Já foram publicados no Portal Base pelo menos 22 contratos públicos, que totalizam um gasto superior a 13 milhões de euros, relacionados com a organização da Jornada Mundial da Juventude (JMJ 2023), que se vai realizar na região da Grande Lisboa entre os dias 1 e 6 de agosto deste ano. Confrontado com o custo do altar-palco — o contrato aponta para um investimento total de mais de cinco milhões de euros —, o Presidente da República já veio avisar que vai querer ouvir as “explicações” das entidades públicas envolvidas na preparação do evento. “Quem está a preparar esses projetos tem de dar a razão de ser desses projetos”, sinalizou Marcelo.
As mais de duas dezenas de contratos públicos consultadas pelo Observador no Portal Base mostram que a esmagadora maioria do dinheiro está a ser investido nas obras no Parque Tejo-Trancão: o enorme terreno com quase 100 hectares à beira Tejo, junto à foz do rio Trancão, que abarca os concelhos de Lisboa e de Loures e que vai acolher os pontos altos do evento — as celebrações finais com o Papa Francisco e com a participação esperada de cerca de 1,5 milhões de jovens de todo o mundo.
De entre as obras que estão a ser realizadas naquele parque, destaca-se a construção do enorme altar-palco onde o Papa Francisco vai presidir às celebrações. O custo daquela estrutura, com cinco mil metros quadrados de área, deverá ficar acima dos cinco milhões de euros — mas a Câmara de Lisboa garante que é um investimento que ficará para a cidade, uma vez que o recinto será usado no futuro para outros grandes eventos.
Além destes gastos com o terreno onde vão decorrer as últimas 48 horas do evento de uma semana, as câmaras de Lisboa e de Loures também têm investido em campanhas de sensibilização e na contratação de assessores especializados para colaborarem na JMJ 2023, que está a ser anunciada pela organização como um dos maiores eventos alguma vez realizados em Portugal.
A realização da JMJ 2023 em Lisboa foi anunciada em 2019 na última edição da JMJ, que decorreu na Cidade do Panamá, depois de o Patriarcado de Lisboa ter apresentado uma candidatura para ser o anfitrião da edição seguinte do evento — uma tradição da Igreja Católica inaugurada pelo Papa João Paulo II na década de 1980 e que se tem repetido a cada três anos em diferentes cidades do mundo.
Durante a semana em que se realiza a JMJ 2023, vão realizar-se na cidade de Lisboa e em vários outros lugares da área metropolitana dezenas de eventos paralelos, incluindo concertos, conferências, exposições e celebrações religiosas. O evento será inaugurado no dia 1 de agosto, com uma celebração de abertura que deverá ser presidida pelo cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente — e o Parque Eduardo VII tem sido apontado como a localização mais provável para esse e outros eventos com a presença de grandes multidões, à exceção das celebrações de encerramento.
Já o Papa Francisco é esperado no evento entre os dias 3 e 6 de agosto. Nesses dias, deverá participar em múltiplas celebrações com os jovens, realizar visitas a instituições e deslocar-se ao Santuário de Fátima. Nos dias 5 e 6 de agosto, o Papa Francisco preside às celebrações finais: uma vigília noturna e uma missa de encerramento, que serão realizadas no Parque Tejo-Trancão, um espaço que está a ser preparado para a possibilidade de acolher 1,5 milhões de jovens.
7500000 €
Cerca de 7,5 milhões de euros vão ser gastos na reabilitação do terreno do Parque Tejo-Trancão, de acordo com contratos públicos conhecidos até agora.
5500000 €
Perto de 5,5 milhões de euros é o valor que poderá custar o altar-palco em que o Papa Francisco vai presidir às celebrações, somando os vários contratos relacionados com o projeto.
350000000 €
O Governo estima que a JMJ 2023 vai trazer a Portugal um retorno económico de cerca de 350 milhões de euros devido aos visitantes que o evento vai atrair a Lisboa.
Obras no Parque Tejo-Trancão são o maior gasto
As enormes missas campais no final da semana da JMJ já se tornaram um dos símbolos principais daquele que é o maior evento da Igreja Católica a nível mundial. Cenários como o do aeródromo de Cuatro Vientos (Madrid), com mais de um milhão de jovens na edição de 2011, ou o da praia de Copacabana (Rio de Janeiro), sem um único grão de areia visível durante a missa do Papa Francisco, em 2013, transformaram-se em ícones do evento que este ano chega à capital portuguesa.
Para a edição de Lisboa, o lugar escolhido para o momento alto foi o grande descampado de ambas as margens do rio Trancão, que divide os concelhos de Loures e Lisboa, junto à Ponte Vasco da Gama. Até agora, aquela região era um grande aterro sanitário, mas a realização da JMJ 2023 foi o pretexto para que se realizassem profundas obras de requalificação daquela zona e para a transformar num enorme parque verde que ficará ao dispor da cidade no futuro.
Os trabalhos, que decorrem desde o ano passado, estão a ser repartidos entre as câmaras de Loures e de Lisboa, uma vez que o terreno atravessa os dois concelhos — e, de acordo com os contratos públicos disponíveis no Portal Base consultados pelo Observador, já ali foram gastos mais de sete milhões de euros.
Do lado do concelho de Lisboa, é a empresa municipal Lisboa Ocidental, SRU — Sociedade de Reabilitação Urbana que está a conduzir a obra. Mas, ainda antes de adjudicar a intervenção propriamente dita, a SRU levou a cabo uma série de estudos para a preparação do terreno.
Ainda em março de 2021, a SRU adjudicou à empresa Geoide — Geosystema, S.A. a execução de um levantamento topográfico do terreno, com vista à preparação do projeto de requalificação. Esse projeto, adjudicado após uma consulta prévia a diferentes empresas, custou aos cofres da Câmara de Lisboa 14.427 euros.
No mês seguinte, a empresa municipal contratou a GreenTool, Lda. por ajuste direto para realizar uma “caracterização da situação ambiental e geotécnica” e um “estudo de soluções técnicas de intervenção no aterro sanitário de Beirolas”, por 293.952 euros.
Seguiu-se, em agosto de 2021, um contrato com o LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil) para a realização de um “parecer de estabilidade e fundação para intervenção no aterro sanitário de Beirolas”, que custou à câmara municipal 19.800 euros.
Já no ano de 2022 começaram os trabalhos propriamente ditos. Em abril de 2022, a SRU contratou a empresa de consultoria GEOINT para realizar a “instrumentação e monitorização do aterro de pré-carga no âmbito da reabilitação do aterro sanitário”, um contrato realizado após uma consulta prévia e que totalizou um custo de 50.190 euros.
No mesmo mês, a empresa municipal adjudicou à construtora Oliveiras, S.A., a realização da obra de requalificação do aterro sanitário propriamente dito. Trata-se do maior contrato público realizado até agora no âmbito das obras no Parque Tejo-Trancão: quase sete milhões de euros para reabilitar o parque onde cerca de 1,5 milhões de jovens vão assistir às celebrações finais da JMJ 2023 com o Papa Francisco. Concretamente, o contrato público refere-se à “conceção-construção da reabilitação do aterro sanitário de Beirolas no âmbito do Parque Intermunicipal Tejo-Trancão” e o valor do contrato, realizado na sequência de um concurso público (a que concorreram seis entidades diferentes), foi de 6.997.327,95 euros (mais IVA).
Já com a obra em andamento, em junho de 2022, a SRU contratou novamente o LNEC para realizar o “controlo da construção e acompanhamento da observação do aterro de pré-carga” no terreno, por 19.800 euros.
Em dezembro de 2022, surge um novo contrato por ajuste direto com a consultora GEOINT, novamente visando a “instrumentação e monitorização do aterro sanitário de Beirolas”, desta vez no valor de 34.656 euros. Um mês depois, já em janeiro de 2023, a empresa municipal celebrou outro contrato por ajuste direto, desta vez com a consultora PROCAF, com vista à “elaboração de projeto de execução de instalações elétricas e telecomunicações do Parque Tejo-Trancão”, serviço que custou aos cofres da autarquia lisboeta 24.300 euros.
Enquanto a SRU ia realizando estas despesas com o avanço das obras na margem sul do rio Trancão — a parte correspondente ao concelho de Lisboa —, a câmara municipal de Loures ia fazendo outros contratos públicos associados às obras na margem norte do Trancão, que se situa naquele concelho.
Por exemplo, em maio de 2022, a câmara de Loures contratou a SeaMap, Lda. por ajuste direto para realizar um “levantamento topográfico com recurso a GPS e drone” do terreno. O serviço custou à autarquia de Loures um total de 12.250 euros. Em outubro do mesmo ano, a autarquia recorreu aos serviços da Rio Plano — Arquitectura Paisagística, Lda. para a realização de um “estudo prévio, projeto de execução e assistência técnica à obra, para reabilitação de terrenos para acolhimento do evento temporário Jornada Mundial da Juventude 2023”, um contrato que totalizou 22.000 euros.
A câmara de Loures também contratou a consultora GEOALGAR, em dezembro de 2012, por ajuste direto, para a realização de um “relatório geológico-geotécnico para pontões e acessos à Ponte Militar em Sacavém” — uma ponte que será instalada no período da JMJ 2023 para permitir a circulação de peregrinos entre as duas margens do rio Trancão e também para facilitar a deslocação do papamóvel no terreno inteiro. Este serviço custou à câmara de Loures 7.220 euros.
Somando estes onze contratos públicos, conclui-se que a Câmara de Lisboa, por via da SRU, já investiu perto de 7,5 milhões de euros na reabilitação do terreno, enquanto a câmara de Loures já gastou 41.470 euros. Mas estes 7,5 milhões de euros gastos no terreno ainda não incluem a jóia da coroa daquela obra: o enorme altar-palco onde o Papa Francisco vai presidir às celebrações finais da JMJ 2023.
Cinco milhões para o palco que vai receber “os maiores eventos do mundo”
No centro do novo Parque Intermunicipal Tejo-Trancão será erguido um enorme altar-palco, com uma área de cinco mil metros quadrados e cuja base estará a nove metros de altura, para o Papa Francisco poder ser visto a partir de todos os cantos do enorme recinto onde são esperados 1,5 milhões de jovens.
Só em relação a este palco, já foram celebrados pelo menos quatro contratos públicos — e o custo total da estrutura poderá ficar acima dos cinco milhões de euros.
Em dezembro de 2022, a SRU contratou por ajuste direto a empresa Talprojeto — Projetos, Estudos e Serviços de Engenharia, Lda. para realizar o “projeto de estruturas e fundações do altar-palco, e áreas de apoio integradas, para o Parque Tejo-Trancão”, por um total de 96.000 euros.
No mesmo mês, a empresa municipal adjudicou, também por ajuste direto, a “empreitada de execução das fundamentações indiretas da cobertura do altar-palco” à construtora Oliveiras, S.A. — a mesma empresa que já estava responsável pela obra de requalificação do parque — por mais de um milhão de euros: 1.063.937,62 euros, mais concretamente.
Já em janeiro deste ano, a SRU adjudicou — novamente por ajuste direto — a construção do altar-palco propriamente dita à construtora Mota-Engil. A “empreitada de construção do Altar-Palco no Parque Tejo-Trancão” vai custar 4.240.000 euros aos cofres da câmara municipal de Lisboa.
Poucos dias depois de ser adjudicado o contrato para a construção do palco, a empresa municipal fez um novo contrato público envolvendo o altar-palco, recorrendo aos serviços da Action Modulers Consulting & Technology, Lda. para a realização do “Plano de Segurança do evento no Parque Tejo-Trancão e do Projeto de Segurança Contra Incêndios do Altar-Palco”. Este contrato custou 87.570 euros à autarquia.
No total, estes quatro contratos públicos representam uma despesa de cerca de 5,5 milhões de euros.
A grande maioria dos contratos públicos realizados com vista à preparação do terreno onde vão decorrer as grandes celebrações públicas da JMJ 2023 foi feita por ajuste direto — mesmo os contratos de empreitada cujo valor supera largamente os 30 mil euros que são, de acordo com o Código dos Contratos Públicos, o limite para o recurso à figura do ajuste direto e que, por isso, deveriam ser sujeitos a concursos públicos.
Todavia, não se trata de uma ilegalidade — e o recurso ao ajuste direto também não se explica pelos critérios de exceção previstos pela lei (como a existência de concursos públicos desertos ou os motivos de urgência imperiosa, por exemplo).
Com efeito, o Orçamento do Estado para 2023 inclui um artigo específico para a “formação de contratos no âmbito da Jornada Mundial da Juventude”, que permite às entidades públicas a realização de contratos por ajuste direto em empreitadas públicas relacionadas com a “organização, programação, conceção e implementação da Jornada Mundial da Juventude” e cujo valor fique abaixo dos 5,35 milhões de euros. A exceção à lei também dispensa estes contratos públicos da fiscalização prévia pelo Tribunal de Contas.
Ainda assim, esta terça-feira, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, já veio dizer que quer conhecer a “razão de ser” dos custos do palco onde o Papa Francisco vai celebrar. “Quem está a preparar esses projetos tem de dar a razão de ser desses projetos”, disse Marcelo aos jornalistas, explicando que ouvir as “explicações” sobre a “intervenção das entidades públicas” e sobre o financiamento do projeto antes de se pronunciar. “Por aquilo que percebi, [os cinco milhões de euros de custo previsto para a construção do palco] apenas é o custo de uma das componentes”, disse ainda Marcelo, salientando que quer conhecer os “custos totais” do evento.
Na segunda-feira, depois de o Observador ter publicado uma notícia dando conta dos 4,2 milhões de euros (sem IVA) que custou a adjudicação da empreitada de construção do palco, a empresa municipal SRU, da Câmara de Lisboa, reagiu ao artigo explicando os gastos com a “complexidade” da obra.
“O Palco do Parque Tejo, onde estará instalado o altar, vai ter capacidade para acolher num mesmo momento até 2.500 pessoas que farão parte dos eventos que vão acontecer a 5 e 6 de Agosto no Parque Tejo. Entre orquestra, coros, e concelebrantes, este palco multiusos vai ser elevado a nove metros do chão, com uma cobertura metálica que permite que o altar seja visto o mais longe possível, já que são esperados cerca de um milhão e meio de participantes nos quase 100 hectares de terreno do Parque entre Lisboa e Loures. Além do encontro com o Papa, vários concertos e representações vão acontecer neste palco nessas 48 horas”, afirmou a empresa municipal.
A SRU também salientou que “não há comparação possível entre o altar onde o Papa Bento XVI celebrou uma missa em 2010 em Lisboa e o palco do Parque Tejo” — o palco de 2010 custou menos de 300 mil euros.
“Em primeiro lugar, a Jornada Mundial da Juventude é um evento de uma magnitude não comparável à de uma visita Papal. Para termos uma ideia da escala, o Parque da Bela Vista tem capacidade para acolher 90 mil pessoas, e o Parque Tejo vai receber mais de 1 milhão de jovens, o que significa que estamos a falar de 15 vezes a capacidade de um Rock in Rio, e este palco será visível de grande parte do terreno”, afirmou a autarquia.
“Em segundo lugar, o altar onde Bento XVI celebrou uma Missa em 2010 foi usado durante poucas horas, apenas para a celebração da Missa e tinha pouco mais de 200 m2, enquanto que o palco do parque Tejo ocupará uma área de 5.000 m2”, acrescentou.
O presidente do Conselho de Administração da SRU, António Lamas, citado naquele comunicado da empresa municipal, defendeu que “a complexidade desta obra não é comparável a nada que tenha sido feito em Portugal”.
“Os custos de construção atuais não podem ser comparáveis aos de 2010, quer pela dimensão, quer pelo custo unitário em 2023. As fundações da cobertura do palco têm de ser capazes de aguentar com os ventos fortes que se fazem sentir na zona e garantir a segurança da estrutura. Nunca foi organizado um evento com esta dimensão e complexidade em Portugal”, disse ainda Lamas.
A empresa municipal defendeu ainda que “a obra do palco ficará para a cidade e será de fruição dos lisboetas após a JMJ” e que “a cobertura do palco manter-se-á e será rebaixada para poder ser usada em múltiplos eventos que passem a ter por palco o Parque Tejo, que servirá para acolher os maiores eventos do mundo ao ar livre”.
Esta terça-feira, o Observador enviou um novo conjunto de perguntas à SRU, incluindo sobre o custo total do altar-palco e sobre quais os eventos futuros que já é expectável acolher naquele espaço depois da JMJ. O Observador pediu também à SRU explicações sobre se a existência de vários contratos adjudicados a diferentes empresas e que incidem (ainda que em diferentes momentos e tipos de intervenção da obra) sobre a construção do altar-palco. Além disso, o Observador pediu à SRU para consultar o orçamento detalhado e os projetos e maquetes do palco que será construído com aqueles valores. Porém, até ao final da tarde desta terça-feira, a SRU ainda não tinha respondido às questões.
Governo acredita que JMJ 2023 vai trazer retorno económico
Além dos gastos com as obras de requalificação do Parque Tejo-Trancão, as câmaras municipais de Lisboa e Loures fizeram vários outros contratos públicos nos últimos meses relacionados com a JMJ 2023. Muitos serviram para contratar os serviços de assessores e técnicos especializados para serviços concretos relacionados com o evento.
A Câmara de Lisboa, por exemplo, contratou um coordenador global para a unidade de missão, um assessor do coordenador global, um assessor financeiro, um assessor de comunicação e um assessor para os eventos desportivos e ação multidisciplinar. No total, estes cinco contratos totalizam um gasto superior a 173 mil euros ao longo dos próximos meses.
A câmara de Loures, por seu turno, contratou um assessor para apoiar os trabalhos de engenharia e a implementação de “projetos de intervenção comunitária” relacionados com a JMJ 2023 por 72 mil euros, além de ter também investido perto de 10 mil euros numa obra de construção de um ramal na Bobadela, intervenção também relacionada com o uso daquela zona para a JMJ 2023.
Estes gastos serão apenas uma pequena parcela do custo total da JMJ 2023, que o Observador já estimou em cerca de 80 milhões de euros, juntando todos os intervenientes e todos os aspetos do evento. A Câmara de Lisboa já se comprometeu com um investimento total até 35 milhões de euros no evento, enquanto o Governo assumirá um compromisso financeiro de 36,5 milhões de euros. Por seu turno, a câmara de Loures já aprovou um investimento de até nove milhões de euros. Contudo, o Governo estima que o evento vai trazer a Portugal um retorno económico em torno dos 350 milhões de euros devido aos milhões de visitantes que a vinda do Papa vai atrair à capital portuguesa.