É um semi-regresso às origens. Sempre que exista mais do que um candidato à liderança do partido na corrida, os sociais-democratas vão passar realizar uma Convenção Nacional antes das eleições diretas. O objetivo assumido é voltar a permitir a existência de “um momento mediático na senda dos antigos congressos”, com “confronto de ideias” ao vivo e a cores, sem alterar, ainda assim, o modelo de eleição do líder, que continuará a ser escolhido através de diretas pelos militantes do partido.
O objetivo é que estas novas regras se apliquem já em julho de 2024, altura em que Luís Montenegro tentará revalidar a liderança do partido. Em declarações ao Observador, Hugo Soares, secretário-geral do PSD, assume que pretensão da atual direção do partido foi mesmo recriar esses momentos de confrontação de ideias sem sacrificar a transparência da eleição direta. De fora ficou a introdução de primárias, modelo escolhido pelo PS durante o confronto entre António Costa e António José Seguro, e como há muito vão defendendo várias figuras do universo social-democrata.
Na prática, é uma solução a meio caminho entre os saudosistas dos congressos eletivos — que acabaram durante o reinado de Luís Marques Mendes — e os defensores da instituição de eleições primárias, abertas a militantes e simpatizantes do partido. Até aqui, os candidatos à liderança eram escolhidos em eleições diretas, com direito a campanha tradicional (volta ao país, entrevistas e, quando as partes acordavam, debates) e depois entronizados em congressos que se foram transformando em meras passagens de testemunho.
No passado, os congressos do PSD ficaram marcados por momentos surpreendentes (como a eleição de Aníbal Cavaco Silva, depois da famosa e altamente romantizada rodagem de um Citroen) e por momentos que marcaram — para o bem e para o mal — a vida interna do partido, como o episódio dos “sulistas, elitistas e liberais” de Luís Filipe Menezes (saído em lágrimas dessa reunião magna) ou o “misto de Zandinga e Gabriel Alves” com que Durão Barroso serviu Pedro Santana Lopes, numa das disputas mais sangrentas da história recente do partido.
Nestes congressos eletivos eram muitas vezes os discursos proferidos a partir do púlpito e as jogadas de bastidores, com promessas de cargos e troca de votos, que faziam inclinar a balança. Com a instituição das diretas, com o objetivo declarado de acabar com as práticas pouco recomendáveis, as reuniões magnas do PSD tornaram-se meros formalismos e perderam grande parte do interesse mediático.
Ainda esta semana, André Pardal e outros 12 conselheiros nacionais do PSD desafiaram a direção do partido a adotar essa solução. Hugo Soares descarta. “É uma matéria tudo menos consensual dentro do partido. Há quem entenda, como é o meu caso, que os militantes têm de ter o direito último de escolher quem os lidera”, argumenta.
Além disso, e tal como anunciado há vários meses, a direção do PSD vai também introduzir a figura do voto eletrónico e acabar com obrigatoriedade de ter quota atualizada para se poder votar nas várias eleições — concelhias, distritais e direção nacional. “É o compromisso de terminar de uma vez com toda especulação, casos e casinhos em torno do pagamento de quotas nas eleições”, reitera Hugo Soares.
Na prática, isto terá um efeito relevante nos equilíbrios internos de poder. Desde que as diretas foram instituídas, há casos documentados de pagamento de quotas em massa que se traduziram em mobilização de eleitores para condicionar a escolha dos líderes nacionais. E o mesmo se aplica às escolhas para as concelhias e distritais.
Ora, o fim desta obrigatoriedade terá um resultado prático: no mínimo, não serão aqueles caciques locais com maior disponibilidade financeira a ter maior capacidade de mobilização de eleitores; no cenário ideal, a mobilização artificial graças a incentivos financeiros vai ficar muito minorada. A direção do PSD vai ainda propor a criação de um código de ética para dirigentes e representantes partidários (incluindo candidatos a este cargos) , onde vão deveres e obrigações cuja violação vai acarretar responsabilidade política e disciplinar.
Recorde-se que estas duas intenções já tinham sido anunciadas no final de maio, à boleia das implicações do caso que envolve Joaquim Pinto Moreira e os dados revelados no âmbito da Operação Tutti-Frutti. Para já, no entanto, a direção do partido não se compromete com regras, nem tão pouco com as efetivas consequências que a violação das mesmas podem vir a ter — depois de aprovada a proposta em congresso, será a Comissão Política Nacional a definir o regulamento.
Existe outra proposta de alteração aos estatutos que pode alterar a dinâmica interna do partido: à semelhança do que vai acontecendo no PS, o calendário eleitoral vai ser uniformizado para distritais, concelhias e núcleos, fazendo com que a escolha das direções das estruturas locais — que têm muito peso na definição dos candidatos a autarcas, a deputados e a líderes coincidam no tempo. “Isto vai permitir que as estruturas se possam focar nos combates externos e não estarem sempre preocupadas com eleições internos”, sublinha Hugo Soares.
Está ainda prevista outra alteração que pode transformar o funcionamento interno do partido: tal como tinha sido antecipado, serão introduzidas quotas de género nas listas aos órgãos internos, seguindo os critérios da lei da paridade, que impõe uma representação mínima de 40% para cada género.
Direção vai poder escolher até dois terços dos candidatos a deputados
Todas estas propostas foram formalizadas pela direção do PSD e serão levadas ao congresso estatutário, que a acontece a 25 de novembro. Atendendo ao conforto que Luís Montenegro terá nessa reunião magna do partido, é mais do que provável que venham a ser aprovadas — de resto, não há qualquer outra proposta concorrente. “[O documento da direção] é única proposta de alteração de revisão de estatutos. É um grande sinal de envolvimento de todas as estruturas. É um sinal de grande coesão interna“, celebra Hugo Soares.
Existem, ainda assim, alterações que podem provocar alguma controvérsia. É o caso da escolha dos candidatos a deputados: no futuro próximo, a direção do PSD vai passar a poder escolher até dois terços dos nomes a ir a votos na larga maioria dos círculos eleitorais — e, mais uma vez, à semelhança do que vai acontecendo no PS.
Ora, até aqui, o líder do partido não tinha qualquer ‘quota’ na escolha de candidatos a deputados e acontecia uma de duas coisas: ou a direção em funções ficava na mão das estruturas locais (algumas vezes hostis) e aceitava as escolhas; ou impunha de forma discricionária as figuras entendia serem as melhores, entrando inevitavelmente em choque com o aparelho partidário.
Dependendo de quem fizer a leitura, as conclusões podem ser exatamente contrárias: pode haver quem entenda que esta é uma machadada na relevância das estruturais locais e quem defenda que é uma forma de garantir que — ao contrário do que acontece hoje — concelhias e distritais não ficam manietadas pela direção nacional. É, naturalmente, o caso de Hugo Soares. “Demos um passo importante no sentido de valorizar as concelhias e distritais. Estamos a reforçar o poder das estruturas”, assegura o secretário-geral do PSD.