Diz-me como anda o vírus no teu país, dir-te-ei por onde andam os teus concidadãos. A regra é válida em Portugal, na Europa e um pouco por todo o mundo. Um ano depois de a Covid-19 nos ter obrigado a criar novas rotinas, o novo normal é ficar em casa quando o coronavírus ganha força e regressar ao local de trabalho (e às compras) quando ele perde vigor. Isso mesmo mostram as estatísticas da Google que podem ser consultadas nos seus Relatórios de Mobilidade da Comunidade. O objetivo? Fornecer dados sobre o que mudou nas tendências de movimento das populações em consequência de políticas para conter a pandemia, como confinamento ou recolher obrigatório.
Se há países que parecem seguir a via rápida da normalidade, já bastante próximos do que eram os seus movimentos antes de março de 2020 (como a Croácia, a Rússia ou a Geórgia), em Portugal esse caminho ainda se faz com passos curtos — ou a conta-gotas, na linguagem escolhida pelo primeiro-ministro. Na Europa, somos o terceiro país que mais tempo passa em casa em relação ao padrão pré-Covid, apenas ultrapassados por Malta, Irlanda e empatados com o Reino Unido. Já nas viagens para o trabalho, há oito países com quebras maiores do que a sentida em Portugal.
Certo é que os relatórios mais recentes da Google reportam a 31 de março, um dos últimos dias que o país passou na primeira fase de desconfinamento, altura em que as crianças mais novas regressaram às escolas e a venda ao postigo voltou a ser possível. Em contrapartida, o teletrabalho manteve-se obrigatório, assim como se manteve fechada a restauração.
Desde segunda-feira, 5 de abril, Portugal ensaiou uma nova aproximação à normalidade: há mais alunos a regressar às escolas, os museus e ginásios abriram e já é possível estar sentado numa esplanada. Com esta segunda fase de desconfinamento, é inevitável que nas próximas estatísticas da gigante tecnológica Portugal surja com maior aumento de mobilidade.
A abertura das escolas, por si só, é suficiente para fazer a diferença: são mais 600 mil alunos, do 5.º ao 9.º ano, que deixam de estar em casa e os seus poucos passos diários (contados pela Google) vão passar a ser muito mais. Em muitos casos, os jovens serão acompanhados pela mãe ou pelo pai nas viagens de ida e volta, o que fará acelerar ainda mais a mobilidade dos portugueses.
Lisboa e Setúbal: onde o confinamento mais se sente
Ninguém passou mais tempo em casa (e menos a caminhar para o trabalho) do que os habitantes de Lisboa. No primeiro caso, passaram no domicílio mais 19% de tempo do que o habitual, no segundo caso, as idas para o emprego caíram 44%. Também foram os moradores deste distrito quem menos fez viagens relacionadas com lazer ou para fazer compras a retalho (-48%), segundo os três principais indicadores medidos pela Google, calculados a partir da localização dos telemóveis dos cidadãos e que podem ser consultados nos três mapas interativos, apresentados aqui em cima.
Apesar de, a 30 de março, o distrito de Lisboa ter ficado fora da linha vermelha traçada pelo Governo (acima dos 120 casos por 100 mil habitantes, a margem para manter o plano de desconfinamento) estes dados são conhecidos com uma semana de atraso e, portanto, demorarão também a ter efeitos na mobilidade. Por outro lado, a região urbana concentra 5 dos 15 concelhos mais populosos do país, o que faz com que quaisquer oscilações na mobilidade sejam mais sentidas do que em distritos com zonas rurais.
O cenário, na semana anterior, era diferente e o distrito mais populoso do país tinha pinceladas a vermelho: a 23 de março, Amadora e Odivelas eram os únicos dos 15 concelhos com mais população residente a surgir acima da linha vermelha — situação que se alterou na semana seguinte, quando conseguiram descer a incidência acumulada a 14 dias por 100 mil habitantes.
Logo a seguir a Lisboa, aparece Setúbal, o quarto distrito mais populoso do país, onde os níveis de incidência têm vindo a melhorar ao longo de março, mas a um ritmo mais lento que outras zonas mais a norte do país, como os distritos de Porto e Braga — 2.º e 3.º distritos mais populosos de Portugal. Em Setúbal, as viagens para o trabalho caíram 40% e o tempo passado na área geográfica do domicílio subiu 17%.
Nas deslocações relacionadas com lazer a queda é grande, -32%, mas o distrito aparece quase no fim da tabela, ao contrário do que sucede com os outros dois indicadores. Só Aveiro (-32%), Madeira (-27%) e Açores (-1%) tiveram quebras menores ou iguais.
A destacar-se na quebra de deslocações para o emprego surgem ainda Madeira (-38%), Bragança (-37%), Beja (-35%), Coimbra (-34%), Faro (-34%) e Viseu (-34%). O resto do país surge com quebras mais homogéneas, sendo nas ilhas dos Açores que menos se sentiu diferenças na mobilidade laboral. Ainda assim, teve uma quebra de 19%.
Porto e Madeira: tempo de estadia em casa no topo da tabela
Pondo Lisboa e Setúbal de lado, são os habitantes do Porto e da Madeira quem surge no topo da tabela que hierarquiza quem passou mais tempo no domicílio. A 30 de março, o tempo de estadia em casa era, respetivamente, 16% e 15% superior ao valor padrão. Em Braga, o valor estava 13% acima da média e, no resto do país, a mancha era uniforme variando entre os 6% (Bragança e Açores) e os 12%.
Nas quebras relacionadas com idas a lojas de retalho, ou deslocações ligadas a lazer, é nos Açores que se foge à regra nacional. Nas ilhas, este tipo de mobilidade só teve uma quebra de 1%, quando no resto do país variaram entre os 27% (Madeira) e os 48% no distrito de Lisboa.
Em média, a quebra nacional para estas deslocações foi de 36%.
Viagens para o trabalho. As maiores quedas são em Malta e na Noruega
Não é fácil encontrar Malta no mapa interativo (aqui em baixo). É preciso carregar, pelo menos, 10 vezes no zoom para que o quinto país mais pequeno da Europa comece a surgir no mar Mediterrâneo, entre a Sicília e a costa do Norte da África. É ali, nas três ilhas que formam a República — Malta, Gozo e Comino — que mais se sente o confinamento. As viagens para o trabalho caíram 70%, enquanto o tempo passado em casa subiu 19%.
Apesar de, segundo a Reuters, a curva pandémica estar agora a 15% do seu pico de 16 de março, nas primeiras semanas do mês passado o país encerrou todas as escolas e decretou confinamento obrigatório. Também as fronteiras têm estado fechadas, primeiro para todas as chegadas, agora abrindo algumas exceções. A 31 de março, por exemplo, Malta anunciou que os passageiros que chegam do Reino Unido podem entrar na ilha, a partir de 1 de junho, desde que mostrem provas de ter tomado as duas doses da vacina contra a Covid-19.
Antes de se chegar a Portugal, numa lista com dados de 38 países, é preciso parar em oito Estados. O país mais próximo de Malta é a Noruega onde as deslocações por motivos laborais caíram 60%. Daí para a frente, as quebras estão na ordem dos 40 e dos 30%: Dinamarca (-47%), Irlanda (-47%), Reino Unido (-41%), Bélgica (-37%), Áustria (-36%), Estónia (-36%), Hungria (-35%) e, finalmente, Portugal (-35%).
No país escandinavo, os contágios já estão em queda, a 77% do pico de 10 de janeiro. Apesar disso, o governo só pretende aligeirar as regras quando os casos diários forem menos de 200, estando, atualmente, a média nos 730. A 23 de março — já depois de a Noruega ter mergulhado na terceira onda da pandemia — Oslo endureceu as regras para conter a pandemia, embora a maioria sejam recomendações, como o confinamento e o uso de máscara, e não vinculativas como noutros países europeus.
Mais perto da normalidade, no fundo da tabela, estão as idas para o trabalho nos países que têm um pé na Europa e outro na Ásia. É o caso da Geórgia (-15%), a antiga república soviética com aldeias na cordilheira do Cáucaso e praias no Mar Negro, a Rússia (-14%), o país mais extenso do mundo que tem território tanto no continente europeu como no asiático, e a Turquia (-13%), que se estende do leste da Europa ao oeste da Ásia.
Na Turquia, esta aparente normalidade estará prestes a mudar já que o presidente Tayyip Erdoğan anunciou o aperto de restrições a 29 de março (véspera do relatório de mobilidade da Google) face ao aumento do número de contágios no país, decisão tomada um mês depois de terem sido aligeiradas. Em breve, as tendências de mobilidade turcas poderão mudar.
Já na Geórgia, a 19 de março foram levantadas várias restrições — o que explica o aumento das deslocações para o trabalho —, embora se tenha mantido o recolher obrigatório. Esta decisão originou uma manifestação em Tbilisi na passada semana e, já esta terça-feira, o primeiro-ministro Irakli Garibashvili anunciou ter testado Covid positivo.
Gregos foram quem menos saiu de casa para se divertir
Por muito que se diga que fronteiras não travam vírus, a situação é bastante diferente em Espanha e em Portugal, mesmo olhando para distritos vizinhos, como Évora e Badajoz. As mobilidades médias, que quantificam a aproximação à normalidade, são de 63% e 87%, respetivamente. Olhando para o todo nacional, do lado de lá da fronteira, os espanhóis passam praticamente o mesmo tempo em casa do que nos tempos anteriores à Covid (4%), enquanto que por cá os valores chegam aos 14%.
Este número faz com que, na Europa, Portugal seja o terceiro país em que os cidadãos mais tempo passam em casa — apenas superado por Malta (19%), Irlanda (16%) e empatado com o Reino Unido. Em contrapartida, na Bielorrússia (-3%), na Moldávia (-4%) e na Bósnia e Herzegovina (-4%) as horas passadas no domicílio são menos do que nos anos sem pandemia.
Já nas saídas relacionadas com lazer, os relatórios da Google mostram que foram os gregos quem menos saiu de casa para se divertir. Logo a seguir surge o Reino Unido (-51) e, em terceiro lugar, Portugal (-39%). Por cá, a explicação é simples: o confinamento levou ao fecho de cinemas, salas de espectáculo e da maioria das lojas de retalho. Mesmo que quisessem, os portugueses não tinham para onde ir.
No resto da Europa, as quedas neste indicador mostram valores entre os -38% (Bulgária) e os -8% (Suécia), mas é na Escandinávia que se encontra a exceção à regra: na Dinamarca, as saídas relacionadas com diversão e compras a retalho aumentaram 19% face ao padrão habitual.
Em fevereiro passado, o parlamento dinamarquês decidiu reabrir algum comércio e permitir que grupos de até 25 pessoas pratiquem desporto ao ar livre e participem em atividades culturais, o que pode explicar a mobilidade aumentada neste indicador. Esta terça-feira, 6 de abril, reabriram mais alguns serviços, como cabeleireiros, mas será preciso esperar por dia 13 para assistir ao regresso em força da restauração. Nessa altura, o indicador da Dinamarca deverá voltar a disparar.