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Ilya Yashin está detido na prisão de Butyrskaya, a partir da qual respondeu às questões do Observador
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Ilya Yashin está detido na prisão de Butyrskaya, a partir da qual respondeu às questões do Observador

Ilya Yashin está detido na prisão de Butyrskaya, a partir da qual respondeu às questões do Observador

Entrevista a opositor russo detido por criticar a guerra: "Para manter o poder, Putin é capaz de lavar a Rússia com sangue"

Detido por criticar a guerra, Ilya Yashin foi entrevistado pelo Observador a partir de uma prisão "sobrelotada" na capital russa. Admite que Putin seja deposto, mas também o recurso a armas nucleares.

Era uma noite aparentemente normal de verão. Ilya Yashin, ex-autarca de Krasnoselsky — província que faz parte de Moscovo —, estava a passear num parque da capital russa acompanhado por uma amiga. Fazia 39 anos no dia seguinte. A 28 de junho, três agentes aproximaram-se de Yashin, algemaram-no e levaram-no para paradeiro desconhecido. As autoridades alegavam que aquele crítico de Vladimir Putin tinha desobedecido e insultado a polícia. Detiveram-no.

Ilya Yashin foi inicialmente condenado a 15 dias de prisão preventiva. Nesse primeiro momento, não teve direito a um advogado de defesa. “Logo no primeiro interrogatório, o polícia perguntou abertamente por que razão eu não tinha saído do país”, recorda, numa carta em resposta às questões colocadas pelo Observador e enviada a partir da prisão de Butyrskaya. Passadas duas semanas, foi novamente julgado. E, subitamente, a acusação mudou: passou de desobediência à polícia para “divulgação de informações falsas” sobre a operação militar especial que a Rússia diz estar a levar a cabo na Ucrânia. O dissidente ficaria em prisão preventiva até 12 de setembro, mas um tribunal de Moscovo prolongou a decisão até 12 de novembro.

A ser julgado, Ilya Yashin arrisca agora a uma pena de prisão que pode ir até aos 15 anos, alegadamente por ter difundido informações falsas sobre o conflito na Ucrânia, a que sempre se opôs. Na base da acusação da Justiça russa está o facto de ter criticado e ter exposto, num vídeo em direto no YouTube, o massacre executado pelas tropas russas em Bucha, uma cidade nos arredores de Kiev. O dissidente empenhou-se, desde fevereiro, em romper o silêncio sobre o conflito na sociedade russa. Agora detido, refere ao Observador que, “apesar dos riscos óbvios, homens e as mulheres corajosos nas cidades russas ainda saem sistematicamente às ruas e opõem-se publicamente à guerra”.

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Quando foi detido em julho, gerou-se uma onda de solidariedade em redor de Ilya Yashin, que o opositor russo diz ainda sentir (inclusive, na prisão em que se encontra). Algumas dezenas de apoiantes reuniram-se do lado de fora do tribunal em apoio ao dissidente, que gritava enquanto estava a ser detido: “Não se preocupem, está tudo bem. A Rússia será livre.” A Amnistia Internacional também reagiu ao sucedido, criticando a “repressão de direitos na Rússia”, que, desde o início da guerra se “tornou ainda mais cruel”.

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“Ilya Yashin era uma das poucas figuras da oposição que ficaram no país e não estava atrás das grades. Agora, está diante de uma detenção arbitrária e pode enfrentar a prisão por criticar a conduta dos militares russos na Ucrânia”, salientou a Amnistia, apelando à sua “libertação imediata e incondicional”. “A criminalização vergonhosa da liberdade de expressão deve parar.”

Atualmente, Ilya Yashin encontra-se na prisão de Butyrskaya. Foi de lá que respondeu por carta às questões do Observador, onde que relata o seu dia-a-dia, comenta a mobilização parcial decretada pelo Presidente russo e antevê o desfecho da guerra na Ucrânia: “Ou o mundo ficará exausto e haverá negociações de paz, ou então testemunharemos o fim do mundo.”

Em função da privação de liberdade que Yashin enfrenta, o Observador enviou as perguntas por e-mail à equipa de advogados responsáveis pela defesa do ex-autarca, que as entregou, na prisão, a Ilya Yashin. Depois de o ativista ter respondido às questões, o representante legal do dissidente russo voltou novamente a reencaminhá-las ao Observador por e-mail. A carta, escrita à mão e em russo, está disponível neste link (e pode ser consultada neste pdf em formato de pergunta e resposta).

O banho semanal e o “bloco especial” em que Ilya Yashin se encontra

Como é o seu dia-a-dia? Como são as condições da prisão onde está?
Estou detido na prisão de Butyrskaya, uma das mais antigas de Moscovo. Nos tempos czaristas, os líderes de revoltas rurais eram detidos e trazidos para aqui, bem como eram centenas de revolucionários, dissidentes soviéticos, jornalistas, poetas, cientistas e oficiais que também foram presos aqui. Dentro destas paredes, morreu o advogado Sergey Magnitsky, que investigou a corrupção das atuais autoridades russas, cujo nome foi dado à primeira lei sobre sanções contra os funcionários de Putin nos Estados Unidos. Isto não é só uma prisão, mas também um lugar histórico onde se pode realmente sentir as relações entre gerações de dissidência russa.

  • Press Tour Of Butyrka Prison In Moscow
    O exterior Prisão Butyrskaya
    Getty Images
  • Press Tour Of Butyrka Prison In Moscow
    O exterior Prisão Butyrskaya, em Moscovo
    Getty Images
  • Press Tour Of Butyrka Prison In Moscow
    As celas da prisão Butyrskaya
    Getty Images
  • Press Tour Of Butyrka Prison In Moscow
    As celas da prisão Butyrskaya
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  • Press Tour Of Butyrka Prison In Moscow
    Os corredores comuns da prisão Butyrskaya
    Getty Images
  • Press Tour Of Butyrka Prison In Moscow
    A vista da prisão Butyrskaya
    Getty Images

E qual é a realidade atual da prisão?
A prisão em si é bastante grande e está sobrelotada. Nas celas, 30 pessoas dividem 20 camas. Mas eu estou num bloco especial, onde as celas são mais pequenas e os presos são mais controlados. A área da minha cela é de apenas nove metros quadrados, que partilho com mais três pessoas. De manhã cedo, somos levados para um passeio num pequeno compartimento feito de betão. Uma vez por semana temos acesso ao chuveiro. De vez em quando, aparece um guarda prisional, que quer esclarecer algumas questões e me interroga. Ainda assim, tenho bastante tempo livre, que dedico à leitura, correspondência e trabalho com papel.

Tem sofrido ameaças desde que está detido? E manifestações de solidariedade?
Recebi muitas ameaças e mensagens inequívocas das autoridades na véspera da minha detenção. Fui multado três vezes por ter desacreditado o Exército. O município que eu administrava foi destruído pelas forças de segurança: foram feitas buscas, um colega meu foi preso, outro foi colocado na lista de procurados. Eles seguiam-me e não o escondiam. A minha amiga foi detida à porta do prédio e ameaçada, foi-lhe dito que era perigoso ser minha amiga.

Depois, veio a prisão. Logo no primeiro interrogatório, o polícia perguntou abertamente por que razão eu não tinha saído do país. Afinal de contas, eles insinuaram tão consistentemente que, após o início da guerra, a minha permanência na Rússia era inaceitável para as autoridades.

Mas, curiosamente, encontro uma atitude bastante respeitadora por parte das pessoas que usam o uniforme. Foi uma surpresa para mim perceber que existem muitos oficiais e polícias que são contra a guerra. Ouvi palavras de apoio da polícia, dos guardas da prisão e dos oficiais de justiça. Embora as pessoas trabalhem neste sistema, elas veem todos os defeitos, leem a informação sobre a oposição e, em conversas privadas, não hesitam em criticar o governo.

"Curiosamente, encontro uma atitude bastante respeitadora por parte das pessoas que usam o uniforme. Foi uma surpresa para mim perceber que existem muitos oficiais e polícias que são contra a guerra. Ouvi palavras de apoio da polícia, dos guardas da prisão e dos oficiais de justiça"
Ilya Yashin

“Não notei nenhum apoio em massa à guerra na sociedade”

Como é que a opinião pública russa tem reagido ao conflito em curso: aquilo que se observa é um apoio global, com pequenos focos de tensão? Ou as conversas quotidianas já transparecem desagrado em relação ao conflito?
Não se esqueça de que estou preso há mais de três meses e não consigo ver o que as pessoas estão a discutir nas ruas. No entanto, durante os primeiros quatro meses da guerra, eu ainda estava em liberdade e vivia em Moscovo. Todos os dias eu andava pela cidade, usava transportes públicos, visitava várias lojas e não notei nenhum apoio em massa à guerra na sociedade. Os símbolos da operação especial foram colocados sobretudo nos prédios da administração ou nos carros de polícia, mas as pessoas comuns raramente usavam esses símbolos. Observei que a sociedade estava numa constante ansiedade e na expectativa de algo. A maioria queria que o conflito terminasse e que o país voltasse ao normal. As autoridades esperavam claramente um grande sentimento patriótico, mas o povo estava bastante preocupado com os problemas económico-sociais provocados pela guerra. A sociedade também não estava pronta para protestar em massa; os habitantes de Moscovo distanciaram-se bastante do que estava a acontecer na esperança de que a guerra e suas consequências não os afetassem.

Agora, após a escalada do conflito e o anúncio da mobilização, a distância entre as autoridades e a sociedade aumentou ainda mais, e a ansiedade foi substituída pelo medo e pelo pânico.

Vladimir Putin ordenou há três semanas uma mobilização parcial da população para reforçar o contingente envolvido no conflito na Ucrânia. Na sua opinião, isso pode fazer aumentar a revolta da população russa face à guerra? Considera que o Kremlin pode aumentar a repressão para quem se revolta contra a medida?
Não, não acredito nessa revolta. Os russos foram intimidados durante muito tempo, a polícia foi muito dura em reprimir os protestos e o ativismo cívico. É importante perceber que as pessoas na Rússia se sentem vítimas, por isso, a estratégia da maioria é a sobrevivência, a adaptação ou a fuga. Mas não a resistência. Todos sabem que o Kremlin há muito que não tem quaisquer restrições morais, que as autoridades estão preparadas para os métodos mais radicais de repressão como resposta aos protestos. Se para manter os seus poderes Putin precisar de dar a ordem de matar os manifestantes e lavar a Rússia com sangue, não tenho dúvidas de que o fará sem hesitação. A guerra na Ucrânia mostrou claramente que para o presidente do meu país o valor da vida humana é zero.

"Se para manter os seus poderes Putin precisar de dar a ordem de matar os manifestantes e lavar a Rússia com sangue, não tenho dúvidas de que o fará sem hesitação"
Ilya Yashin

Não é seguro para a população manifestar-se na Rússia?
Apesar dos riscos óbvios, os homens e as mulheres corajosos nas cidades russas ainda saem sistematicamente às ruas e opõem-se publicamente à guerra. Essas ações não são grandiosas na sua escala, mas acabam por unir centenas, às vezes milhares de manifestantes. O problema está no perigo. Os manifestantes são espancados, a polícia chega às suas casas, parte as portas, vira tudo de avesso. As prisões no meu país estão cheias de ativistas da oposição. Infelizmente, a comunidade internacional não percebe essa resistência desesperada contra a guerra e esquece-se das centenas de presos políticos que estão a sofrer atrás das grades.

Mas o mundo vê filas nas fronteiras de russos que estão a fugir da mobilização. Importa relembrar que essa fuga também é uma forma de protesto e também indica que apenas Putin é que quer lutar na Rússia, mas não o povo.

Rally in support of Moscow parliament election independent candidates

Ilya Yashin numa manifestação junto do também opositor de Putin, Alexei Navalny

Anadolu Agency via Getty Images

“Na Rússia, existem condições objetivas para uma mudança no poder”

Acha que, neste momento, é possível um golpe contra a liderança de Putin?
Do meu ponto de vista, na Rússia existem condições objetivas para uma mudança de poder, já que o regime de Putin está a perder a sua base social. Durante os primeiros anos, o Presidente conseguiu negociar com a população, com a burocracia e com os oligarcas; partilhou as receitas do petróleo com as pessoas e o padrão de vida no país cresceu visivelmente. Os funcionários do Estado subiram na carreira e obtiveram diversos privilégios. Os oligarcas foram autorizados a controlar a maior parte da indústria nacional e levar uma bela vida semelhante à dos xeiques árabes. O preço disso para todos foi a lealdade pessoal a Putin e a recusa de uma participação real na política. Esse contrato social permitiu ao chefe de Estado criar um monopólio político, adquirir poderes exclusivos e tornar-se um novo monarca, o senhor da Rússia.

Agora, Putin destruiu este contrato com as próprias mãos. Costumava ser lucrativo e confortável ficar ao lado do Presidente, mas — após o início da guerra — ele tornou-se numa figura tóxica. Os oligarcas a ele associados estavam sob sanções e perderam todos os seus bens no estrangeiro. Os funcionários do Estado também estão sob sanções e correm o risco de fazer parte das listas dos criminosos de guerra. As pessoas estão a ficar mais pobres e temem cada vez mais pelo seu futuro.

"Costumava ser lucrativo e confortável ficar ao lado do Presidente, mas — após o início da guerra — ele tornou-se numa figura tóxica"
Ilya Yashin

Numa situação em que o chefe de Estado não satisfaz quase ninguém, há uma ameaça objetiva de turbulência política. E, claro, isso representa riscos para o poder pessoal de Putin. É de lembrar que o colapso do regime czarista há um século na Rússia também começou com uma guerra que começou no nosso país [a Primeira Guerra Mundial] com uma subida patriótica e três anos depois levou a uma revolução. Acho que o próprio presidente vê esses riscos, e, por isso, constantemente reforça a sua própria segurança e aprofunda a repressão na sociedade.

Como vê as ameaças de Putin ao Ocidente, nomeadamente o uso de armas nucleares? Vê como real a possibilidade de o Kremlin recorrer a este tipo de armamento?
Eu gostaria de pensar que Putin está a fazer bluff. Afinal de contas, ele diz coisas realmente terríveis: ameaça diretamente com uma guerra nuclear, que pode tirar mil milhões de vidas e, provavelmente, acabar com a história da Humanidade. É preciso ser uma pessoa absolutamente louca, um maníaco, para tomar esse tipo de decisão.

Será Putin um maníaco, pergunto? A verdade é que não se sabe ao certo. Sistematicamente, o Presidente russo toma medidas que são uma surpresa completa para todos. Age de forma agressiva, irracional, quebra as regras. Por exemplo, poucas pessoas acreditavam que ele decidiria tirar a Crimeia à Ucrânia soberana em 2014, porque era óbvio a que consequências isso levaria. Também era impossível imaginar que o Kremlin iniciaria a maior guerra na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Tudo isso parece uma loucura do ponto de vista de uma pessoa civilizada moderna. Contudo, Putin fez isso tudo.

Sabe, eu tinha um amigo que se chamava Boris Nemtsov, líder da oposição russa, que foi assassinado em 2015, ao lado do muro do Kremlin. Pouco antes do assassinato, perguntaram-lhe: por que razão Putin, que não se distingue por talentos e intelecto especiais, mantém o poder durante tanto tempo e muitas vezes supera os seus rivais? Nemtsov explicou: o problema é que subestimamos sempre o grau da sua loucura. Eu concordo com este ponto de vista.

Putin declares partial military mobilization in Russia

"O grau de loucura" de Putin não deve ser subestimado, defende Ilya Yashin

Anadolu Agency via Getty Images

Portanto, ao questionar se Putin realmente poderá usar armas nucleares, é necessário focarmo-nos no cenário mais grave. Sim, ele é capaz disso. E a tarefa da comunidade internacional é criar um mecanismo de contenção eficaz que reduza esse risco ao mínimo.

Qual pensa que será o desfecho da guerra?
Esta guerra irá desencadear um apocalipse nuclear ou poderá acabar com negociações. E, a propósito, Putin deixa claro que está interessado em retomar o diálogo — sim ele mencionou isso diretamente, inclusive em reuniões com líderes orientais, acusando Kiev de sabotar o processo de negociação. Acredito que o Kremlin está agora deliberadamente a aumentar o grau de tensão ao recorrer à chantagem nuclear. Esta é uma tentativa de forçar os oponentes a um diálogo sobre a solução do conflito.

Estou certo de que tanto em Kiev como no Ocidente, ao ver o discurso de Putin [do passado dia 21 de setembro, em que o chefe de Estado anunciou a mobilização parcial], entendeu-se que ele quer negociar. Porém, os ocidentais não têm pressa em sentar-se à mesa com ele, obviamente, porque tentarão alcançar posições de negociação mais favoráveis ​​para si mesmos, infligindo várias derrotas no campo de batalha ao Kremlin, libertando ainda mais territórios do exército russo e criando ainda mais problemas para a economia russa.

Prisão preventiva para opositor russo Ilya Yashin que criticou ofensiva na Ucrânia

No entanto, acredito que o diálogo terá lugar. A conversa será longa, difícil, mas o resultado será um cessar-fogo e uma paz abalada.

E o futuro político de Putin: vai conseguir manter apoios que lhe permitam manter-se no poder? Ou há núcleos (políticos, económicos, militares) com poder e vontade suficientes para, de alguma forma, agirem no sentido de afastar o Presidente russos das atuais funções?
Isso dependerá em grande parte das consequências da guerra. Se Putin conseguir convencer a sociedade russa de que alcançou a vitória, terá a oportunidade de permanecer no poder. Mas agora, parece que o Presidente vai ter sérios problemas com isso.

O facto é que tanto os oponentes da guerra, como os seus defensores mais radicais estão agora insatisfeitos com Putin. Os primeiros acusam-no de uma atitude sangrenta que levou ao isolamento do nosso país. Os segundos sentem-se enganados e desiludidos. A propaganda, por muitos anos, convenceu os russos da invencibilidade do exército russo e do renascimento do poder do nosso império. Mas o primeiro conflito militar sério mostrou que isso é um mito: os ucranianos estão a defender-se com bastante sucesso, queimando os nossos tanques e afogando os navios. E há milhares de caixões que estão a regressar à Rússia.

"Tanto os oponentes da guerra, como os seus defensores mais radicais estão agora insatisfeitos com Putin. Os primeiros acusam-no de uma atitude sangrenta que levou ao isolamento do nosso país. Os segundos sentem-se enganado e desiludido"
Ilya Yashin

O poder de Putin sempre se baseou na crença geral de que ele é um líder forte. Agora, o mundo está convencido de que a sua força está apenas nas palavras e nos ecrãs das televisões. No entanto, lidera o país de forma fraca, medíocre: tanto a nível vertical do poder, como o exército são corroídos pela corrupção e pela ineficácia. Ao observar o desenrolar da guerra, os russos sentem cada vez mais vergonha nacional.

Nestas condições, as tentativas de remover o Presidente do poder após a guerra parecem bastante prováveis. Teoricamente, podem surgir grupos de conspiradores entre generais insatisfeitos, nas grandes empresas que perderam ativos devido a sanções e entre funcionários do governo que desejam a reintegração da Rússia no mundo civilizado.

“As histórias sobre o nazismo ucraniano são, obviamente, nada mais do que uma desculpa”

A Rússia acusou a Ucrânia de ter um regime nazi e justificou a invasão com a desnazificação. Como avalia esse argumento?
As histórias sobre o nazismo ucraniano são, obviamente, nada mais do que uma desculpa para justificar a invasão do território de um Estado soberano. Penso que o mundo compreende isso.

Putin queixa-se frequentemente de que em 2014 houve um golpe nazi na Ucrânia e que desde então o poder em Kiev se tornou ilegal e ilegítimo. No entanto, esse discurso não impediu Putin de se relacionar com Petro Poroshenko, que se tornou presidente precisamente em 2014. Kremlin reconheceu-o como líder legítimo, Putin apertou-lhe a mão, assinou acordos com ele, celebrou contratos. O mesmo com o presidente Zelensky até ao início das hostilidades. Por que razão cooperou com Kiev durante oito anos, se o regime nazi está lá estabelecido, como garante a todos?

Evidentemente, na Ucrânia existem grupos de extrema-direita — como, aliás, em qualquer país, incluindo na Rússia. No entanto, o grau de influência dos radicais de direita na vida sociopolítica da Ucrânia não deve ser sobrestimado. Eles perderam todas as últimas grandes eleições, quase não têm representação no parlamento e não controlam nenhum dos ministérios. Para ser honesto, do meu ponto de vista, há muito mais políticos de extrema-direita em posições importantes no governo russo que falam a linguagem do ódio.

Os ucranianos elegeram Volodymyr Zelensky como Presidente, que nunca escondeu a sua origem judaica. Os nazis durante a Segunda Guerra Mundial destruíram propositadamente milhões de pessoas da sua religião; qualquer judeu tem desprezo por essa ideologia. Poderíamos simplesmente rir-nos dos argumentos do Kremlin sobre o regime nazi em Kiev, se essa propaganda não tivesse consequências tão tenebrosas.

Normandy Four summit in Paris

Ilya Yashin recorda que Putin já negociou com Zelensky

Mikhail Metzel/TASS

E o argumento de que as fronteiras da NATO estavam a ficar cada vez mais próximas do território de influência russa e isso representava uma ameaça à segurança e integridade do país?
Gostaria de relembrar que nos primeiros anos do governo de Putin, o nosso país cooperou de forma bastante construtiva com a NATO. Segundo o presidente russo, ele até propôs ao colega americano Bill Clinton que o nosso país fosse aceite na aliança. Coordenávamos as nossas ações, as tropas da NATO usavam a nossa base militar em Ulyanovsk e os países Bálticos que fazem fronteira com ela tornaram-se membros da NATO. A verdade é que somos vizinhos da Aliança do Atlântico Norte há muito tempo, e durante muitos anos isso não foi um problema.

Mas mesmo se levarmos a sério os discursos atuais de Putin e assumirmos que o objetivo da operação especial na Ucrânia é afastar a NATO das fronteiras russas… Qual será o resultado? Neste momento, a Rússia é considerada uma ameaça clara que deve ser combatida. Cada vez mais formações militares estão a ser atraídas para as nossas fronteiras, a aliança está a expandir-se às custas da Finlândia e da Suécia, que renunciaram à neutralidade. Com a sua agressão na Ucrânia, Putin mobilizou a NATO, deu-lhe um novo significado e deu-lhe uma nova vida.

Como vê o argumento mais recente de Vladimir Putin de que o Ocidente tem um plano para desintegrar a Federação Russa tal como a conhecemos?
Duvido de que mesmo um político importante e consciente queira o colapso da Rússia. Temos um país enorme, as suas ruínas podem originar dezenas de formações estatais. Haverá novas disputas territoriais, conflitos étnicos — um verdadeiro caos. Além disso, será impossível controlar quem terá armas nucleares. Imaginemos essa confusão em 1/8 da Terra. Tenho a certeza de que ninguém quer um cenário assim. Acredito que o Ocidente, e na verdade o mundo inteiro, só está interessado em que o meu país se torne pacífico e mais previsível. Um país que não represente uma ameaça e com o qual se possa cooperar com calma, gerir negócios que tragam benefícios mútuos. Putin, com suas histórias sobre os planos diabólicos dos estrangeiros, está simplesmente a intimidar a nossa sociedade e a instalar a histeria militar.

"Acredito que o Ocidente, e na verdade o mundo inteiro, só está interessado em que o meu país se torne pacífico e mais previsível. Um país que não represente uma ameaça e com o qual se possa cooperar com calma, gerir negócios que tragam benefícios mútuos"
Ilya Yashin

O que muda com os referendos em territórios ucranianos e como vê essa votação?
Acho que com estes “referendos”, Putin está a tentar acabar a guerra em termos razoáveis ​​para ele e com a perceção de que a Rússia está a ficar sem forças para continuar as hostilidades. O Presidente diz: ‘Deixem-me ficar com o que consegui ocupar, não vou mais longe, vamos traçar uma linha.’ Ele já não exige uma mudança de poder em Kiev, já se esqueceu da desmilitarização da Ucrânia e não questiona a sua soberania. Basicamente, Putin admite que perdeu, mas quer salvar a cara, recebendo em troca uma série de concessões territoriais. Os ucranianos, como é óbvio, ignorarão os resultados dos “referendos” e, com o apoio dos aliados, vão continuar a ofensiva. Talvez consigam reconquistar mais alguma parte do seu território. No entanto, com a mão de Putin pairando sobre o botão nuclear, a situação irá piorar. E, no final, teremos uma exaustão internacional e negociações de paz. Ou então testemunharemos o fim do mundo.

*com colaboração de Larisa Tovmasyan

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