As escolhas de André Ventura para as listas de candidatos a deputados estão a ser contestadas no Chega. As estruturas do partido não compreendem a promoção de elementos que até ‘ontem’ estavam noutros partidos e que nestas eleições legislativas vão liderar candidaturas ou têm já a sua eleição assegurada. Da chegada de antigos elementos de PSD e IL, ao nome de Cristina Rodrigues como número três no Porto, passando por presidentes de distritais que não agradam pelas mais diversas razão, há pequenos focos de tensão por todo o partido.

No Porto, a constatação de que Cristina Rodrigues, ex-deputada do PAN que chegou a ser eleita por Setúbal antes de se tornar assessora jurídica do Chega, seria candidata a deputada caiu como uma bomba. Nos corredores do partido já se assumia que Cristina Rodrigues, com a importância que tem adquirido no núcleo duro de André Ventura, pudesse integrar as listas, mas depois de Marta Trindade ter saído do terceiro lugar, havia a expectativa de que não viesse outro paraquedista — nome utilizado na política para quem concorre fora do círculo de onde é natural.

Ao Observador, fontes do Chega do Porto reconhecem que o nome de Cristina Rodrigues é “difícil de digerir“. Se há quem entenda que é uma “peça importante” para o partido e que isso levou André Ventura a colocá-la ali, também há quem não poupe nas palavras: “Se na altura da sua contratação disse que Cristina Rodrigues não vinha por questões ideológicas e que era apenas funcionária do partido, como se atreve agora a colocá-la como candidata a deputada e, ainda por cima, no Porto?”. “É uma provocação feita aos militantes do Porto”, atira outra fonte.

Muitos militantes e dirigentes do Chega ouvidos pelo Observador consideram as decisões de André Ventura erradas e lamentam o impacto que têm nas estruturas locais, onde há quem tenha sido relegado para terceiro, quarto ou quinto plano, longe das ambições que foram construindo ao longo dos últimos anos. Em Viana do Castelo, o facto de André Ventura ter optado por Eduardo Teixeira, ex-deputado do PSD, para encabeçar a lista, em detrimento das opções iniciais da distrital foi “muito complicado” de aceitar. “Foi um balde de água fria” para a distrital, aponta um elemento do Chega, sublinhando que houve “tensão” e uma “grande guerra” porque a lista estava pensada e pronta a entregar, nomeadamente com nomes da distrital.

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Sentimento idêntico surgiu na Guarda quando o nome de Nuno Simões de Melo, ex-conselheiro nacional da Iniciativa Liberal foi apresentado como cabeça de lista. Miguel Lourenço, vice-presidente da distrital, conta ao Observador que “no início não foi bem recebido“. Assume que lhe enviou uma mensagem a dizer que “não era bem-vindo” porque as pessoas queriam uma pessoa da Guarda e que conhecesse as problemáticas locais. Mas depois falou com pessoas ligadas ao exército e também com outros militantes do partido e corrigiu o tiro. “O partido cresceu e já não se coaduna com amadorismos. Mandei-lhe uma mensagem a dizer que contava com o meu apoio”, sublinha, assegurando que Simões de Melo está agora totalmente integrado.

O presidente da distrital, José Marques, reconhece que houve elementos da estrutura que “não ficaram satisfeitos” quando tiveram conhecimento do nome, em particular porque era alguém totalmente desconhecido, mas acabaram por aceitar, já que André Ventura pediu “confiança política na escolha” e nunca deu garantias de que seria alguém da região.

Em Vila Real não correu tão bem: André Ventura repetiu o nome de Manuela Tender, que já tinha sido cabeça de lista do Chega nas legislativas de 2022, e o nome custou a digerir a muita gente. Não se ficaram pelas reclamações e as estruturas locais, distrital e concelhias, decidiram enviar um comunicado para as redações a assumir a “discordância em absoluto” com a indicação de Tender. Ao Observador, um dirigente recorda que a forma como entrou há dois anos não agradou e muito menos a forma como saiu: “Apareceu para ser candidata e desapareceu, nunca deu qualquer contributo, nunca perguntou se era preciso alguma coisa.”

Na nota é recordado o facto de Manuela Tender ter sido “suspeita de ter presenças fantasma, em que, no mesmo dia, estava presente na reunião plenária da Assembleia da República e em reunião na Câmara de Chaves” e questiona-se sobre “como será possível ‘Limpar Portugal’ se os panos de limpeza já se encontram gastos e sujos“. “Já tinha sido candidata do Chega e não teve os resultados que queria”, acrescenta a fonte do partido.

Em Lisboa, com o cabeça de lista André Ventura incontestado, fazem-se contas aos lugares que podiam ter sido ocupados por uns e não por quem lá está e fala-se em “saneamento“. Um conselheiro nacional deste círculo considera que “não houve sensibilidade” na elaboração das listas, nem sequer “maturidade política“, acusando a distrital de Lisboa de ter tido nas mãos esta missão — porém sabe-se que André Ventura dificilmente deixaria nas mãos de outros grande parte dos lugares do maior círculo eleitoral do país.

“Se houvesse sensibilidade, fazia-se como Pedro Nuno Santos fez no PS ao abrir espaço para que a percentagem que José Luís Carneiro teve fosse colocada em listas e órgãos”, defende ao Observador uma fonte do distrito, que realça o facto de ter havido uma convergência nas listas à convenção e desta ter sido rapidamente afastada destas coisas.

E em Leiria há quem até já tenha saído do partido depois da entrega das listas e o Observador sabe que há outros militantes a ponderar o mesmo caminho. Rui Pedro Silveira, que já foi dirigente local, conta que entregou a carta de desfiliação depois de conhecer os nomes que vão integrar as listas. Tal como outros dirigentes e autarcas ouvidos pelo Observador, não se revê na posição do partido, sendo que o problema ali não é o cabeça de lista Gabriel Mithá Ribeiro, mas sim os nomes que se seguem, com destaque para Luís Paulo Fernandes.

Os dirigentes ouvidos pelo Observador reportam um “descontentamento enorme” nas bases do partido por se considerar que a lista tem pessoas “muito limitadas” e que podem dar um “contributo muito limitado” na Assembleia da República. “É uma lista da distrital, de um presidente que se autonomeou como número dois e isso foi visto com maus olhos”, defende um outro militante do Chega, que antecipa a saída de mais pessoas, pelo menos tendo em conta a “contestação que se vai vendo nos grupos do partido”.

Outra das lutas internas está em Santarém e já não é de agora. Pedro Santos Frazão é novamente o cabeça de lista por aquele círculo, mas há muito que a distrital e o deputado estão incompatibilizados e a escolha de nomes contribui sempre para o agravar da situação. Fonte das estrutura local defende que Frazão não é nem seria a escolha para o lugar número um, já que a “relação entre deputado e estruturas não tem funcionado”, havendo até acusações de que “o trabalho no campo não tem existido”.

A escolha dos candidatos para eleições nunca é tema fácil dentro dos partidos, é quase sempre motivo de rutura e contestação interna, até no Chega, em que André Ventura obteve um resultado perto dos 99% há menos de um mês, quando foi reeleito presidente do partido. Ao que tudo indica a bancada do Chega vai crescer, mas, claramente, as ambições eram mais largas do que os lugares disponíveis.