficam sem aulas é porque os professores estão de baixa médica. Há padrões que precisam de ser investigados e, se houver fraude, serão encaminhados para a Justiça — é isso que se deve fazer, defende.
O problema das escolas com amianto, garante ainda João Costa, está praticamente resolvido. E o que se segue é recuperar cerca de 450 escolas, algumas identificadas como muito urgentes, outras como prioritárias. Destas, serão cerca de 100 as mais problemáticas, com grande incidência na região de Lisboa e Vale do Tejo — um trabalho de recuperação para fazer nos próximos anos. De forma faseada acontecerá também a transformação dos manuais, que deixarão de ser em papel e passarão a ser digitais, para todos os alunos do público. Para estes, mantém-se o princípio aplicado aos manuais físicos: serão gratuitos. No caso dos alunos do privado, tal como já acontece com os manuais escolares gratuitos, continuarão de fora.
Porta fechada é a da recuperação do tempo das carreiras congeladas. A única garantia é de que, durante esta legislatura, não serão alvo de novos congelamentos. Falar além dessa data é fazer futurologia, diz o ministro da Educação.
[Veja aqui o vídeo da entrevista]
Professores deixarão “de andar de um lado para o outro, a viajar, como tem sido a marca desta profissão”
No Orçamento de Estado para 2023, que acaba de ser apresentado, assume-se com todas as letras que Portugal enfrenta um problema de falta de professores. É a partir deste orçamento que se vai resolver a colocação de professores? É, no fundo, um legado que espera deixar?
Não só em Portugal, mas nos vários países do mundo, há um problema de falta de professores que, em Portugal, é ainda um problema de substituição de professores. Desde o início do ano letivo, já colocámos mais de 20 mil professores.
Mas as gerações que entram continuam a não substituir as que vão saindo?
Temos uma previsão de aposentações elevada e tivemos um défice na formação de professores nos últimos anos. Felizmente, os números estão a começar a melhorar. Este ano, para as licenciaturas em Educação Básica, entraram mais 14% de alunos do que nos últimos anos, e os mestrados em Ensino também estão a recuperar. Mas, sim, respondendo à sua pergunta, e assumindo muito claramente o que está no Orçamento do Estado, aquilo em que estamos a trabalhar são vários instrumentos que vão permitir uma maior estabilidade para a profissão dos professores, que garante que os jovens se podem vincular mais cedo na profissão, que podem estabilizar em termos territoriais — vincularem diretamente em quadro de escola e não andarem de um lado para o outro, a viajar, como tem sido a marca que afasta muitas pessoas desta profissão.
Este verão, o Governo abriu a porta a que alunos com licenciatura de três anos possam ser professores. É um assumir de que não há soluções, e que é preciso optar por algum facilitismo, ou consegue garantir que a qualidade do ensino não vai cair por arrasto de medidas como esta?
A habilitação própria sempre existiu. Não tinha era sido atualizada para as licenciaturas pós Bolonha e foi isso que fizemos com este despacho.
E que acaba por alargar o âmbito…
Permite alargar o leque de candidatos em sede de habilitação própria. Estes professores — para quem não acompanha esta terminologia — são contratados só quando já se esgotaram todas as possibilidades de ter professores profissionalizados. É um recurso que as escolas sempre utilizaram. De facto, alargamos o leque, temos permitido ter uma mais ágil substituição dos professores em sede de contratação de escola. Estamos com um programa de acompanhamento que nunca existiu para os professores com habilitação própria em termos de acesso a documentação, acesso a formação. O nosso desejo é que sejam seduzidos pela profissão e que façam a sua profissionalização nos próximos anos.
Mas há ou não há um risco de começarmos a ver a qualidade a decair? De termos professores menos preparados para a função?
Não queremos que isso aconteça. Aquilo que não dispensamos é uma formação científica sólida, não dispensamos a formação pedagógica. Esta é uma solução de recurso, a alternativa é termos alunos sem aulas e isto tem permitido superar uma série de dificuldades na substituição de professores. O nosso objetivo é que continuem a sua formação. Nas escolas, são acompanhados pelos professores mais velhos, pelos coordenadores de departamentos, por este modelo entre a Direção Geral de Educação e a Universidade Aberta — estamos a implementá-lo para acompanhar o trabalho destes professores sobretudo na componente pedagógica. Idealmente, todos eles quererão continuar nesta profissão e vão querer profissionalizar-se e integrar a carreira como todos desejamos.
“Nos próximos quatro anos, não voltaremos a congelar carreiras”
Para que estes jovens sigam a carreira de professores, ela também tem de ser atrativa. Algo que ficou por resolver até hoje foi a carreira congelada dos professores e a sua recuperação. Para os sindicatos dos professores continua a ser uma bandeira. Para o Ministério da Educação é um assunto arrumado? Não vale a pena discutir mais?
Queria só qualificar um pouco o que disse. O problema de congelamento da carreira não ficou por resolver, a carreira foi descongelada em 2018 e nós conseguimos fazer a recuperação de algum do tempo de serviço.
Quase três anos.
Quase três anos…
Ficou a faltar o resto.
Ficou a faltar o resto, mas foi o que foi possível fazer com razoabilidade orçamental. Isto permite-nos, hoje, ao contrário do que tínhamos em 2018, termos já um terço dos professores nos três últimos escalões da carreira. Isto contrasta: temos hoje cerca de 18% dos professores no escalão mais alto da carreira, tínhamos 7% há quatro anos. Tínhamos menos de 5% de professores no 1.º escalão, salvo erro. Hoje, temos menos de 1%. Fizemos o que foi possível fazer, tento em conta a razoabilidade orçamental desta medida, e é isso que nos permite, hoje, num momento exigente em termos económicos, fazer aquilo que estamos a viver.
Vão conseguir fazer mais ou vão ficar por aqui?
É isso que nos permite hoje olhar para o horizonte de uma legislatura e dizer: não vamos ter novos congelamentos nas carreiras dos professores. Portanto, esse é um assunto que está fechado.
Essa é uma garantia? Não haverá novos congelamentos?
É uma garantia porque todo este Orçamento do Estado para 2023 está feito com o cuidado de garantirmos rendimento, apoios às famílias, às empresas, os aumentos na Administração Pública e, ao mesmo tempo, não pormos em causa as metas orçamentais que nos permitem ter metas para o futuro.
Está a falar de um horizonte de sessão legislativa. Olhando além disso, pode garantir que o congelamento de carreiras será uma porta que nunca se volta a abrir?
Não me peça futurologia.
Peço-lhe só uma análise a quatro anos.
A quatro anos, sim, não vamos voltar a congelar as carreiras.
Mesmo com a incerteza com que estamos confrontados neste momento?
Claro que estamos com imensa incertezas, fruto da situação da guerra, mas aquilo que temos como compromisso é garantir uma previsibilidade nos rendimentos dos portugueses, dos funcionários públicos em particular, com um horizonte de uma evolução salarial que atingirá os 20% para toda a Administração Pública. Obviamente, se temos este compromisso, um acordo para os rendimentos, isso não seria compatível com um horizonte de previsão de novos congelamentos nas carreiras.
A solução dos três anos leva-nos ao que aconteceu nos Açores e na Madeira, em que houve uma reposição integral dos anos em que as carreiras dos professores estiveram congeladas. Reconhece legitimidade ao argumento de que se criou uma situação de desigualdade?
As regiões autónomas têm autonomia, capacidade de decisão, têm orçamentos que gerem com uma dimensão diferente do nosso. O número de professores em Portugal Continental é muito maior do que nas regiões autónomas, o perfil etário também era diferenciado. Nós temos em Portugal Continental um conjunto vasto de carreiras especiais, que não são gerais, nas regiões autónomas são muito menos. Também temos de olhar para o espetro geral das carreiras que temos e, por isso, estamos a comparar o que não é comparável. E as autonomias geram isso mesmo: decisões diferentes, respeitáveis, em que cada responsável tem de gerir o orçamento que tem e garantir a sustentabilidade futura das medidas que vai aprovando.
Para retomar a pergunta de há pouco, não vamos ver o Governo voltar a essa discussão e ponderar um modelo de recuperação do tempo na sua íntegra?
O Governo está muito empenhado em olhar para as carreiras da Administração Pública também olhando para um setor que acabou por ficar um pouco para trás. Estamos a falar das carreiras gerais e, em particular, a dos técnicos superiores. São profissionais com as mesmas habilitações académicas de outros profissionais que estão nas carreiras especiais e que têm um salário bastante mais baixo. Aquilo que este orçamento comporta é um olhar dedicado a estas carreiras gerais que não tiveram recuperação de tempo de serviço semelhante à dos professores em termos de volume de massa salarial. É tempo agora de, quando olhamos para a remuneração média na Administração Pública, olharmos para aqueles que, fruto da evolução do salário mínimo nacional, foram ficando mais perto do limiar mínimo.
Financeiramente, “a saída de um professor mais velho compensa as entradas” dos mais jovens
Está a falar de salários e é para os gastos com pessoal que vai a fatia de leão do Orçamento da Educação. Houve uma perda de 11,6 milhões de euros. Vai falar da descentralização de competências para explicar isso. Mas, mesmo assim, acabamos por ter valores semelhantes. Vai ser possível ter mais professores com o mesmo dinheiro? Ou há alguma jogada que se possa fazer?
Não há jogada, é tudo muito claro. Nós temos um orçamento para a Educação que sobe e tem vindo a subir. Temos uma variação, desde 2015, que já atinge os 44,1%. É um investimento muito robusto que estes três governos têm vindo a fazer na área da Educação. Quando olhámos para os números com detalhe, o que vemos é que temos face ao Orçamento de 2022 uma redução de cerca de 690 milhões, justificado com o fundo da descentralização, mas quando olhámos para o orçamento dos órgãos de soberania, na coesão, aquilo que vemos é que a verba inscrita para o fundo de descentralização para a Educação é de 1091 milhões de euros. Agora, como dizia…
Traduzindo os números…
Traduzindo os números, fazendo as contas, aquilo que vemos é que o que está na descentralização é superior àquilo que sai na Educação, ou seja, nós temos um saldo na Educação que sobe cerca de 300 milhões de euros, em termos comparados.
Há um saldo positivo?
As medidas que temos previstas para a atratividade da carreira, a estabilidade do corpo docente, a vinculação de professores, devem ser encaradas da seguinte forma: vamos ter mais vinculações, vamos ter mais vinculação em quadro de escola, vamos ter a redução dos Quadro de Zona Pedagógica para diminuir a mobilidade dos professores no território, mas isto tudo também é muito acompanhado de um volume expressivo de aposentações. E isto tem de ser tido em conta, quando olhamos para este orçamento. Quando contratamos professores mais jovens e sai um professor aposentado que está nos últimos escalões da carreira, uma saída compensa as entradas que fazemos. E é preciso não esquecer que esta variação orçamental, esta subida agregada de 44,1%, acontece num momento em que Portugal, infelizmente, por questões demográficas, está a perder alunos. No mesmo período em que aumentámos o orçamento da Educação, o país perdeu 100 mil alunos. E isto reflete-se nesta capacidade que vamos tendo de investir mais num universo que é de menos alunos e de menos necessidades que já existiam nas escolas.
Neste orçamento fala em mudar os concursos de professores, algo que já está a ser discutido com os sindicatos. Fala-se em reforçar a estabilidade da profissão. O que é que vai mudar e como é que os professores vão deixar de andar com a casa às costas?
Em primeiro lugar, e este é o tema que levaremos para a próxima reunião com as organizações sindicais, falamos de reduzir os Quadros de Zona Pedagógica. Como se lembrarão, na altura da troika eles foram redimensionados e são quadros que chegam a ter 200 quilómetros de dimensão.
Só acrescentar um dado para quem não sabe o que é um QZP: o Quadro de Zona Pedagógica no Algarve, por exemplo, é o Algarve inteiro.
Exatamente, um professor pode ficar colocado entre Sagres e Vila Real de Santo António. Para os não iniciados nesta linguagem, os professores têm dois tipos de vínculo: ou estão vinculados a uma escola concreta ou estão vinculados a uma região e, dentro dessa região, podem ser colocados numa qualquer escola da região.
Com a instabilidade que isso acarreta…
Com a instabilidade que isso acarreta. Aquilo que vamos fazer é reduzir a dimensão destes quadros de zona, mas também reduzir as necessidades em termos de quadro de zona, fazendo uma aferição muito sustentada pelo estudo que a Universidade Nova fez com a Direção Geral de Estatística de Educação e Ciência. Isso permite-nos antecipar as necessidade de professores, as necessidades de reposição até 2030, a partir desse estudo, e a partir de uma metodologia que estamos a trabalhar — e que vamos apresentar aos sindicatos — de aferição daquilo que são necessidades permanentes de cada escola. Um exemplo: se, numa escola, há cinco anos que eu preencho um horário de Física e Química com um professor que está num quadro de zona, então isso significa que aquela escola precisa de um lugar de quadro a Física e Química.
E é uma das grandes críticas dos professores: necessidades permanentes…
…Que estão a ser supridas por vínculos temporários.
Portanto, isso é uma coisa que poderá ter fim ou pelo menos ser reduzido?
É esse o nosso objetivo.
Falava na redução dos Quadros de Zona, tem noção da dimensão global, do limite, áreas de transferência em que um professor pode andar a ser deslocado, consegue dar uma noção da dimensão da área geográfica limite?
Estamos a fazer essa cenarização, com várias possibilidades. Temos neste momento regiões administrativas, que são as comunidades intermunicipais, áreas metropolitanas, temos lógicas interconcelhias — que já funcionam para algumas redes na Educação. Estamos a estudar cenários entre uma possibilidade e a outra.
Estamos a falar de raios de 100 quilómetros? De 150?
Não lhe sei precisar, assim em abstrato, porque estamos mesmo a fazer esse trabalho. E há situações variáveis.
Podemos esperar ver o Algarve dividido em quatro regiões diferentes?
Vamos poder ver o Algarve dividido. Se são três, quatro, duas… Será objeto de negociação com os sindicatos, por isso, não seria responsável da minha parte estar aqui a antecipar um mapa concreto que queremos discutir.
Consegue antecipar o calendário?
Todo este processo é um processo negocial complexo sobre recrutamento e colocação, todas estas pequenas etapas verterão para um diploma único sobre recrutamento e colocação e nós estamos a discuti-lo, a negociá-lo por etapas. Começamos pela metodologia de aferição das necessidades, e pelo redimensionamento dos Quadros de Zona Pedagógica.
Mas estamos a falar do horizonte da legislatura?
Não, não, não. Queremos que este trabalho aconteça durante este ano letivo.
Com implicação já no próximo ano letivo?
Em função do calendário, veremos. Porque teremos também necessidade de ter o tempo devido para concursos, vinculações, fazendo aquilo que temos vindo a fazer — e que voltamos a fazer este ano —que é colocar os professores cedo para termos um arranque de ano letivo que é planeado, que é sereno.
Com alguns sobressaltos no caminho…
Há sempre sobressaltos num universo tão grande, mas vale a pena lembrar que este ano letivo, mais uma vez, começou com os professores colocados no início de agosto, com todas as turmas validadas ainda em julho, com uma grande antecipação face àquilo que, infelizmente, já foi tradição no nosso país.
Apesar disso, continuamos com alguns milhares de alunos sem professores. Os sindicatos falam em 40 mil. O senhor ministro não gosta de falar em alunos sem professor, mas é uma estimativa.
Não é não gostar de falar. Obviamente, trabalhamos com estimativas, aquilo que eu disse a dado momento, e que depois foi objeto de algum humor em relação às minhas declarações, entende-se facilmente: eu posso ter um professor por substituir que está em funções de coadjuvação numa turma, porque o projeto educativo da escola prevê que ela exista. Estes alunos estão a ter aulas; ou posso ter um professor que é o titular de uma determinada disciplina que está a faltar e os alunos estão sem aulas.
E que se calhar ainda dá TIC e Cidadania…
Exatamente. Isto gera alunos sem aula. Por isso é que as estimativas, neste caso, são sempre grosseiras. Aquilo que temos vindo a fazer foi desenvolver, nos últimos meses, um conjunto de medidas que está a ter um bom impacto: renovação de horários que impediu que mais de 1.100 horários fossem a concurso e ficassem, eventualmente, sem professor; as majorações de horário. Os horários que eram incompletos, e que não eram atrativos, e que nós completámos, já permitiu que 500 horários, que ficariam por preencher, ficassem preenchidos. Da revisão das habilitações já falamos, [e há também] a questão das mobilidades. Ainda que o problema exista — e um aluno sem aulas é um aluno a mais —, estamos todas as semanas a suprir dificuldades, sendo que todas as semanas nos aparecem novos pedidos de substituição.
12 mil alunos já estão a trabalhar com manuais digitais
O OE volta a apostar na digitalização das escolas. Em concreto, em que é que isto se traduz: salas de aula com melhor tecnologia?
Temos várias medidas. A transição digital é uma das apostas do programa do Governo em várias esferas e com grande presença na Educação. Um aspeto fundamental desta transição digital e que está prevista no OE é a melhoria da conectividade das escolas. A medida está inscrita no PRR com um valor estimado de 150 milhões de euros e vai permitir resolver um problema há muito identificado de qualidade e velocidade da internet nas escolas. Vamos também ao longo deste ano concluir um processo a que as escolas estão a candidatar-se para instalarmos aquilo que chamamos laboratórios de educação digital nas escolas.
E o que são esses laboratórios que as escolas vão ter?
Vamos ter salas equipadas com equipamento informático avançado e as escolas candidatam-se ao tipo de laboratório que entendem mais adequado face à oferta educativa que têm: para trabalhar na área da robótica, do multimédia, do design. Temos hoje nas escolas mais de um milhão de computadores distribuídos. Isto faz com que a antiga sala TIC, que era a sala de informática das escolas, não seja um espaço necessário porque cada uma das salas de aula, onde os alunos estão com os seus computadores portáteis, são salas TIC. Ainda hoje visitei uma sala de 1.º ciclo, onde entrei espontaneamente, pedindo autorização à professora, e era uma sala TIC com meninos de 2.º ano, todos com o seu computador a trabalhar. E temos ainda, com este orçamento, o alargamento do piloto que estamos a fazer com os manuais digitais — passámos, este ano letivo, de cerca de 3 mil alunos para 12 mil alunos que estão já a trabalhar com manuais desmaterializados, que permitem um acesso a recursos educativos muito mais vastos do que aquele que estava apenas nas páginas do livro.
Estamos a falar da digitalização de ensino, mas gostava de perceber onde é que está a prioridade do Governo. Corremos o risco de ter escolas quase do futuro e, ao lado, escolas onde os alunos passam frio, onde há telhados com amianto? Onde é que está a prioridade? Como é que se equilibra?
Não temos um “ou”, “ou”. Não é disjuntivo, é conjuntivo. Ou seja, com o processo de descentralização de competências, temos um trabalho que tem vindo a ser feito em parceria com as autarquias com a boa e inteligente utilização dos fundos comunitários que permitiu, só nestes últimos anos, termos requalificações em mais de três centenas de escolas pelo país.
Processo de remoção de amianto “praticamente concluído”
Em que ponto está esse processo? Em outubro de 2021 falava-se de 50 escolas que, em 2022, ainda teriam de ser alvo de intervenção para remoção de amianto.
Esse processo está praticamente concluído, ou seja, foi uma responsabilidade assumida pelos municípios mediante os fundos que foram disponibilizados. Houve algumas dificuldades, como a contratação [de empresas que realizassem as obras de requalificação]. Neste momento, está praticamente concluído em todo o país. Eu falava de ir mais longe: neste momento, com o acordo que foi assinado com a Associação Nacional de Municípios Portugueses, temos também um mapeamento de escolas para serem alvo de intervenção ao longo dos próximos anos, algumas identificadas como muito urgentes, outras como prioritárias. São cerca de 450 escolas nos vários níveis.
E as muito prioritárias? Tem ideia quantas são?
Cerca de 100, distribuídas por todo o país, com alguma incidência na região de Lisboa e Vale do Tejo, que ficou mais desprotegida no acesso a fundos comunitários. Temos aqui algumas escolas mais degradadas que noutros lugares. É uma prioridade continuar este trabalho da requalificação das escolas que não deve estar nem acima nem abaixo de um trabalho de modernização do nosso sistema de ensino, porque, hoje, formar cidadãos não pode deixar de fora as competências digitais em sentido bastante lato. Não apenas na perspetiva de domínio de tecnologia, mas também de literacia de informação, de questões que se cruzam com a filosofia, da ética.
A questão é que os fundos não são ilimitados. É preciso fazer escolhas. O OE é muito enfático a falar no processo de digitalização, fala menos na reabilitação das infraestruturas.
Felizmente, temos acesso a fundos diferenciados, temos os fundos comunitários regionais onde estão inscritas verbas para a requalificação das escolas. Temos as questões do digital no PRR e temos uma componente muito importante, que chega a cerca de 10 milhões de euros, para a formação dos professores nas competências digitais e nas didáticas e nas metodologias que trazem o digital para a sala de aula. O que o Governo tem vindo a fazer é olhar para as diferentes fontes de financiamento e geri-las em termos das prioridades que elenca em cada um dos quadros comunitários de apoio.
Em relação aos manuais digitais, tem alguma ideia de quanto chegarão a todos os alunos e, nessa altura, pensa que possam ser gratuitos também para os alunos do privado ou vão continuar a estar de fora?
Duas etapas. Este piloto tem corrido muito bem, temos uma avaliação, o projeto é acompanhado pela Universidade Católica, que tem feito a monitorização das escolas que participam, ouvindo alunos e professores, as famílias, e a avaliação é bastante positiva. Anda, a par e passo, com a infraestruturação das escolas — para termos manuais digitais temos de ter computadores, internet boa. Isto evolui e será isso que nos vai permitir fazer a desmaterialização dos manuais.
Tem um prazo?
O horizonte que temos é a fazermos uma entrada em vigor gradual ao longo da legislatura que ainda vamos discutir com os próprios produtores de conteúdos.
Um pouco como aconteceu com os manuais escolares gratuitos?
Exatamente. Obviamente, se os manuais em papel são gratuitos, os manuais digitais serão gratuitos.
E os alunos do privado?
A questão do privado e do público, para mim, não é uma questão. Compete ao Estado garantir uma rede pública de educação e nela é competência do Estado financiar os equipamentos, os materiais didáticos que se usam. E essa rede pública é a rede, que é gratuita. Depois, estamos num país livre, os cidadãos podem fazer as suas escolhas e podem optar por não usar a rede pública onde os instrumentos de trabalho, os materiais, etc., são gratuitos, mas aí, há liberdade de escolha.
“Quando se encontram irregularidades” nas baixas, avisa-se o MP
Há pouco falávamos na estabilidade que o Governo pretende dar ao corpo docente. Mas há também o outro lado, a estabilidade das escolas e dos alunos. E isso leva-nos a uma questão: no final de setembro começaram a ser adjudicadas, por iniciativa do seu ministério, parte das 7.500 juntas médicas para vigiar alguns padrões irregulares de baixa dos professores — penso que a expressão é sua. Chegaram a alguma conclusão? O que está em causa são baixas fraudulentas?
Não as posso caracterizar. As juntas médicas estão na fase final de adjudicação para começarem a trabalhar. Parto sempre do princípio de que toda a gente é séria.
É uma frase a que recorre habitualmente…
Mas é mesmo verdade. Também nos chegam, por vezes, denúncias ou queixas de alguns padrões irregulares.
Mas há suspeitas de algo em concreto?
Vou-lhe dar dois exemplos das últimas semanas e que a Inspeção Geral de Educação está em primeira instância a averiguar e depois recorrerá. Temos um caso de uma docente que apresenta um atestado médico dizendo que, a partir da semana seguinte, estará doente. E já com o final da doença documentado no atestado. Obviamente, isto não é um padrão regular de baixa médica e merece averiguação.
Embora possa ter uma justificação, pode ser uma doença crónica…
Pode ser uma cirurgia que está programada. Não é um atestado médico.
São situações regulares ou casos pontuais? A perceção que fica, quando se fala em padrões irregulares e de 7.500 juntas, é que pode ter uma dimensão com algum peso no universo geral.
Temos uma taxa de absentismo relativamente elevado, mas também é um universo muito grande. Quando falamos da falta de professores, a dificuldade de substituição passa por uma cadência muito regular de pedido de substituição por baixa médica. Dos pedidos que nos chegam semana a semana, 90% são substituição por baixa médica. Tudo o resto é absolutamente residual, divide-se numa série de outras categorias: licenças de paternidade, alguns óbitos, infelizmente.
Mas são essencialmente baixas?
O grosso de tudo isto é normal, e há alguma comparação que podemos fazer com o setor privado.
Até com o resto da Função Pública.
Com o resto da Função Pública estamos um bocadinho acima. Na Educação, quando um professor falta, os alunos ficam sem aulas. Numa outra repartição qualquer, se o funcionário falta, o processo fica lá à espera ou passa para a mesa do lado. O impacto na Educação e na Saúde é sempre mais sentido pelos cidadãos, mas temos alguns padrões — voltando a essa expressão — identificados até pelos diretores das escolas. Um caso que nos é relatado, sobretudo pelos professores contratados, é a sua dificuldade em fazer um horário anual completo — que é condição para a sua vinculação — porque estão um ano inteiro a substituir um professor e, quando terminam as aulas, a baixa é levantada. Isto é penalizador para estes professores contratados e nós temos de tentar entender este tipo de padrão que existe e que está bem identificado.
Uma das soluções para essa questão pode ser uma das suas ideias de que as escolas contratem os professores com o perfil que mais lhes interessa? Sabemos que os sindicatos são contra e que os diretores adoram a ideia. A medida vai em frente?
No nosso processo negocial está em cima da mesa e temos de garantir que há estabilidade para os profissionais e estabilidade para as equipas educativas da escola. Não há projeto educativo, não há boa educação para os alunos se houver uma mutação constante de quem trabalha nas escolas. Escolas que têm projetos próprios, que têm iniciativas, que precisam da continuidade, que precisam de investir na formação dos professores e precisam de saber que podem contar com eles. Este ano, a medida que tomámos de possibilidade de renovação dos horários incompletos permitiu que 1.100 professores que já trabalhavam nas escolas, e que se dedicavam a tarefas particulares, pudessem continuar nas escolas. Fora todos os horários completos em que temos permitido a renovação dos contratados.
Isso ajuda as escolas?
Isto traz estabilidade às escolas. Termos uma possibilidade de descentralização — não no sentido municipal — de confiar na escolas, na capacidade de adequar perfis às suas necessidades específicas, que são muito diferentes. Os contextos territoriais são muito diferentes. E há investimento dos próprios professores, que valorizam o seu desenvolvimento pessoal, académico e que podem ter um perfil que é mais adequado a determinados contextos, projetos, etc. Tudo isso é também um fator de estabilidade e melhoria da qualidade do ensino e de valorização dos próprios profissionais. Um profissional não pode ser eternamente avaliado em função da sua nota de curso e dos dias que trabalhou.
“A contratação de professores pelos municípios está excluída do nosso horizonte”
E é por isso que estamos todos à espera de ver como vai ser o novo concurso de professores e o método de colocação.
Estamos todos à espera.
Não nos quer dizer nada sobre isso? Não há nenhuma novidade?
Estamos em processo negocial, aquilo a que chegaremos será sempre o melhor resultado possível deste trabalho. Há esta vontade clara, num compromisso que temos tido de confiar nos atores locais, com tudo o que temos feito em termos de reforço de escolas na componente pedagógica, curricular. As escolas hoje têm um grau de liberdade que até há poucos anos era reservado ao ensino particular e cooperativo.
E é um processo que vai evoluir? No processo de transferência de competências para as autarquias vê a possibilidade de o processo de recrutamento de professores ser integralmente conduzido por escolas e municípios?
A contratação de professores pelos municípios está excluída do nosso horizonte.
Até por constrangimentos legais?
E por não nos parecer adequado. Não é esse o modelo. Aquilo em que queremos trabalhar é num modelo misto, como existe em vários países, em que há uma componente grande da colocação de professores que é feita de forma centralizada e há uma componente, uma parte dos professores, que são recrutados de acordo com perfis de competência específicos. Isto gera muitos fantasmas. Não serão perfis arbitrários, mas que têm em conta habilitações profissionais, académicas, experiência profissional em áreas muitas específicas e que permitirão esta adequação maior e estabilidade maior nas equipas.
Só para concluir a questão das baixas. Eventualmente pode haver situações em que o ministério perceba que há indícios de irregularidades graves. Nesses casos, vão reportar ao Ministério Público?
Quando se encontram irregularidades é isso que se faz e é isso que compete fazer. Reitero: aquilo que estas juntas médicas nos vão ajudar a fazer é também a perceber o fenómeno e a garantir que este tipo de conversa que estamos aqui a ter não acontece. Que não se cria uma ideia generalizada de que ou há baixas fraudulentas ou não há baixas fraudulentas. São discussões estéreis.
Na verdade, vai é desmistificar-se essa ideia.
Exatamente. Agora vamos partir para o concreto, para a análise concreta. Perceber exatamente o que acontece em cada caso.
Estava a falar da formação dos professores. Para termos professores formados e com todas as competências que são necessárias, eles têm chegar à universidade e seguir para os mestrados. Há poucos dias fez uma crítica ao Ensino Superior exatamente por estarem a rejeitar — foi essa a sua expressão — alunos com média de 16. Sente-se sozinho nesta luta, sente que o Ensino Superior não está consigo?
Está, está. Mais do que uma crítica, fiz um apelo. O meu lugar, quando deixar esta função, será na minha faculdade e eu próprio trabalhei muitos anos na formação de professores. Aquilo que aconteceu nas universidades é simples de entender. Todos os anos, o que saía nas notícias era “professores sem colocação, professores sem colocação”. Houve um discurso político — muito afirmado até durante os anos da troika — de que “há professores a mais, há professores a mais”. Limparam-se professores do sistema numa altura em que já se podia antecipar que ia haver falta de professores. Foram afastados cerca de 28 mil da escola pública, em particular. E já sabíamos que íamos chegar aqui. O que é que isto gerou? Jovens a ouvir responsáveis políticos a dizer que havia professores a mais, ouviam notícias de que os professores não tinham colocação. Obviamente, não iam procurar esta formação. Os mestrados em Ensino começaram a ter muito poucos candidatos. Várias instituições do ensino superior felizmente não desmantelaram a sua máquina de formação, continuaram mesmo que com pouco alunos — e estas estão aptas a responder — outras, de facto, fecharam mestrados.
O seu apelo é esse: que voltem a abrir?
O meu apelo é voltem a abrir, abram vagas, porque precisamos de professores e a única entidade que pode formar professores é o Ensino Superior. O lado bom do que pode acontecer é termos mais candidatos, mais procura, há licenciados com notas muito altas que querem ser professores e, por isso, temos de ter resposta por parte das instituições.