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Todos os dias fazemos-lhe um resumo do que se está a passar na campanha eleitoral nos Estados Unidos: as principais histórias do dia, as frases descodificadas, fact checks e recomendações de leitura para estar sempre bem informado até à eleição do próximo Presidente.
O que se passa na campanha
De um lado, o New York Post; do outro, a CNN. Enquanto a audição da juíza Amy Coney Barrett no Senado vai marcando os dias políticos nos Estados Unidos, a comunicação social norte-americana deu, esta quarta-feira, armas novas aos dois candidatos.
1Os e-mails do New York Post
Primeiro foi o New York Post, que, logo pela manhã, revelou emails de Hunter Biden, filho do candidato democrata Joe Biden, que supostamente provariam que Hunter teria apresentado o seu pai — na altura em que ele era vice-Presidente dos EUA — a um empresário ucraniano, membro do conselho de administração da empresa energética Burisma. Porque é que há aqui uma polémica? Porque Hunter Biden trabalhava nessa empresa na altura em que o pai era vice-Presidente dos EUA e supervisionava a política norte-americana na Ucrânia (tendo inclusivamente oferecido um pacote de ajuda económica ao país para a produção de gás). Todo este caso estaria, mais tarde, na origem do processo de impeachment contra Trump, depois de surgirem suspeitas de que o Presidente dos EUA tinha pressionado a Ucrânia a investigar o filho de Biden. Na noite de quarta-feira, Trump já trazia a notícia do New York Post pronta para atacar a “família corrupta” do seu oponente, num comício num aeroporto em Des Moines, no estado do Iowa. Mas o artigo tem contornos controversos e já levou o Twitter e o Facebook a bloquearem, numa ação sem precedentes, a possibilidade de a ligação ser partilhada nas redes (decisão que os republicanos consideram ser uma forma de proteger a campanha de Biden).
2O banco egípcio
Já à noite foi a vez da CNN, que noticiou que a justiça norte-americana investigou, durante três anos, a possibilidade de um banco estatal egípcio ter financiado em vários milhões de dólares a campanha presidencial de Donald Trump em 2016. De acordo com a notícia, a investigação foi feita de forma absolutamente secreta pelo procurador especial Robert Mueller (que investigou as ligações de Trump à Rússia) e até envolveu o encerramento de um piso inteiro de um tribunal de Washington para que os documentos pudessem ser analisados com todo o secretismo. A investigação acabaria sem qualquer acusação uma vez que, acrescenta a CNN, os procuradores nunca conseguiram provar a ligação que suspeitavam existir entre a campanha de Trump e o banco estatal egípcio.
3A audição de Amy Coney Barrett
Contudo, é no Senado que a discussão política norte-americana se tem centrado durante esta semana. É no Supremo Tribunal dos Estados Unidos que se joga a interpretação constitucional e que se decidem muitos dos temas que mais dividem a sociedade norte-americana — da posse de armas ao aborto, da política de saúde aos direitos das minorias. Não é, por isso, estranho que a nomeação dos juízes para a mais alta instância judicial do país seja uma das prioridades eleitorais de qualquer candidato ou Presidente, democrata ou republicano. A morte da juíza Ruth Bader Ginsburg (uma das quatro progressistas num tribunal de nove juízes com maioria conservadora) em 18 de setembro deixou uma vaga aberta, cujo preenchimento Donald Trump não hesitou em transformar num dos campos de batalha fundamentais da campanha eleitoral, a um mês das eleições.
É na sucessão de Bader Ginsburg que se está agora a jogar a capacidade de Trump para segurar o eleitorado conservador. No final de setembro, o Presidente anunciou a escolha da conservadora Amy Coney Barrett, alargando a maioria conservadora no Supremo, com seis juízes contra três progressistas. Coney Barrett está, durante esta semana, a ser ouvida pelo Senado norte-americano, como parte do habitual processo de confirmação dos juízes que compõem o tribunal. Com uma maioria republicana no Senado, a escolha de Trump está praticamente assegurada antes das eleições. Isto significa que, na prática, a audição de Coney Barrett no Senado é mais um debate de campanha do que uma sessão de confirmação propriamente dita. Depois do cancelamento do debate entre Donald Trump e Joe Biden que estava agendado para esta quinta-feira, as atenções estão por estes dias viradas para o Comité de Assuntos Judiciais do Senado, onde se esgrimem argumentos de parte a parte durante as questões à juíza.
Na terça-feira, dia 2 da audição, a juíza tinha assegurado que não seria um “peão” usado por Trump para decidir a eleição, por exemplo se a contagem de votos fosse tão renhida que pudesse ser levada ao Supremo, como aconteceu quando George W. Bush e Al Gore se defrontaram. “Espero que os membros deste comité tenham mais confiança na minha integridade do que achar que eu me permitiria ser usada como um peão para decidir esta eleição pelo povo americano.”
A outra forma de Trump poder usar politicamente a nomeação da juíza seria como forma de mobilização do seu eleitorado. E isso é precisamente o que está a acontecer esta semana, com a audição da juíza perante o Senado a tornar-se no principal acontecimento da campanha eleitoral. De um lado, os senadores democratas têm tentado usar o tempo de que dispõem para questionar a juíza para tentar desmontar argumentos de Trump; do outro, os republicanos procuram enfatizar como Coney Barrett é a escolha certa para aumentar o peso do pensamento conservador nas decisões relativas aos temas mais fraturantes ao longo dos próximos anos, ao mesmo tempo que têm sublinhado repetidas vezes o facto de Trump ter escolhido uma mulher para o cargo. Aos 48 anos — e com o mandato no Supremo a poder prolongar-se de modo vitalício —, Amy Coney Barrett é uma garantia de conservadorismo no rumo dos EUA durante muito tempo.
Isso ficou evidente na abertura do terceiro dia de audição, esta quarta-feira, quando o senador republicano Lindsey Graham, que preside ao comité, arrancou a sessão com rasgados elogios à juíza. “É a primeira vez na história americana que nomeamos uma mulher que não tem vergonha de ser pró-vida e abraça a sua fé sem pedir desculpa. E ela vai para o tribunal”, disse Graham, colocando logo em cima da mesa a já conhecida posição anti-aborto da juíza — um dos assuntos que mais dividem o eleitorado norte-americano.
No sentido inverso, os democratas têm procurado atacar, através da juíza, os posicionamentos de Donald Trump. Foi o que aconteceu com outro dos temas quentes, as alterações climáticas. “Acho que não tenho competências para opinar sobre o que causa ou não o aquecimento global”, disse a juíza, quando o senador democrata Richard Blumenthal lhe perguntou se acredita que a atividade humana é responsável pelo aquecimento do planeta. “Não acho que as minhas opiniões sobre o aquecimento global ou as alterações climáticas sejam relevantes para o trabalho que terei de fazer enquanto juíza, nem acredito que tenha opiniões suficientemente informadas, nem estudei os dados científicos. Não estou numa posição de dar qualquer opinião informada sobre o que causa o aquecimento global”, acrescentou perante a insistência do senador. Quando Blumenthal lhe perguntou se concordava com a opinião de Trump sobre o tema, respondeu: “Não sei se vi o Presidente expressar-se sobre as alterações climáticas”.
A audição de quarta-feira ficou marcada, sobretudo, pela frequência com que a juíza recorreu a respostas evasivas para fugir às perguntas colocadas pelos democratas a propósito das atitudes de Donald Trump contra o estado de direito e o próprio sistema de justiça. O senador democrata Patrick Leahy foi um dos que tentaram de forma mais insistente escrutinar a legalidade de algumas ações do Presidente através da juíza que ele próprio escolheu, mas sem sucesso. Leahy lembrou as declarações de Trump em 2018, durante as investigações às suspeitas de interferência russa nas eleições de 2016, quando o Presidente dos EUA afirmou que tinha “o direito absoluto” de conceder a si próprio um perdão presidencial.
“Concorda que ninguém está acima da lei?”, perguntou o senador. A juíza concordou e repetiu a frase. Mas, quando o senador a questionou sobre a possibilidade de um auto-perdão presidencial — que entraria em contradição direta com a ideia de ninguém estar acima da lei —, Coney Barrett fugiu à pergunta: “A questão pode ou não colocar-se, mas exigiria uma análise legislativa sobre qual é o âmbito do poder de perdão”. Foi com este argumento — o de que não se pode pronunciar sobre questões hipotéticas — que Coney Barrett fugiu a praticamente todas as questões quentes: sobre a reversão das políticas de saúde de Barack Obama (o Obamacare), sobre a separação de famílias de migrantes, sobre o aborto ou sobre os direitos das minorias.
Com a aprovação praticamente garantida, Amy Coney Barrett já deverá estar no seu lugar de juíza do Supremo Tribunal dos EUA quando der entrada, em novembro, um processo movido pelo Partido Republicano para reverter o Obamacare e até para resolver eventuais disputas eleitorais relativas à eleição que ocorre dentro de três semanas. Resta saber se a maioria de 6 contra 3 de conservadores no Supremo é uma garantia de que as decisões vão nesse sentido — já que nem sempre foi assim no passado recente.
4 A polémica das urnas na Califórnia
Entretanto, na Califórnia, estalou a polémica com o Partido Republicano e a recolha ilegal de boletins de voto — e Trump já fez um tweet sobre o assunto. A história conta-se rapidamente: na Califórnia, estado onde o voto antecipado por correio tem uma grande importância (e ainda maior neste ano devido à pandemia), é legal a recolha de votos por terceiros, desde que o eleitor autorize essa recolha formalmente. Isso aconteceu nas últimas eleições com o Partido Democrata, que destacou voluntários para recolher boletins de eleitores que recorreram a esse serviço preparado pelo partido.
Este ano, o estado da Califórnia reforçou a instalação de urnas para a entrega antecipada dos boletins de voto, em locais como escolas, serviços públicos ou supermercados. O Partido Republicano, por seu turno, decidiu instalar por todo o estado um conjunto de urnas não-oficiais para a recolha de votos, que depois se comprometeria a entregar nos pontos de recolha oficial, alargando assim o número de locais onde os eleitores podem entregar os votos. Estas urnas apareceram em lugares tradicionalmente conservadores, incluindo lojas de armas e igrejas, e foram vistas como uma forma de encorajar a participação dos republicanos.
O procurador-geral da Califórnia, o democrata Xavier Becerra, avisou o Partido Republicano de que a instalação das urnas é ilegal — e que se não forem retiradas o partido poderá ser acusado de fraude eleitoral, uma vez que a recolha não inclui a autorização formal do eleitor. Mas, a julgar pelo Twitter, Donald Trump não parece estar muito preocupado. “Quer dizer que só os democratas é que podem fazer isto? Mas os democratas não andam a fazer isto há anos? Vemo-nos em tribunal. Lutem com força, republicanos!” É preciso esperar pelos próximos dias para perceber se a campanha de Trump acaba mesmo em tribunal.
Nas entrelinhas
“São um grande estado para mim. Têm uma influência tremenda e um poder tremendo e nunca me deixaram ficar mal.”
— Donald Trump, num comício em Des Moines, Iowa, na quarta-feira
Porque é que Donald Trump disse esta frase no terceiro comício que faz em três dias, depois da pausa na campanha motivada pela infeção com o coronavírus? Com um discurso rico em elogios ao Iowa, Trump procurou segurar a base de apoio que em 2016 o fez ganhar aquele estado. Atrás de Joe Biden em quase todas as sondagens e a ter de recorrer a todos os meios — até governamentais — que tem à disposição para fazer campanha, o Presidente está a tentar garantir o resultado que o fez ganhar a Hillary Clinton.
O Presidente esteve na cidade de Des Moines, no estado do Iowa, para um comício de uma hora e meia na pista do aeroporto e sublinhou repetidamente a importância do Iowa para a sua vitória. Em 2016, Trump ganhou aquele estado com 51,1% dos votos, contra 41,7% de Hillary Clinton, garantindo a totalidade dos seis assentos no Colégio Eleitoral que cabem ao Iowa. Em 2012, o estado tinha sido ganho por Obama.
Devido à forma como funciona o sistema eleitoral norte-americano, é neste tipo de vitórias que os candidatos têm de se concentrar: uma vitória por uma curta margem num estado em que tenham possibilidade de ganhar e que lhes garanta a totalidade dos lugares do Colégio Eleitoral atribuídos ao estado. De acordo com as sondagens mais recentes, Trump tem liderado — ainda que numa luta muitíssimo renhida — as intenções de voto no Iowa.
Fact-check
Trump devolveu os empregos aos mineiros de carvão?
Num comício na Pensilvânia, na terça-feira — o segundo depois do regresso do hospital, Donald Trump disse aos seus apoiantes que, durante o seu mandato, tinha reanimado a indústria da mineração de carvão. “Estamos a pôr os nossos grandes mineiros de carvão a trabalhar outra vez”, disse o Presidente dos EUA. Com efeito, durante o mandato de Barack Obama, a implementação de uma série de políticas ambientais direcionadas para a transição energética levaram a uma queda do número de funcionários da indústria do carvão — chegaram a ser perto de 90 mil, mas estavam ligeiramente acima dos 50 mil no final do mandato de Obama.
Trump prometeu, através da reversão de políticas ambientais (como o fim da proibição de mineração de carvão em terreno federal), trazer de volta a indústria do carvão. Porém, de acordo com dados do Politifact (membro da International Fact-Checking Network, IFCN, uma plataforma de fact checkers de que o Observador também faz parte), o número de trabalhadores daquela indústria manteve-se estável ao longo do mandato de Trump — e, durante a pandemia, caiu um pouco mais. Atualmente, há menos 6.400 trabalhadores na indústria do carvão do que quando Trump tomou posse.
Conclusão: errado. Ainda que tenha estabilizado o número de trabalhadores da indústria do carvão (pelo menos até ao início da pandemia), é errado que Trump tenha recuperado os empregos dos mineiros de carvão durante o seu mandato.
Não é constitucional nomear uma juíza para o Supremo antes das eleições, como disse Biden?
Em declarações aos jornalistas no último fim-de-semana, o candidato democrata, Joe Biden, afirmou aos jornalistas que o que os republicanos estão a fazer — nomear uma juíza conservadora para o Supremo Tribunal a poucas semanas das eleições — “não é constitucional”. Contudo, a dúvida desfaz-se rapidamente. Como escreve o Politifact, tal não é verdade: nada na Constituição norte-americana limita a possibilidade de os juízes do Supremo Tribunal serem nomeados nos dias que antecedem as eleições.
De acordo com vários constitucionalistas norte-americanos, a decisão é puramente política — e não legal. Do ponto de vista ético, a ação pode ser questionável, sobretudo porque em 2016 o partido teve a posição oposta. Na altura, a alguns meses das eleições presidenciais, o Senado (controlado pelos republicanos) adiou a decisão sobre a nomeação do substituto do falecido juiz Antonin Scalia — lugar para o qual Obama queria nomear Merrick Garland —, argumentando que a decisão só deveria ser tomada sob um novo Presidente. Foi o que aconteceu, com Trump a nomear juízes para fortalecer a maioria conservadora do tribunal. Agora, o mesmo Senado controlado pelos republicanos apressou-se a nomear a juíza antes das novas eleições.
Conclusão: errado. Ainda que questionável à luz do que aconteceu com os mesmos protagonistas políticos em 2016, a verdade é que nada na Constituição impede a nomeação da juíza Amy Coney Barrett a poucas semanas das eleições. Por isso, as declarações de Joe Biden são erradas.
A foto
A opinião
No seu editorial de quarta-feira, o The Washington Post defende que a audição da juíza Amy Coney Barrett, na verdade, não se foca propriamente na juíza — e defende que, entrando no Supremo Tribunal, a juíza devia abster-se de participar em qualquer decisão relativa ao atual processo eleitoral:
“Just as Judge Barrett cannot ignore the political context in which she has been nominated while she seeks confirmation, she must also keep it front of mind if she joins the high court. President Trump has repeatedly stated that he is counting on the court, with Judge Barrett on it, to deliver him favorable rulings related to the coming presidential election. For the good of the court — and for her own sake — she cannot make it look as though she is the last piece of his plan to undermine the vote. The right choice is recusal on any matter relating to the 2020 race.”
Da Califórnia, o estado mais populoso dos EUA, chega uma crítica ao próprio sistema eleitoral norte-americano, que em 2016 fez Donald Trump ganhar a Hillary Clinton mesmo tendo a democrata recolhido mais votos entre os cidadãos. No The New York Times, Farhad Manjoo escreve que os californianos estão fartos de serem ignorados nos processos democráticos norte-americanos:
“Like more than 100 million other Americans, I live in one of the dozens of states that do not really matter in determining the makeup of our national government. Because I’m in California, the country’s most populous state and its biggest economy, my vote in The Most Important Presidential Election of Our Lifetime is hardly worth the paper it’s printed on.
The roots of my despair are well known. There is the Senate, which gives all states equal representation regardless of population, so voters in Wyoming, the least populous state, effectively enjoy almost 70 times more voting power than us chopped-liver Californians. And there is the winner-takes-all Electoral College, in which a tiny margin of victory pays off, with the whole pot of electoral votes going to the winner. This means that millions of presidential votes, from both Republicans and Democrats, are effectively wasted — all the votes cast for the loser in each state and all the excess ones cast for the winner.”