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Luís Amaro diz que houve um número diminuto de casos que foram encaminhados para outros hospitais

Luís Amaro diz que houve um número diminuto de casos que foram encaminhados para outros hospitais

Entrevista ao Presidente do Hospital Garcia de Orta: "Não é realista reabrir a urgência pediátrica em março"

A ministra da Saúde tinha apontado março para reabrir a urgência pediátrica durante a noite, mas o presidente do Garcia de Orta não acredita que os cinco pediatras necessários se candidatem ao lugar.

O presidente do Hospital Garcia de Orta, em Almada, não acredita que seja possível contratar até março os cinco médicos necessários para reabrir a urgência pediátrica durante a noite. O serviço está fechado no período noturno desde meados de novembro, por falta de pediatras suficientes para preencher as escalas e foi aberto um concurso para resolver o problema. Na semana passada, em entrevista à TSF e ao DN, a ministra da Saúde tinha apontado o mês de março como mês possível para a reabertura, mas Luís Amaro, em entrevista ao Observador, diz que esse prazo “não é realista” porque não acredita que apareçam os cinco candidatos necessários, como já aconteceu noutros concursos.

O presidente do Conselho de Administração do hospital explica que não era expectável que a situação ficasse resolvida de imediato, porque nos segundos concursos, como este, há sempre menos candidatos. Mas admite também que outros hospitais centrais, na área de Lisboa, podem ser mais atrativos para os profissionais de saúde. A solução, garante, passa por estabilizar e fidelizar as equipas e criar condições para motivar novos médicos. E avisa que o problema que existe agora com a Pediatria pode repetir-se, em breve, no Centro de Desenvolvimento da Criança e na Neonatologia, porque muitos dos elementos da equipa aproximam-se da idade da reforma.

Garcia de Orta deixa de ter urgências pediátricas durante a noite

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No programa Sob Escuta, da rádio Observador, Luís Amaro recusou, ainda assim, a possibilidade de o hospital ficar sem o serviço de urgência pediátrica, no âmbito da reorganização das urgências, que o governo está a preparar. O presidente do hospital diz que essa questão nunca se colocou nas várias conversas com o ministério da Saúde e que a valência é essencial na península de Setúbal.

Luís Amaro apontou ainda a idade a partir da qual os médicos podem deixar de fazer urgências (aos 55 anos) como um dos fatores para a falta de médicos nesse serviço, em todo o país. E defendeu que é preciso “força política” para reverter essa regra, tendo em conta o aumento da idade da reforma nos últimos anos.

Sobre os casos de agressões a profissionais de saúde, durante o atendimento, o presidente do Garcia de Orta diz que, antes de se discutirem medidas de segurança é preciso prevenir. Luís Amaro lembra que essas situações acontecem sobretudo quando os serviços de urgência têm problemas, com tempos de espera longos, e que esse problema só se resolve reforçando os serviços dos centros de saúde, para aliviar os hospitais a enorme afluência de casos que não precisariam, de facto, de tratamento hospitalar. Amaro lembra que, até setembro, 73% dos casos atendidos na urgência pediátrica não eram urgências hospitalares — tiveram prioridade verde e azul, o que significa que poderiam ter sido tratados no centro de saúde. O mesmo aconteceu com 52% dos casos atendidos na urgência geral.

Médica foi agredida por utente no Hospital de São Bernardo em Setúbal

Na entrevista, elogiou ainda a decisão de atribuir mais autonomia às administrações, prevista no Orçamento do Estado deste ano. Diz que isso irá facilitar as contratações, que agora são difíceis por causa do tempo que é preciso esperar pelas autorizações da tutela. E aponta a compra de material — para o serviço de imagiologia, por exemplo, que está obsoleto — como a prioridade mais imediata do hospital.

[O melhor da entrevista a Luís Amaro:]

A urgência pediátrica está fechada durante a noite desde meados de novembro. Quando é que vai reabrir? 
Não sabemos exatamente. Isto porque o compromisso para a abertura implica a contratação de médicos pediatras. É bem verdade que nós conseguimos a contratação este mês de dois pediatras, mas para conseguir abrir a urgência é necessário mais cinco, no mínimo. E é também verdade que o Ministério [da Saúde] nos atribuiu cinco vagas neste concurso que está agora a decorrer, mas nós não sabemos ainda exatamente quantas pessoas vão — se é que vão — trabalhar connosco.

A ministra da Saúde tinha falado em março. Parece-lhe um prazo realista?
Sinceramente acho que não. Porque estou convicto de que nós não vamos ter cinco pediatras agora. Tudo fizemos nesse sentido. Qual foi o trabalho do Conselho de Administração e também da atual coordenadora — e futura diretora — do serviço [de Pediatria]? Foi contactar as pessoas que saíam agora, deste concurso, e mostrar os projetos que nós temos no Hospital Garcia de Orta e, no fundo, motivá-las a trabalhar connosco. Mas também sabemos que há outros hospitais, nomeadamente na Grande Lisboa e também a nível nacional, que têm projetos idênticos e necessidades idênticas e há pessoas, pela sua vida pessoal, que terão, eventualmente, a hipótese de ficar a trabalhar mais perto de casa.

Mas vamos voltar a essas contas: foram contratados dois pediatras e foi aberto um concurso para outros cinco. Se fosse possível contratar esses cinco, isso seria suficiente para resolver o problema da urgência pediátrica?
Neste momento, seria suficiente para abrir.

E para mantê-la depois sem grandes percalços.
Sim.

"Estou convicto de que nós não vamos ter cinco pediatras agora"
Luís Amaro, Presidente do Conselho de Administração do Garcia de Orta

No passado, já se recorreu a esta solução do concurso e da abertura de vagas e não funcionou, porque não houve candidatos para preencher essas vagas.
Exato.

Porque é que a opção foi usar exatamente a mesma fórmula para conseguir um resultado diferente?
Não é exatamente a mesma fórmula. Aliás, como sabem, na administração pública só temos duas vias de contratar pessoas: ou através de um contrato individual de trabalho, ou através da abertura de concursos. E só temos estas duas vias porque não queremos ir pela via da prestação de serviços, porque isso, de alguma maneira, não fixa as pessoas e não fideliza, digamos assim, aos projetos que nós entendemos. O que eu acho que não foi bem conseguido pelo anterior Conselho [de Administração] foi a estabilização da equipa e é nisso que nós apostamos.

Ainda assim, a sua convicção é de que isso não será suficiente para conseguir estas cinco pessoas?
Porque, repare, não era expectável até que isso fosse a solução definitiva, porque os segundos concursos — e este é um segundo concurso — têm sempre menos pessoas. São pessoas que, na primeira fase, não conseguiram terminar o internato por qualquer motivo e saem sempre muito menos pessoas e digamos que o apelo ainda que seja feito, e que seja demonstrado um conjunto de projetos inovadores e motivadores, há sempre uma escassez de recursos a concorrer. Daí que não era expectável que a resolução em definitivo do problema do serviço de Pediatria ficasse conseguida neste concurso.

Então a ministra precipitou-se quando falou em março?
Não, a sra. ministra o que referiu foi que se nós conseguíssemos preencher as cinco vagas tínhamos condições para abrir a urgência. Agora, não nos podemos esquecer de que, à partida, tinham saído nos últimos anos 13 pediatras e, portanto, para repormos o funcionamento integral do serviço são necessário, no mínimo, diria que 12 pediatras. Para repor o funcionamento da urgência integral, com sete conseguimos.

"Não era expectável que a resolução em definitivo do problema do serviço de Pediatria ficasse conseguida neste concurso"
Luís Amaro, Presidente do Conselho de Administração do Garcia de Orta

O que é que acontece se estas vagas ficarem por preencher? A urgência não vai reabrir de todo?
A urgência não pode reabrir sem recursos e eu diria que é fundamental continuarmos a estabilizar e a fidelizar as pessoas ao serviço. Nós poderíamos eventualmente forçar a equipa a abrir a urgência, até porque no verão estivemos a trabalhar com esta falta de recursos. Só que isto obrigou a um esforço muito grande aos profissionais e aquilo que tivemos quase a correr o risco foi perder aqueles que eventualmente ainda lá trabalham e não é isso de todo que queremos. O que nós queremos é que a equipa estabilize e criar condições para que as pessoas não se sintam pressionadas, trabalhem em qualidade, respondam com segurança e isso não é possível sem aquele mínimo.

O que está a dizer é que todas as estratégias que o hospital possa ter para tentar criar essas condições de trabalho mais atrativas nunca vão funcionar se não houver pessoas suficientes, porque o trabalho será sempre a mais.
Exato.

Por causa deste encerramento, quantos casos é que foi preciso reencaminhar dos centros de saúde com horário alargado para os hospitais Dona Estefânia e Santa Maria?
[Um número] diminuto.

Sabe dizer-me números concretos?
Neste mês ainda não temos os dados fechados, mas, até dezembro, foram encaminhados 16 dos 720 que foram atendidos nos cuidados de saúde primários no prolongamento. Apenas 16 crianças foram reencaminhadas para os hospitais de Lisboa e isto prende-se com uma dinâmica que é necessário nós enfrentarmos para futuro, que é percebermos como é que nos havemos de organizar por forma a que as pessoas não corram sem necessidade aos cuidados hospitalares, nomeadamente às urgências.

Segundo Luís Amaro, apenas 16 crianças foram reencaminhadas para os hospitais Dona Estefânia (na fotografia) e Santa Maria, em Lisboa)

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Como assim?
Posso dar-lhe os números. 73% das crianças que foram ao Hospital Garcia de Orta, no período compreendido entre janeiro e 30 de setembro, foram categorizadas pela triagem de Manchester em verdes e azuis.

Ou seja, não precisavam de ser vistas pela urgência, mas podiam ter sido vistas nos cuidados de saúde primários.
Deveriam ter sido vistas nos cuidados de saúde primários. E o mesmo se passa na urgência geral, onde 52% são verdes e azuis e até inclusivamente na urgência de ginecologia/obstetrícia — 58%.

Aquilo que está a dizer, por exemplo em relação à Pediatria, é que se estes 73% dos casos não recorressem à urgência porque dela não precisavam, não seriam precisos cinco pediatras para reabrir a urgência? Bastariam menos?
Não, porque, por uma questão de segurança, as equipas têm de ter um mínimo…

Então estes números não têm nenhuma influência nas necessidades operacionais do hospital?
Têm influencia na qualidade do atendimento das crianças e o mesmo se passa, neste preciso momento, com as urgências gerais. Se as pessoas que vão à urgência geral sem necessidade de lá ir fossem atendidas nos cuidados de saúde primários, não necessitavam de estar tanto tempo à espera para serem atendidos aqueles que têm verdadeiramente necessidade de lá ir.

Estamos aqui a falar de crianças que foram encaminhadas do centros de saúde para os hospitais, mas sabe dizer-me se os hospitais Dona Estefânia e Santa Maria tiveram uma maior afluência de casos vindo da margem sul?
Não é valorizável, diria.

Em que sentido?
Ou seja, a procura nesta fase em que a urgência está fechada, não é significativa.

"Se as pessoas que vão à urgência geral sem necessidade de lá ir e fossem atendidas nos cuidados de saúde primários, não necessitavam de estar tanto tempo à espera para serem atendidos aqueles que têm verdadeiramente necessidade de lá ir"
Luís Amaro, Presidente do Conselho de Administração do Garcia de Orta

Mas mesmo esta percentagem muito grande, esta enorme maioria, que tipicamente procurava a urgência pediátrica sem dela precisar, não continua a procurar urgências hospitalares como Santa Maria e Dona Estefânia, e foi às unidades de saúde primária? Ou simplesmente não foram, esperaram até ao dia seguinte para ir à urgência, porque a urgência está aberta durante o dia? Qual é que acha que é a explicação aqui? É porque tínhamos aqui muitas pessoas que iam à urgência sem precisar…
Certo.

… seria de imaginar que, com a urgência fechada à noite, elas iriam eventualmente procurar nos outros hospitais. Se essa afluência maior não se notou, o que é que aconteceu a estas pessoas?
O que aconteceu a essas pessoas é que, provavelmente, por força da indicação que nós demos de recorrerem prioritariamente à Saúde 24 para perceberem onde se deveriam dirigir, vão maioritariamente aos centros de saúde durante o dia, que é onde devem ir nas situações de doença aguda. Porque os médicos de Medicina Geral e Familiar estão perfeitamente capacitados tecnicamente, e a equipa de família diria — enfermeiros e médicos —, para atender as situações de doença aguda. E isto não é novo, como sabem. Está descrito, infelizmente há muitos anos que, em Portugal, as pessoas utilizam indevidamente as urgências

No geral…

No geral e em particular na Pediatria.

Mas houve casos de famílias que procuraram assistência na urgência geral durante a noite, apesar do encerramento da urgência pediátrica? Tiveram casos desses?
Não, porque as pessoas estão informadas que não devem dirigir-se à urgência geral.

Mas caso isso aconteça, o que é que é feito? São atendidas na urgência geral ou são encaminhadas para os centros de saúde ou para os outros hospitais?
Nós temos a urgência aberta até às 20h, com a possibilidade de atendimento até às 22h, porque temos uma equipa interna organizada. Nós pura e simplesmente não fechámos o hospital. Há crianças que estão internadas, há pediatras a funcionar em urgência interna. Mais: há pediatras a trabalhar na Neonatologia, nos Cuidados Intensivos e no internamento da Pediatria. Nós constituímos um fluxograma de atendimento para as situações em que, inadvertidamente, os pais não respeitam aquilo que propusemos, que era numa situação de doença aguda, devem telefonar para a Saúde 24. Numa situação de emergência, devem ligar para a Saúde 24 ou dirigir-se imediatamente para a Estefânia. Mas pode acontecer situações dessas e portanto, o que é que acontece? Os pais dirigem-se à urgência geral, por hipótese, são inscritos e imediatamente é acionada uma chamada do pediatra interno, que faz a triagem e encaminha ou resolve o que for necessário.

Estamos a falar de como este encerramento forçado em alguns períodos acabou por obrigar a uma espécie de reorganização das urgências — que até mudou alguns comportamentos…
É verdade…

… aparentemente, de forma positiva —, mas a reorganização das urgências é, aliás, uma medida que o Governo quer pôr em prática nos próximos meses. Tendo em conta o cenário atual, o que é que para si faz mais sentido? Que o Garcia de Orta perca valências nessa área, nomeadamente em alguns períodos por exemplo, ou que mantenha e que outros hospitais, por exemplo o de Santa Maria, perca essas valências, ficando elas no Garcia de Orta?
Está a referir-se, em concreto, à urgência pediátrica?

Sim, por exemplo.
Temos de contextualizar o hospital no espaço físico que ele tem. O Hospital de Garcia de Orta, não só pela sua diferenciação, mas também porque é um hospital tampão para a Península de Setúbal, nunca poderá perder a urgência pediátrica. Está fora de questão.

" [O Hospital Garcia de Orta] nunca poderá perder a urgência pediátrica. Está fora de questão"
Luís Amaro, Presidente do Conselho de Administração do Garcia de Orta

Portanto, nessa reorganização, é preciso ter a certeza — é pelo menos aquilo que defende — que não poderá tocar na urgência pediátrica do Garcia de Orta?
Não, é a minha convicção e é a convicção do Ministério [da Saúde]. Isso nunca esteve em cima da mesa. Nas várias discussões e planeamento para este encerramento, esteve sempre subjacente que isto era um período transitório, até conseguirmos reorganizar os recursos. Ponto assente.

E o facto de, por exemplo, estes números mostrarem que não houve grande afluência a outras urgências, que muitos casos puderam ter sido atendidos nas unidades de cuidados de saúde primários, de forma bastante tranquila e simples, não pode levar a ministra da Saúde a tomar uma decisão diferente daquela que foi discutida consigo?
Não, exatamente por aquilo que lhe referi. O Centro Hospitalar Barreiro Montijo e o Centro Hospitalar de Setúbal não têm a diferenciação para poderem assumir integralmente essas funções e portanto, em situações de maior risco, de maior gravidade, será sempre o Hospital Garcia de Orta a assumir esta prestação. Por outro lado, aquilo que está a ser previsto em termos de reorganização na Grande Lisboa, não sei exatamente o que vai acabar por acontecer, mas aí sim poderá eventualmente haver aqui alguma reorganização ao estilo do que aconteceu no Porto. Agora, a Península de Setúbal passará sempre por este modelo.

Há pouco falávamos sobre a dificuldade em contratar médicos por falta de candidatos aos concursos, como já aconteceu e como teme que aconteça também com este segundo concurso. Porque é que os médicos não querem ir trabalhar para o Garcia de Orta?
Isto é a lei da oferta e da procura. Se um médico tem outra possibilidade de arranjar trabalho numa instituição mais central, com outro tipo de diferenciação, que penso que foi isso que, de alguma maneira, complicou e que, de alguma maneira, condicionou no passado que os médicos ficassem a trabalhar no Garcia de Orta, passa agora pelo atual Conselho de Administração — e também, obviamente, em articulação com o próprio serviço — permitir que os jovens médicos possam diferenciar-se em áreas que, até agora, não era possível. Há áreas de apetência, do ponto de vista da diferenciação, concretamente no âmbito da Pediatria, que estou convicto que não foram proporcionadas aos recém-especialistas no passado — Neonatologia, Centro de Desenvolvimento da Criança —, mas que a atual direção do serviço entende que é fundamental para renovar inclusivamente o próprio serviço. Devo dizer-vos que, no âmbito da Neonatologia, se nada for feito, o problema que neste momento subjaz na urgência pediátrica vai-se colocar também no Centro de Desenvolvimento da Criança e na Neonatologia, porque as pessoas que lá trabalham, os médicos, estão a atingir todos eles — ou maioria deles, diria — a idade de se reformarem. E portanto temos que integrar jovens médicos nessas áreas de valência de grande diferenciação e isso é o motivo, estou eu convicto e a própria direção de serviço, que vai fazer com que agora as novas gerações adiram a ficar no Garcia de Orta.

Quando diz que isso é um risco porque quase todos eles estão a chegar à idade de reforma, quando é que isso vai acontecer? Este ano?
Não, não diria este ano, mas 2, 3, 4 anos.

"Se nada for feito, o problema que neste momento subjaz na urgência pediátrica vai-se colocar também no Centro de Desenvolvimento da Criança e na Neonatologia"
Luís Amaro, Presidente do Conselho de Administração do Garcia de Orta

E tem a convicção de que essa diferenciação vai pesar mais do que a ponderação de “se eu for para o Garcia de Orta, pela falta de médicos, vou ter que fazer tantas urgências que mais vale ficar em casa”?
É evidente. É evidente que isso pesa e é evidente que também isso pesou. Porque se tivermos, imagine, sete médicos que têm de, sistematicamente, fazer duas urgências por semana, para garantirem o funcionamento das urgências durante as 24 horas, isso pesa, obviamente, na decisão de eu ficar ou não ficar num hospital. Porque, em Lisboa, isso não acontece. As pessoas fazem uma urgência de 15 em 15 dias…

Há alternativas mais perto….
Há alternativas e menos trabalhosas e menos pesadas.

Mas haveria alguma coisa, para resolver esta questão, mais imediata que, se tivesse autonomia total ou se tivesse liberdade total, como presidente do Conselho de Administração, tomaria para resolver de imediato este problema? E que não o pode fazer porque é tutelado por uma estrutura que está acima de si?
Se eu estivesse a trabalhar no privado seria muito mais fácil.

Porquê?
Porque teria uma autonomia completamente diferente, até de oferecer outro tipo de vencimentos, por exemplo.

Isso poderia ser uma solução?
Eu diria que não passa só pelos vencimentos, passa essencialmente por aquilo que vos expliquei. É oferecer aos novos médicos, às novas gerações, áreas de diferenciação. Um dos aspetos que acho que é absolutamente crucial para fixar qualquer profissional é, por exemplo, a questão dos investimentos. Ter bons equipamentos para trabalhar, ter capacidade de desenvolver novos projetos e isso, de alguma maneira, nos últimos anos, diria, foi um problema e continua a ser de alguma maneira um problema no Serviço Nacional de Saúde, porque a área de investimento ficou um bocado…

Posta de parte.
Exato.

"Se eu estivesse a trabalhar no privado seria muito mais fácil", diz Luís Amaro

Pior do que os médicos que não se candidatam a novas vagas, há muitos que querem sair ou deixar funções de chefia. Em setembro, dez internistas demitiram-se de chefes de equipa da urgência por falta de cirurgiões gerais nas escalas. Esta situação está normalizada?
Isso nunca aconteceu.

Eles não se demitiram?
Não. O que se passou foi que um conjunto de dez chefes de equipa e mais uns quantos internistas — no total foram 14 médicos — falaram com a direção do serviço e propuseram um conjunto de alterações que eu considero que são pertinentes e é bom que se diga que este Conselho de Administração está a trabalhar de abril. E fomos confrontados com um conjunto de reivindicações que nós achamos, inclusivamente, que são justas.

Então não houve demissões?
Não houve demissões. Houve uma carta…

Houve pelo menos uma ameaça…
A ameaça claro que houve, isso foi do domínio público. O que nós fizemos foi reunir com as pessoas e continuamos a trabalhar com elas no sentido de ir ao encontro daquilo que eram as reivindicações e as aspirações das pessoas e que, de alguma maneira, vieram para a comunicação social até um pouco estranhamente. Até porque nós próprios, Conselho de Administração (CA), tivemos conhecimento dessas reivindicações pela comunicação social. O que seria legítimo era que as pessoas — continuo a referir que algumas das reivindicações são legítimas — as colocassem ao CA em primeira mão.

A situação está normalizada?
Sim.

Alguma dessas reivindicações foi resolvida?
Eu diria que foram quase todas, senão teriam sido concretizadas as demissões.

Em final de outubro, cerca de 20 especialistas de medicina interna entregaram uma declaração de indisponibilidade para fazerem horas extraordinárias. É possível garantir as escalas da urgência sem os médicos fazerem horas extra?
Isso é um problema transversal a nível nacional, por tudo o que é hospitais. Certamente saberão, os médicos a partir dos 55 anos, se o desejarem, deixam de fazer urgências. E a partir dos 50 anos podem requerer não fazer urgências noturnas. Isso significa o quê? Significa que, com o prolongamento do tempo laboral, há um período de cerca de 15 anos em que os médicos estão a trabalhar num hospital, mas sem fazerem urgências. O que significa que houve uma mudança significativa a partir do momento em que houve um aumento do tempo em que as pessoas se podem reformar. Há 10 ou 15 anos, as pessoas reformavam-se aos 56 anos, o que significava que os hospitais tinham de ter preocupações em relação às urgências por um período muito restrito, de um ano ou dois. Neste momento, só é possível resolver esse problema se nós, das duas uma: ou fizermos contratação através de prestações de serviço, o que não é desejável porque são muito mais caras — temos de pagar mais à hora do que pagamos aos nossos profissionais —, ou então fazermos contratações e enchermos, passe a expressão, os serviços de pessoas para podermos sustentar com o número de horas suficientes as urgências. Ora, isso não é possível porque um serviço não vive só das urgências, ou não deveria viver só das urgências. A Medicina Interna, que é a especialidade com grande responsabilidade em assegurar as urgências gerais, teria de ter quase que o dobro dos efetivos que tem neste momento, mas depois não há espaço para os pôr a fazer consultas e outro tipo de atividades, e, portanto, obviamente que tem de haver aqui uma solidariedade por parte dos profissionais em assegurar as urgências através do recurso a trabalho extraordinário. É inevitável.

"Obviamente que tem de haver aqui uma solidariedade por parte dos profissionais em assegurar as urgências através do recurso a trabalho extraordinário. É inevitável"
Luís Amaro, Presidente do Conselho de Administração do Garcia de Orta

Mas compreende que o cansaço não os faça ter essa solidariedade de que fala?
Percebo perfeitamente. Mas deve entender que os médicos são obrigados por lei a fazer até 150 horas extraordinário. Se fizerem as contas, 150 horas atingem-se mais ou menos em maio. O que significa que, de maio a dezembro, o hospital está dependente da boa vontade destes profissionais. E, portanto, tem de haver, provavelmente, força política para reverter a situação dos 55 anos.

Não devia ser aos 55 anos, devia ser mais tarde?
Claro. Se as pessoas aumentaram a idade da reforma, tem de haver um ajustamento da idade em que os médicos deixam de fazer urgência, diria eu.

Tem ideia de quantos médicos saíram do hospital nos últimos anos e quantos foram substituídos ou não foram substituídos?
Neste momento, em termos de efetivos, estamos relativamente equilibrados. Ou seja, o número de médicos que saíram, em termos de número horas trabalhadas igual a 35 horas semanais, é semelhante — inclusivamente com algum ganho — no ano de 2019, em relação aos anos transatos.

A saúde é a principal prioridade do governo no Orçamento do Estado. Que medida, das que ouviu, achou mais relevante?
Desde já, a maior autonomia às administrações hospitalares — maior autonomia e maior responsabilidade, obviamente — e um enfoque no investimento, que é absolutamente determinante. Há um conjunto significativo de equipamentos no Hospital Garcia de Orta que têm de ser requalificados.

"Tem de haver, provavelmente, força política para reverter a situação dos 55 anos"
Luís Amaro, Presidente do Conselho de Administração do Garcia de Orta

O Garcia de Orta está no grupo dos primeiros hospitais a usufruir dessa autonomia. Em que ponto está esse processo?
Esse processo está a caminhar. Nós submetemos o Plano de Ação e Orçamento em 2019 nesses pressupostos, foi negociado e tivemos hoje reunião na ACSS [Administração Central do Sistema de Saúde] onde nos deram um conjunto de orientações para planear e executar o Plano de Ação e Orçamento para 2020. Portanto, há um conjunto de critérios que, a serem observados pelos hospitais que estão nesse grupo, dão uma maior autonomia em termos capacidade de investimento e em termos de contratação de recursos.

E o que é que vai mudar no Garcia de Orta com essa autonomia?
Se cumprirmos esses pressupostos vamos ter hipótese de contratar dentro dos limites que foram negociados no Plano. O que eu imagino é não estar uns meses à espera da contração de um médico, porque isto faz toda a diferença. Imaginem: se eu tiver a possibilidade de contratar hoje um médico e negociar com ele, mas só daqui a quatro ou cinco meses ou seis puder estabelecer o contrato com a pessoa, e se essa pessoa for sondada para ir trabalhar numa outra instituição, nomeadamente privada, vai optar por o fazer porque isso lhe traz segurança. Portanto, se eu tiver esta capacidade de negociar e contratar, dentro dos limites que foram, obviamente, negociados no contrato-programa, é mais fácil.

Também destacou o investimento. O OE prevê 176 milhões para o Garcia de Orta, no ano passado estava prevista uma verba de 165 milhões. O que vai fazer com esse dinheiro?
176 milhões é o nosso orçamento, que nós vamos utilizar para gerir durante o ano, não é novo. Estes 11 milhões de euros a mais são muito bem vindos porque podemos pagar de forma mais atempada aos fornecedores, podemos negociar de maneira diferente e poderemos, obviamente, comprar aquilo que nos faz falta. Também com o apoio de fundos comunitários, vamos renovar a ressonância magnética, que foi instalada em 2003 e está perfeitamente descontinuada, não faz um conjunto de valências que são absolutamente fundamentais. Vamos renovar a TAC. Enfim, há um conjunto muito significativo de investimentos que são absolutamente prioritários e vamos começar a trabalhar numa coisa que é absolutamente estranguladora naquele hospital: o hospital Garcia de Orta foi concebido nos anos 1970, para uma população de 150 mil e serve 340 mil residentes, mais áreas que somos hospital diferenciado para o sul do país — Neurocirurgia, por exemplo. Portanto, o hospital está, dentro da sua estrutura, com atividade de internamento, de urgência e, fundamentalmente, de meios complementares de diagnóstico e atividade ambulatória que tem de sair do hospital porque quem for ao Garcia de Orta, neste momento, tem o hospital completamente devassado.

"O Hospital Garcia de Orta foi concebido nos anos 1970, para uma população de 150 mil, e serve 340 mil residentes mais áreas que somos hospital diferenciado para o sul do país", explica Luís Amaro

MANUEL MOURA/LUSA

Em outubro, dizia, numa entrevista à Lusa, que a sua ideia era retirar precisamente a área do ambulatório do internamento — até tirá-la do edifício —, mas que isso, com outros planos que tinha também, custaria entre 15 e 17 milhões de euros e tinha a esperança de que o Ministério lhos desse. Vai recebê-los?
Sim, isso é um investimento plurianual. Esse é um projeto não pode deixar de ser construído e executado, porque está perfeitamente definida essa necessidade. Por outro lado, está em vias de avançar a construção do hospital do Seixal. O hospital do Seixal, em princípio, ficará a funcionar como centro hospitalar do hospital Garcia de Orta. E é um hospital que vai ter características muito específicas. Não tem previsto internamento, é um hospital chamado de alta resolução. Vai ter poucas camas, muito centradas na reabilitação e nos cuidados continuados e paliativos, e o que vai fazer é aumentar a acuidade diagnóstica e de suporte e também uma urgência não muito diferenciada, uma urgência de suporte. E o que vai fazer é alimentar o Garcia de Orta de pessoas com diagnósticos resolvidos e que vão ser, a maior parte deles, intervencionados e internados no nosso hospital. Portanto, se nós não criarmos a possibilidade de aumentar a capacidade de internamento, nada disto vai funcionar. O pressuposto aqui é esse mesmo: retirar toda a atividade ambulatória do atual hospital…

Quando acha que vai conseguir fazer isso?
Este Conselho de Administração tem, até ao final do seu mandato — mais dois anos —, que pôr este projeto na rua e em concurso para poder ser executado. Obviamente que não sei se vou continuar depois disso, ou se este Conselho vai continuar. A nossa responsabilidade é fazer isto até ao final do nosso mandato. Por isso, diria que os dois próximos anos são de preparação deste projeto.

Uma das questões ligadas à Saúde na atualidade tem a ver com episódios de violência em relação a profissionais de saúde. O governo decidiu avançar com algumas medidas para evitar estas situações. Foi tomada alguma medida específica no Garcia de Orta ou nunca se confrontaram com essa necessidade?
Obviamente que quando as urgências funcionam de forma menos adequada e quando os tempos de espera são longos, digamos que este tipo de episódios pode, naturalmente, acontecer. No Garcia de Orta, que eu tenha conhecimento, pelo menos com a gravidade do que tem vindo a público, nunca aconteceu. O que devemos fazer é prevenir estas situações a montante. Aquilo que nós entendemos é que tem de haver aqui uma articulação profunda com os cuidados de saúde primários — eu conheço bem os cuidados de saúde primários porque trabalhei 12 anos antes de exercer este cargo, fui diretor executivo do agrupamento Almada Seixal — e aquilo que eu acho fundamental é empoderar os cuidados de saúde primários, por forma a que todas as situações que possam ser atendidas nos cuidados de saúde primários o sejam.

"Aquilo que eu acho fundamental é empoderar os cuidados de saúde primários por forma a que todas as situações que possam ser atendidas nos cuidados de saúde primários o sejam"
Luís Amaro, Presidente do Conselho de Administração do Garcia de Orta

Uma forma de esvaziar as urgências, tirar pressão.
Não faz sentido continuarmos sem fazer esta discussão, que é prévia às medidas de segurança.

Esta é a altura crítica para os hospitais, em particular as urgências, por causa da gripe. O hospital está preparado para este aumento de afluência nas urgências?
Nós estamos, neste momento, com o nível três do período de contenção para a gripe. Obviamente que temos estado a sofrer esta pressão, porque aumentou muito significativamente a procura aos serviços de urgências, mas estamos a responder relativamente bem. Não digo que não haja um aumento do tempo de espera. Diria que, nos últimos dias anda às volta dos 350/370 pessoa por dia.

Por causa da gripe?
Não há gripe significativa, mas há uma procura maior do serviço de urgência.

[A entrevista ao presidente do Hospital Garcia de Orta na íntegra:]

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