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Ana Maria Marto, 60 anos, é descendente dos pastorinhos Francisco e Jacinta Marto pelo lado da família paterna
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Ana Maria Marto, 60 anos, é descendente dos pastorinhos Francisco e Jacinta Marto pelo lado da família paterna

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Ana Maria Marto, 60 anos, é descendente dos pastorinhos Francisco e Jacinta Marto pelo lado da família paterna

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Fátima. Com o santuário vazio, uma descendente dos pastorinhos mantém a fé, mas teme a falência

Dentro e fora do Santuário de Fátima, a atmosfera é de silêncio. Portas fechadas, gradeamentos, ruas desertas. Num 13 de Maio inédito, as poucas lojas que ousaram abrir não venderam nada e temem falir

Nunca ninguém viu Fátima assim num dia como este. Em anos normais, a pequena cidade já teria, há vários dias, visto a sua população de 11 mil habitantes multiplicar-se por mais de dez. Cafés e restaurantes teriam filas à porta, as lojas estariam abertas, as ruas estariam cheias de peregrinos, de colete refletor, acabados de chegar a pé de todos os cantos do país.

Fátima. “O que é que a gente está aqui a fazer? Mas pronto”

Este ano, ouve-se apenas o silêncio. Não aquele silêncio impressionante de uma enorme multidão que reza com velas acesas, mas o silêncio de um recinto vazio, no meio de uma cidade deserta. Antes da hora de almoço desta terça-feira, os responsáveis do Santuário de Fátima e a GNR começaram a fazer algo inédito: à volta de todo o recinto foram fechados portões e instalados gradeamentos. Durante as 24 horas em que mais peregrinos entrariam no santuário, ninguém poderá passar para o interior do recinto de oração.

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Uma imagem atípica do Santuário de Fátima em 12 de maio

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Fátima prepara-se para uma procissão de velas simbólica (vinte e um funcionários do santuário vão transportar vinte e uma velas, em representação das dioceses católicas portuguesas) e para uma missa da noite de 12 de maio que contará apenas com a presença de três peregrinos: pessoas que há vários anos organizam peregrinações a Fátima e que foram convidadas pelo santuário para representar a multidão que aqui se reuniria.

No último fim-de-semana, o reitor do Santuário de Fátima, o padre Carlos Cabecinhas, reconhecia, confrontado com a difícil pergunta “O que é Fátima sem peregrinos?”, que o peregrino é a “razão de ser” deste espaço. Sem a presença física dos peregrinos, o santuário tem-se desdobrado em iniciativas para que a peregrinação possa ser vivida à distância pelos que gostariam de estar em Fátima.

Em redor do Santuário de Fátima foram instaladas grades para impedir o acesso dos peregrinos

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Mas este 13 de Maio atípico, esvaziado por causa da pandemia da Covid-19, pode mudar para sempre as ruas da cidade. Fora dos muros do santuário, multiplicam-se as pequenas lojas de objetos religiosos, que garantem o sustento de uma parte significativa da população permanente de Fátima. Ana Maria Marto, 60 anos, é uma das poucas pessoas que optaram por manter a loja aberta — no meio de uma cidade cheia de portas fechadas.

O apelido não é coincidência. É descendente dos pastorinhos de Fátima. “A minha avó paterna era prima direita do Francisco e da Jacinta”, revela. Ana Maria nasceu em Fátima, chegou a viver emigrada, mas voltou há dez anos à terra natal. Decidiu explorar uma das lojas de objetos religiosos que o Santuário de Fátima arrenda aos comerciantes locais, por uma baixa renda.

Ana Maria Marto, 60 anos, é uma das poucas lojistas com a porta aberta em Fátima

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“Tenho a loja há nove anos. Este ano era o décimo. Mas está mau… Isto vai falir, não tenho dúvidas”, lamenta Ana Maria. A meio da tarde, quando conversou com o Observador, ainda não tinha vendido nada. O mesmo para os últimos dias. “O que é que a gente está aqui a fazer?”, suspira. Mas não conseguiu ficar em casa — ficaria a pensar que, “se calhar, se lá estivesse…”

À porta da loja 20 da praceta de Santo António, uma das duas pracetas de lojas nas laterais do Santuário de Fátima, a sobrinha dos pastorinhos vai perdendo a esperança no lugar que só existe pela sua própria família. O filho chegou a trabalhar em Fátima, nas equipas que asseguram a transmissão televisiva das celebrações, mas despediu-se para ir fazer voluntariado em Madagáscar. Apanhado pela pandemia, teve de regressar para Portugal, onde agora não encontra trabalho. “Vai arranjar trabalho onde?”, pergunta. “Despediu-se, puseram outro no lugar dele.”

O dia de trabalho vai ficar sem faturação mais uma vez. Durante a conversa com o Observador, Ana Maria vai arrumando a loja para se ir embora. Nem a vista privilegiada para o altar do recinto, ainda que por cima do muro, a convence a ficar para ver as celebrações. Verá na televisão a celebração em honra dos seus familiares distantes, Francisco e Jacinta, que há cem anos não resistiram à epidemia da gripe espanhola. “Tenho pouca fé de vender, mas tenho muita fé na Nossa Senhora”, garante.

"Tenho pouca fé de vender, mas tenho muita fé na Nossa Senhora"
Ana Maria Marto, lojista, descendente dos pastorinhos de Fátima

Numa loja ao lado, Olímpia Reis, tem mais sorte. Durante uma conversa com o Observador, a meio da tarde, faz a primeira venda em vários dias: uma capa impermeável para a chuva que cai torrencialmente. São cinco euros. Provavelmente, tudo o que fará até à noite — até porque Olímpia já planeia fechar a loja.

“Tenho 70 anos. Em 60 anos que aqui passei, nunca na minha vida vi isto assim”, lamenta. Olímpia nasceu a cinco quilómetros de Fátima e é dona daquela minúscula loja há 30 anos. Pela primeira vez, o mês de maio está a ser o pior do ano. “Não vem ninguém.” A dona da loja 15 da praceta ainda teve alguma esperança com o 13 de Maio: não sabia das notícias sobre o encerramento total do santuário e decidiu abrir a loja.

Como vende objetos religiosos há 30 anos, Olímpia já tem clientes fiéis. “Ainda pensei que alguns dos meus conhecidos aqui passassem e levassem uma velinha. Não sabia que ia fechar completamente. Se alguém cá viesse, comprava uma velinha para acender.” Mas não. Veio ao santuário para pagar a renda da loja — mantém-se igual, “mas eles cobram pouquinho” — e aproveitou para tentar vender alguma coisa.

Olímpia Reis veio pagar a renda ao santuário e aproveitou para abrir a loja. Só vendeu uma capa para a chuva

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A conversa com as lojistas, as poucas que ainda tentam fazer negócio, acontece a meia dúzia de metros de um carro da GNR que guarda uma das entradas laterais do santuário. Mas a presença policial é pouco notada na cidade. Nas ruas não se encontravam peregrinos a tentar furar a proibição — ainda que esta semana o diretor de liturgia do Santuário de Fátima, o padre Joaquim Ganhão, tenha admitido ao Observador que colaboração das autoridades seria essencial para “acautelar” eventuais “entusiasmos do momento” junto às entradas do recinto.

Esta terça-feira, o Santuário de Fátima organiza uma celebração simbólica da procissão das velas, mas espera que os peregrinos por todo o país e em todo o mundo se juntem ao momento, colocando velas acesas nas janelas. Na quarta-feira, dia 13 de maio, será feita uma homenagem aos profissionais de saúde e bombeiros que, durante este período, têm estado na linha da frente do combate à pandemia da Covid-19 — tudo à porta fechada.

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