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José Sócrates foi acusado de 31 crimes pelo Ministério Público em outubro de 2017, pronunciado para julgamento por seis crimes em abril de 2021 e tem conseguido impedir o julgamento com sucessivos recursos e incidentes processuais
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José Sócrates foi acusado de 31 crimes pelo Ministério Público em outubro de 2017, pronunciado para julgamento por seis crimes em abril de 2021 e tem conseguido impedir o julgamento com sucessivos recursos e incidentes processuais

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

José Sócrates foi acusado de 31 crimes pelo Ministério Público em outubro de 2017, pronunciado para julgamento por seis crimes em abril de 2021 e tem conseguido impedir o julgamento com sucessivos recursos e incidentes processuais

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Fact Check. Sócrates tem razão ao afirmar que uma denúncia sobre alegado financiamento ilegal do PSD foi "ignorada" e não foi investigada?

José Sócrates escreveu uma carta à procuradora-geral Lucília Gago em que faz sete acusações graves. Quatro baseiam-se em factos falsos, duas são enganadoras e apenas uma tem factos verdadeiros.

A frase:

“O Ministério Público brasileiro formulou, em resposta, a uma carta rogatória vinda das autoridades portuguesas, uma suspeita concreta de financiamento ilegal da campanha do PSD em 2015 por parte da empresa Odebrecht. Em vários outros países, essa mesma informação levou a escândalos políticos de enorme repercussão. Aqui em Portugal, o Ministério Público decidiu ignorar essa suspeita e parece apostado em nada investigar (…).”

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O que está em causa?

José Sócrates apresentou uma “queixa formal” à procuradora-geral da República sobre uma “suspeição gravíssima” que, no seu entender, existe sobre as investigações do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP): a “partidarização política” por “tudo servir para investigar o Governo Sócrates e de tudo servir para nada investigar no Governo Passos Coelho”. Daí que considere que “há uma motivação política” para investigar actos dos seus executivos e não dos de Passos.

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A fundamentação desta acusação do ex-primeiro-ministro — que tem apresentado, nos últimos três anos, sucessivos recursos e incidentes processuais sobre o seu julgamento na Operação Marquês, adiando dessa forma o processo —, prender-se-á com o alegado facto de os procuradores do caso EDP “não investigarem”, alega Sócrates, “uma suspeita tão concreta e tão indiciada” de “financiamento ilegal da campanha do PSD em 2015” por parte da empresa brasileira Odebrecht. Tudo com base em suspeitas retiradas da Operação Lava Jato e enviadas para Portugal.

Sócrates chega a dizer que as informações de tal alegado financiamento ilegal ao PSD “estão muito, muito indiciadas” e afirma que “os vários pagamentos que totalizaram 880.000 euros que a empresa Odebrecht pagou ‘por fora’ ao publicitário André Gustavo Vieira da Silva que, na altura prestava serviços ao PSD durante a campanha eleitoral de 2015”, “estão provados, está provado que diziam respeito à Barragem do Sabor e está ainda provado que foram feitos em 2015, na altura da campanha legislativa em Portugal“.

E, acrescenta ainda, que esta “investigação relativa ao financiamento ilegal da campanha eleitoral do PSD está congelada desde 2020″.

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Além disso, Sócrates diz que, apesar do MP o tentar envolver, nada tem a ver com o caso porque “quando os pagamentos suspeitos foram feitos”, “em 2015”, o próprio Sócrates “estava em prisão preventiva”.

Será mesmo assim? O Observador faz o fact check das várias afirmações escritas por José Sócrates na carta que o ex-primeiro-ministro enviou para a procuradora-geral Lucília Gago.

O Ministério Público recebeu uma denúncia das autoridades brasileiras sobre alegado financiamento ilegal do PSD?

Sim.

Tudo começou em 2018 quando o Ministério Público (MP) português expediu uma carta rogatória para o seu congénere brasileiro, o Ministério Público (MP) Federal, a solicitar informação sobre as suspeitas que existiam na Operação Lava Jato sobre alegada corrupção na adjudicação da construção da barragem do Baixo Sabor a um consórcio liderado pela Bento Pedro Construções (detida pelo Grupo Odeberbecht).

Também tinham surgido notícias em 2018 e em 2016 sobre a detenção de André Gustavo (publicitário que fez a campanha eleitoral do PSD de Pedro Passos Coelho em 2011 e em 2015) e do seu irmão António Carlos Vieira da Silva Júnior.

A resposta chegou apenas no verão de 2020, tendo o MP Federal brasileiro feito uma ligação entre a entrega de três milhões de reais a André Gustavo com um alegado financiamento da campanha do PSD nas eleições de 2015, como o Observador noticiou logo em agosto de 2020 aqui e aqui.

Estava em causa a alegada entrega do 880 mil euros da construtora Odebrecht (a principal construtora brasileira envolvida na Operação Lava Jato) a André Gustavo, da empresa Arcos Propaganda, por conta de alguém a que chama “Príncipe” e da obra “Baixo Sabor”. Pelo menos, é assim que tais pagamentos estão descritos na contabilidade paralela da Odebrecht — um acervo documental muito extenso que descreve de forma pormenorizada os pagamentos de subornos por parte da construtora brasileira e que é a principal fonte documental da Operação Lava Jato.

Estava em causa a alegada entrega do 880 mil euros da construtora Odebrecht a André Gustavo a alguém que é denominado com um nome de código de "Príncipe" na contabilidade paralela da Odebrecht.

Segundo o MP Federal do Brasil, tal contabilidade paralela e subornos eram geridos pelo Sector de Operações Estruturas (SOE), sendo que os pagamentos eram feitos a partir de seis contas bancárias e eram registados num sistema informático próprio. Uma dessas contas era conhecida pelo código “Paulistinha” — e foi a partir daqui que foram feitos pagamentos alegadamente ligados à obra do Baixo Sabor.

Depois de ter noticiado a existência dessa carta rogatória, o Observador consultou por várias vezes os autos do caso EDP no DCIAP, entre setembro de 2020 e até ao momento da acusação contra Manuel Pinho e Ricardo Salgado, para pesquisar mais informação sobre este e outros temas.

O despacho dos procuradores do caso EDP, que citam a carta rogatória, é claro sobre este ponto. As autoridades brasileiras detetaram na contabilidade paralela da Odebrecht uma “planilha” (folha Excel) intitulada ‘Resumo da Progamação 15.Abr.15XSL’ que “indica que programação de pagamentos” ao nome de código intitulado “Príncipe” por “solicitação do Diretor Superintendente da Odebrecht em Portugal”, José Fábio Januário — que está em parte incerta.

As autoridades brasileiras interrogaram um colaborador da Odebrecht, Fernando Migliaccio da Silva, que assinou em 2016 um acordo de colaboração premiada com o MP Federal brasileiro (que pode ser consultado aqui). O mesmo já tinha sido feito com a secretária Maria Lúcia, uma das testemunha-chave, que explicou como funcionava o SOE da Odebrecht. Ambos conseguiram com os acordos de colaboração premiada uma redução das suas penas ou até imunidade.

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Foi Migliaccio da Silva quem disse que os pagamentos foram “solicitados por José Fábio Januário”, responsável da Odebrecht Portugal, e que “uma pessoa de nome André, posteriormente reconhecido como sendo André Gustavo Vieira da Silva, visitou a sede da Odebrecht em São Paulo especificamente para cobrar o pagamentos de valores relativos a Portugal”, lê-se na carta rogatória.

“Apesar de alegar desconhecer quem seja a pessoa por trás do codinome [nome de código] ‘Príncipe’, Migliaccio disse que tais pagamentos feitos em 2015 foram efetivamente realizados pela equipa do ‘Paulistinha’ para o emissário/portador Marcelo Marques Casimiro, utilizado por André para a coleta das entregas”, lê-se ainda na carta rogatória.

O MP Federal brasileiro garante na sua carta rogatória que consultou documentação da empresa Arcos Propaganda que identifica que “os pagamentos faturados ‘por dentro’” para o “PSD e para a Coligação Portugal à Frente totalizaram 868.943, 24 euros.” Foram feitos, lê-se ainda, pagamentos “no mesmo período” e “em valores muito semelhantes” pela Odebrecht em numerário para “André Gustavo Vieira da Silva que totalizaram 880 mil euros.”

CERTO

A ligação dos pagamentos da Odebrecht ao PSD estão “provados”, como insinua Sócrates?

Não.

O MP Federal brasileiro afirma, no final da sua carta rogatória, que “é possível” que os “pagamentos descritos” na contabilidade paralela da Odebrecht com “referência à obra da barragem do Baixo Sabor possam se referir ao financiamento da campanha eleitoral do PSD para a eleição disputada em 2015 por Pedro Passos Coelho.”

Além de escreverem sempre com cautela, e no condicional, as autoridades brasileiras fazem questão de escrever que “essa afirmação” — da ligação entre os pagamentos da Odebrecht e o PSD —, “porém, baseia-se apenas nas informações acima relatadas, de modo que são apenas indiciárias.”

Além de escreverem sempre com cautela, e no condicional, as autoridades brasileiras fazem questão de dizer que "essa afirmação" — da ligação entre os pagamentos da Odebrecht e o PSD —, "porém, baseia-se apenas nas informações acima relatadas, de modo que são apenas indiciárias.”

Além do mais, o próprio MP Federal brasileiro conclui a sua carta rogatória com uma citação do publicitário André Gustavo a garantir que os serviços prestados em Portugal foram “legais e corretos” e acrescentam que os “elementos de prova sugerem” que os pagamentos de 3 milhões de reais foram feitos a André Gustavo em razão de compromissos assumidos por José Fábio Januário com a pessoa de codinome ‘Príncipe’, relacionados com acertos feitos na obra da barragem Baixo Sabor.”

José Sócrates começa por afirmar, na sua carta dirigida à procuradora-geral Lucília Gago, que “não há dúvida” sobre as “informações indiciárias”, para na linha seguinte escrever que “estão muito, muito indiciadas”, utilizando mesmo várias vezes o adjetivo “provado” no mesmo parágrafo para se referir a essas mesmas informações.

De acordo com o Código de Processo Penal, só um tribunal pode dar algo como “provado”. Durante uma investigação dirigida pelo Ministério Público, a prova é sempre indiciária.

Acresce que o próprio José Sócrates sempre foi extremamente crítico em relação à Operação Lava Jato, investigação do MP Federal brasileiro, e ao mecanismo judicial da colaboração premiada (que no Brasil se chama “delação premiada”).

Numa entrevista ao site brasileiro “Consultor Jurídico”, dada em maio de 2021 na sequência da edição no Brasil do livro intitulado “Só Agora Começou” (no qual relata a sua visão sobre a Operação Marquês), Sócrates afirmou que reage “muito mal à ideia da delação premiada”. O ex-primeiro-ministro considerou que a Lava Jato, como a Operação Marquês, são um exemplo de “atropelos ao devido processo legal e às leis” e de “abusos” que “foram transformados numa técnica que consiste em utilizar a Justiça para perseguir fins políticos. Para perseguir o adversário político, o inimigo.”

ERRADO

A denúncia das autoridades brasileiras em 2020 tinha apenas a ver com o financiamento do PSD em 2015?

Não. É enganador que José Sócrates se refira apenas a pagamentos feitos em 2015.

Se é verdade que o facto relatado por Sócrates — de que houve uma denúncia sobre alegado financiamento ilegal do PSD — está correto, a carta rogatória tinha muito mais informação sobre os pagamentos realizados ao “Príncipe”. Essa informação é omitida pelo ex-primeiro-ministro na  missiva que foi divulgada por vários órgãos de comunicação social, como a CNN Portugal.

Logo na consulta realizada a 8 de setembro de 2020 ficou claro que a maior parte da informação sobre esses pagamentos ao “Príncipe” dizia precisamente respeito ao período em que José Sócrates era primeiro-ministro.

Logo a 8 de setembro de 2020 ficou claro que a maior parte da informação sobre pagamentos ao "Príncipe" dizia precisamente respeito ao período em que José Sócrates era primeiro-ministro. 

A carta rogatória das autoridades brasileiras começa por referir um “primeiro período de pagamentos” que se encontra descrita numa “planilha (folha excel)” da contabilidade paralela da Odebrecht (apreendida nos autos da Lava Jato) “denominada “DDD Remessas F Canas 2012” (“F Canas” que vai ser relevante mais à frente). Ora, essa folha Excel descreve, segundo o despacho dos procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto consultado nos autos do processo EDP pelo Observador no dia 8 de setembro de 2020, os seguintes quatro pagamentos feitos ao “Príncipe”:

  • 10/10/2008 – 258.586 – Barragem do Baixo Sabor – Príncipe
  • 21/10/2008 – 250.000 – Barragem do Baixo Sabor – Príncipe
  • 30/10/2008 – 243.810 – Barragem do Baixo Sabor – Príncipe
  • 30/10/2008  –    6.190  – Barragem do Baixo Sabor – Príncipe

O que “indica a programação de 4 pagamentos a serem realizados entre 10/10/2008 e 30/10/2008 no valor de 758.586 mil euros”, lê-se no despacho do Ministério Público português.

Num segundo despacho, de 11 de agosto, os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto evidenciam novos elementos de prova indiciária que constam da documentação enviada pelas autoridades brasileiras relacionadas com novos pagamentos feitos ao “Príncipe”, “entre setembro de 2008 e março de 2009”, “por meio de depósitos feitos em conta offshore”. Nesse despacho, os pagamentos feitos entre março e abril de 2015 também são evidenciados.

A partir da pesquisa no sistema informático utilizado pelo Sector de Operações Estruturas (SOE) da Odebrecht, indiciou-se que as transferência teriam sido feitas pela empresa “Fastracker Global Trading, controlada por Olívio Rodrigues Júnior e utilizada pelo SOE/Odebrecht para pagamentos ilícitos”, lê-se nesse despacho do MP.

se tivermos em conta os 880 mil euros que terão sido pagos a André Gustavo em 2015, o restante que está em causa serão cerca de 80% dos valores pagos ao nome de código "Príncipe". E esses foram transferidos durante o exercício do mandato do governo de José Sócrates.

E também que existia uma programação de novos pagamentos entre 1 de dezembro de 2008 e 30 de março de 2009, no total de mais de 2 milhões e 322 mil euros. Neste caso, terão sido feitas algumas transferências através da empresa ARC Engineering and Construction, que tinha conta no Banif de Portugal.

Resumindo: existiam indícios na contabilidade paralela da Odebrecht de 16 pagamentos feitos ao “Príncipe” no valor de 3.672.000 euros, além de um pagamento adicional de 188 mil euros, que teria sido feito após acordo com Luís Cecílio, responsável da Odebrecht Portugal. Total: cerca de 3,8 milhões de euros.

As obras da barragem, contudo, só se terão iniciado em 2011, tendo a barragem entrado em funcionamento apenas em 2016.

ENGANADOR

Sócrates estava em prisão preventiva quando os pagamentos denunciados terão sido feitos?

O ex-primeiro-ministro acusa os procuradores do caso EDP de o envolverem de forma infundada no caso. “Enfim, o habitual — mentiras atrás de mentiras, procurando envolver-me no caso, embora em 2015 (quando os pagamentos foram feitos), eu estivesse em prisão preventiva, promovida, como é sabido, em razão do extraordinário perigo de fuga”, lê-se na carta escrita por José Sócrates.

Sócrates foca-se apenas nos pagamentos que terão sido feitos em 2015 e omite os pagamentos que estão descritos na contabilidade paralela da Odebrecht entre 2008 e 2009.

A contabilidade paralela da Odebrecht descreve os tais 16 pagamentos feitos ao “Príncipe” no valor de 3.672.000 euros, além de um pagamento adicional de 188 mil euros, entre 2008 e 2010.

José Sócrates pode vir a ser chamado ao caso EDP por causa da barragem do Baixo Sabor e das ‘luvas’ da Odebrecht

O que significa que, se tivermos em conta os 880 mil euros que terão sido pagos a André Gustavo em 2015, como foi indicado pelas autoridades brasileiras, o restante que está em causa serão cerca de 80% dos valores pagos ao nome de código “Príncipe” (que pode ser uma pessoa ou várias diferentes). E esses foram transferidos durante o exercício do mandato do governo de José Sócrates.

Acresce que, tal como os procuradores titulares do processo EDP têm evidenciado em diversos despachos do processo, tais pagamentos coincidiram com o período após a adjudicação da construção da barragem do Baixo Sabor por parte da EDP ao consórcio liderado pelo Grupo Lena e pela Bento Pedroso Construções — o que aconteceu a 30 de junho de 2008, tendo José Sócrates e o seu ministro Manuel Pinho marcado presença na apresentação da obra.

José Sócrates alega que nada tem a ver com a referida obra, explicando que a mesma foi autorizada pelo Governo de Durão Barroso. Mas como a agência Lusa constatou, na altura que o primeiro-ministro Sócrates e o ministro Manuel Pinho Pinho “formalizaram (…) a adjudicação de obras de reforço do potencial hidroeléctrico em que se inclui a barragem do Baixo Sabor”, sendo igualmente certo que foi durante o Governo Sócrates que foram dadas as devidas licenças e autorizações para o início da obra, após a conclusão dos estudos ambientais.

ENGANADOR

Denúncia foi investigada?

Sim.

José Sócrates acusa o Ministério Público de ter decidido “ignorar” e “não investigar” a suspeita contida na carta rogatória do MP Federal do Brasil, mesmo tendo sido assistente do processo EDP entre março de 2021 e dezembro de 2022 e por isso tinha autorização para consultar os autos. E é fácil comprovar que houve investigação.

A carta rogatória brasileira começou por ser apensada aos autos do caso EDP a 4 de agosto de 2020. Deu lugar a um número considerável de diligências de investigação. E as suspeitas ligadas ao PSD nunca foram arquivadas até ao momento.

Logo em agosto de 2020, os procuradores do caso EDP solicitaram ao colega José Ranito que pesquisasse informação nos autos do caso Universo Espírito Santo sobre documentos bancário que ligavam as transferências de empresas tituladas pelo Grupo Odebrecht para outras contas bancárias do Espírito Santo Bankers Dubai.

Logo em agosto de 2020, os procuradores do caso EDP solicitaram ao colega José Ranito que pesquisasse informação nos autos do caso Universo Espírito Santo sobre documentos bancários que ligassem as transferências de empresas tituladas pelo Grupo Odebrecht para outras contas bancárias do Espírito Santo Bankers Dubai. Um banco que chegou a pertencer ao Grupo Espírito Santo (GES) e que, em 2020, já tinha declarado falência e estava sob suspeita de branqueamento de capitais no caso Universo Espírito Santo por ter sido ali que foram abertas contas para pagar luvas a políticos e gestores públicos venezuelanos.

Os elementos informáticos enviados pelos brasileiros — que José Sócrates não cita na sua carta para a procuradora-geral — referem um ficheiro de transferências “DDD Remessas F Canas 2012” que os procuradores indicariam que se trataria de Francisco Canas, falecido em 2017 e o principal arguido do caso Monte Branco.

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Isto é, as empresas do Grupo Odebrecht, como a Fasttracker Global Trading e a Innovation Research Engineering and Development Ltd., recebiam fundos da conta ‘Paulistinha’ ou de outras sociedades offshore da construtora brasileira e terão transferido entre setembro de 2008 e outubro de 2009 cerca de um milhão e 350 mil euros para Canas.

Tais transferências terão sido feitas de diversas formas. Umas canalizadas para a Suíça e outras para uma das contas de Francisco Canas num banco controlada pelo BPN em Cabo Verde. Esta conta em Cabo Verde, por exemplo, recebeu 695 mil euros das empresas da Odebrecht em fevereiro e abril de 2008.

O modus operandi de Canas, como também ficou claro em diversos autos, como os processo Monte Branco, BPN e até na Operação Marquês, passava por receber transferências bancárias na Suíça ou em Cabo Verde e disponibilizar os fundos em malas com ‘dinheiro vivo’, na sua loja localizada na baixa de Lisboa. Armando Vara, Duarte Lima, entre outros suspeitos de crimes económico-financeiros, são algumas das figuras públicas que recorreram a Canas e à sua rede — recebia 1% por cada transferência realizada.

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A resposta dos autos do Universo Espírito Santo permitiu perceber que os dados bancários do Espírito Santo Bankers Dubai mostravam que cerca de dois milhões de euros (dos 3,6 milhões transferidos para o código “Príncipe”) tinham ido parar à conta do empresário José Carlos Gonçalves — que tinha chegado a ser detido em 2012 no caso Monte Branco por suspeitas de branqueamento de capitais.

Num depoimento prestado no caso Monte Branco, Francisco Canas tinha identificado Gonçalves como alegado testa-de-ferro de Ricardo Salgado.

ERRADO

A investigação está congelada desde 2020?

Não.

Está claro nos autos do caso EDP, que o Observador consultou, que houve várias diligências em 2020 e ao longo de 2021 e de 2022.

Foram realizadas buscas judiciais em novembro de 2020 a vários locais, incluindo a sede e escritórios da Odebrecht Portugal, visando-se vários responsáveis da empresa e não só. Por exemplo, Luís Cecílio, um dos nomes citados pelas autoridades brasileiras como tendo conhecimento sobre as transferências, foi alvo de buscas e ficou com o telemóvel apreendido.

Caso EDP. Buscas na Odebrecht Portugal na pista do “Principe”

Mais tarde, e sempre procurando informação para identificar o “Príncipe” e para quem ele transferiu os fundos, foram realizadas novas buscas judiciais em 2022 à sede da Odebrecht Portugal, que foram noticiadas.

Luís Cecílio e outros responsáveis da Odebrecht Portugal foram igualmente inquiridos nos autos do caso EDP, sendo que mais tarde, já em 2020 e em 2022, foi interrogada uma ex-adjunta de Manuel Pinho que poderia ter ligação aos factos.

Enfatize-se novamente que o Ministério Público ainda não arquivou as suspeitas relacionadas com o alegado financiamento ilegal do PSD.

ERRADO

O processo está em segredo de justiça?

Não.

É outra das acusações de José Sócrates contra os procuradores do caso EDP, como, aliás, já tinha feito em todos os outros casos em que está envolvido: que os magistrados Carlos Casimiro e Hugo Neto aceitaram, “se não promovendo, a contínua violação do segredo de justiça neste processo [do caso EDP]”.

O MP promoveu em outubro de 2016 junto do juiz de instrução Ivo Rosa, o então titular dos autos no Tribunal Central de Investigação e Ação Penal, que os autos ficassem sujeitos a segredo de justiça mas este recusou de imediato. Logo, não há qualquer restrição na consulta dos autos desde essa data.

Desde pelo menos 2017 que o Observador consulta regularmente os autos do caso EDP na secretaria do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, sendo que outros jornalistas e advogados fizeram o mesmo. Como assistente entre março de 2021 e dezembro de 2022, Sócrates e os seus advogados tinham os mesmos direitos de consulta.

ERRADO

Nota: José Sócrates já não é assistente dos autos do processo EDP. Foi assistente entre março de 2021 e dezembro de 2022.

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