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Queria ser futebolista, como o pai, como os ídolos da sua meninice que via na seleção da Nigéria. E chegou a sê-lo, até que uma lesão o fez abandonar os relvados, ainda adolescente. Não desistiu de ser atleta e voltou-se para o atletismo. Veloz é adjetivo que sempre coube a Obikwelu. Depois de abandonar a escola cedo, vendeu pão na rua, e vendia mais que os outros por chegar depressa aos clientes.

Como atleta, também foi rapidamente que chegou à seleção do seu país. E foi com ela que fugiu da Nigéria, veio competir a Portugal num Mundial de juniores e de cá nunca mais saiu. Não foi fácil. À falta de um clube para Obikwelu — então com somente 15 anos –, trabalhou na construção civil como ilegal, viveu numa barraca, mudou de nome de Francis para John, passou as passas dos Algarves em Loulé. Até que alguém reparou nele. Primeiro foi uma professora de língua portuguesa, depois o Belenenses, por fim (e até hoje) o “seu” Sporting.

Quando voltou costas à Nigéria por esta lhas ter voltado também quando se lesionou, abriu os braços ao Portugal que a ele abriu também. Deixou de competir em tons de verde e passou a fazê-lo de vermelho. E venceu tudo, até a mais importante das medalhas, uma olímpica, de prata. A propósito de olimpíadas, tentou no mês passado chegar à sexta participação, mas “perdeu” o bilhete para o Brasil nas estafetas. E arrumou as botas.

Não vai deixar as pistas; vai continuar a dar uma perninha pelo Sporting nos Nacionais. Mas aos 38 anos é tempo de olhar para trás, para a carreia internacional que agora encerra. Valeu a pena? Obikwelu diz que sim, orgulhoso e sorridente.

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Da infância na Nigéria à fuga para Portugal: “Nunca pensei em voltar para trás. A vida em África não foi fácil”

O seu pai foi futebolista, não foi? E queria ser futebolista como ele, presumo…
Sim, foi. É normal: quando o teu pai é um ídolo para ti – o meu foi internacional pela Nigéria –, tu queres ser como ele. Cheguei a ser futebolista, dos iniciados até aos juvenis, mas depois levei uma pancada no joelho e tive que deixar o futebol. Foi muito, muito grave. Mas como era um verdadeiro atleta, e talentoso, comecei logo a correr, a treinar, a aparecer. E mal comecei, ganhei as provas todas em que participei e tornei-me profissional no atletismo.

Em criança: ídolos, tinha? Para além do seu pai, claro.
Claro. Mas sempre no futebol e nunca no atletismo. Na Nigéria, quando és criança, só se joga futebol na rua. Eu gostava de futebol porque a seleção da Nigéria tinha internacionais muito atléticos, muito potentes. Gosto disso. Mas o destino não quis que fosse futebolista.

Mas estando lesionado e “proibido” de jogar futebol, como é que foi possível praticar atletismo?
O futebol é muito agressivo. E há movimentos bruscos quando corres. Isso, eu não consigo fazer. Mas o atletismo só tem retas e curvas. Fácil… [Risos]

Sabia, naquele tempo, que tinha qualidade para ser um dos melhores do mundo? Ou fazia atletismo por carolice?
Talvez soubesse. É que a Nigéria tem dos melhores atletas do mundo do ponto de vista físico. Somos de uma raça a que se chama ‘Igbo’. Ou seja, para nós é natural e fácil praticar desporto, seja futebol, basquetebol, atletismo. Somos naturalmente bons. É algo que nasce connosco, um dom. Não se aprende. E eu tinha isso.

Aug 1996: Francis Obikwelu of Nigeria in action during the 100 metres event at the World Junior Championships in Sydney, Australia. Mandatory Credit: Gary M Prior/Allsport

No Mundial de juniores, em Sidney, Obikwelu venceu duas medalhas de ouro. Estávamos em 1996 (Créditos: Gary M Prior/Allsport)

Mas mostrou ser “bom” muito cedo: como júnior, apenas com 17 anos, participou nos Jogos Olímpicos de Atlanta – conseguindo chegar às meias-finais na prova de 200 metros. Depois, nesse mesmo ano de 1996, participou no Campeonato Mundial de Juniores em Sidney. Resultado: competiu nos 100 e 200 metros, arrecadando a medalha de ouro em ambas as provas.
Sempre fui talentoso. Na escola, com quem quer que competisse, ganhava sempre. Em tudo. E quando percebi que no futebol não me safava, procurei logo um clube para praticar atletismo, evoluí muito rápido e no ano a seguir, em 1994, já estava no Mundial de juniores, que foi aqui em Portugal. Sou talentoso, mas só cheguei lá com trabalho. Com trabalho chegas mais rápido. Olha o Ronaldo: ele treinava aqui em Alvalade quando era do Sporting e, depois do treino, vinha ter comigo, que estava a treinar. Dizia-me que seria o melhor do mundo. Eu tinha a certeza que ele seria. Porque treinou muito para lá chegar.

Já voltaremos a falar de atletismo. Queria, antes, falar da sua infância. Que memórias é que tem de Onitsha, a sua cidade natal?
Onitsha é diferente, por exemplo, de Lisboa. Muito diferente. Lá, corres todos os dias, tens que correr muitos quilómetros até à escola, correr para ir buscar água ao mato. E corres com mais crianças, a cantar, a ver quem chega primeiro a casa. Aqui é tudo diferente, mais fechado. Os pais levam as crianças à escola de carro e vão buscá-las de carro. Lá anda-se a pé, descalço, sem medo de pisar nada. Foram os melhores dias da minha vida.

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A vida era difícil? Financeiramente…
Foi complicado. O Estado não ajuda as famílias como aqui. Tive que deixar os estudos muitos cedo e começar a trabalhar na rua, a vender pão na estrada. Saíamos às seis da manha para vender. E eu vendia bem; corria mais depressa que os outros e vendia o pão primeiro. [Risos] O ser humano em África tem essa capacidade de lutar, de ter fé; um dia as coisas vão mudar, para melhor.

E quanto aos estudos? Era aplicado na escola?
Vou ser sincero: não era o melhor da escola; era intermédio. Mas sempre fui bom com negócios. Era inteligente para isso. Tenho a capacidade de inventar um negócio, um bom negócio. E isso é um dom. Há pessoas que são talentosas nos estudos, outras que são fora da escola.

E o que é que queria ser?
O que é que queria ser? Queria ser o boss! Não queria trabalhar com ninguém. Queria inventar a minha própria empresa. Ainda hoje sou assim: o Sporting é o meu clube, é ele que me paga o salário, mas sou independente. Não tenho um patrão a gritar comigo o dia todo.

Tem irmãos?
Tenho, tenho.

Mas nenhum deles deu em atleta de topo…
Mais ou menos. Todos eles, de alguma forma, em alguma altura, foram desportistas também. Mas preferiram estudar. Os meus irmãos sempre foram melhores na escola do que eu. A minha irmã mais nova tem vinte anos e é guarda-redes na Nigéria. E é boa. Mas lá só te ‘safas’ se tiveres mil e uma cunhas. Mas fico contente por eles estudarem. Foi uma honra para mim poder pagar-lhes os estudos. Na família é assim: temos que ajudar. Eles tiveram a oportunidade que eu não tive.

Falou do seu pai, que era futebolista e um ídolo. E a sua mãe?
A minha mãe é muito importante para mim. Costumo dizer que ela é a primeira na minha lista. E ajudou-me muito quando passei por dificuldades, longe de casa. Ela foi a primeira a acreditar em mim. Sabia que eu seria muito famoso. Tinha fé em mim. Sempre fui um filho que gostou de arriscar, que não tinha medo de nada, que trabalhava para conseguir o que queria. Nunca fui de estar de braços cruzados à espera que a família fizesse as coisas por mim.

A verdade é que deixou a Nigéria muito cedo. Apenas com 15 anos, em 1994, veio a Lisboa participar num Mundial de juniores. E não voltou mais…
As oportunidades surgem sempre nas nossas vidas. E eu tive essa. Se fosse à embaixada na Nigéria pedir um visto para vir para a Europa, não me davam. Então, vim com a seleção, que me pagou tudo. E disse para mim: ‘Vou agarrar a oportunidade. Não vou deixá-la fugir!’ Nós éramos três: eu, o Sylvester [Omadiale] e o Wilson [Ogbeide]. Planeámos a fuga ainda na Nigéria. Nunca pensei em voltar para trás. Isso estava completamente fora de questão. Quando metesse o pé na Europa, já era! Aqui as coisas são mais fáceis do que em África.

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Antes do atletismo e das medalhas, a construção civil. “Lá nas obras, em Loulé, o meu patrão chamava-me ‘A Máquina'”

Em Lisboa, tentou continuar no atletismo. Tentou o Benfica, o Sporting, mas não ficou em nenhum clube. O que é que se passou?
Ohhh, eles tinham muitos atletas. E bons. Uns portugueses, outros estrangeiros. O problema é que eu ainda era juvenil, ninguém sabia quem eu era. Mesmo tendo participado no Mundial de juniores, ninguém sabia. Tinha talento, mas tive que fazer outra coisa, que me fazer à vida, tive que ir para as obras.

É isso: depois vai para o Algarve, mas não propriamente para correr…
Sim, fui para Loulé, para as obras. Mas nunca pensei que a minha vida fosse acabar e que deixaria o desporto por causa disso. Sempre tive fé que um dia ia aparecer a minha oportunidade, que alguém apareceria para me ajudar.

Como é que era o seu dia-a-dia lá? Chegou a pensar em desistir?
Não, desistir é uma palavra para pessoas muito fracas. Na vida há que lutar para ser o melhor. Nunca podemos baixar os braços. As coisas vão melhorar. Se hoje não consegui os meus objetivos, amanhã vai ser um dia melhor e vou conseguir. Tenho saúde, não tenho? Então, está tudo bem. Nada de pensar em desistir. E trabalhar nas obras fez-me bem. O meu patrão gostava muito de mim. Eu trabalhava no duro. Lá, chamavam-me ‘a máquina’. Se tenho duas mãos e dois pés, são para trabalhar. Na altura, como não tinha clube, só treinava ao fim-de-semana, ao domingo, num campo de râguebi em Loulé. Era o meu único de dia de descanso. Hoje, quando vou ao Algarve, digo que fui eu que construí o tribunal de Loulé. Aquilo foi a minha casa. É que enquanto vivi no Algarve, morei numa barraca, no estaleiro das obras do tribunal. A vida é assim…

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Depois surgiu o Belenenses. E tudo graças a uma professora, não foi?
Sim, a Mary Morgan. Conheci o filho dela lá no estádio de râguebi onde treinava. A Mary tinha uma escola de línguas e fui lá aprender a falar português. Naquela altura eu não era o Francis; era John Smith. Mudei de nome porque estava ilegal e tinha medo da polícia e de voltar para a Nigéria. Quando contei à Mary quem eu realmente era, ela levou-me para casa, conversou comigo e disse que me ajudaria a legalizar-me e a encontrar um clube. E foi assim que fui para o Belenenses, como a ajuda dela. Eles conheciam-me do Mundial de juniores. Deram-me tudo: casa, condições para treinar, comida. Não podia deixar fugir a oportunidade.

E o Sporting, como é que surgiu?
Mal comecei a correr pelo Belenenses, comecei a ganhar tudo. E ganhava ao Sporting, ao Benfica, a todos. O Moniz Pereira viu-me e disse que me queria no Sporting. Sentou-se comigo, ofereceu-me casa – era uma casa na Pontinha, onde vivia com o Sylvester e o Wilson –, um contrato, tudo.

O professor Moniz Pereira foi alguém muito importante para si…
Foi como um pai para mim. Ensinou-me tudo. E ensinou-me uma coisa muito importante: a poupar quando há dinheiro. Sempre que estive mal, ou com problemas, foi ele quem resolveu. Foi um pai.

Francis Obikwelu, medalha de ouro nos Europeus de Atletismo de Pista Coberta de Paris, é cumprimentado pelo professor Moniz Pereira após a chegada da comitiva portuguesa ao Aeroporto de Lisboa, 7 de março de 2011 (Créditos: ANTÓNIO COTRIM/LUSA)

Francis Obikwelu, medalha de ouro nos Europeus de Pista Coberta de Paris, em 2011, é cumprimentado pelo professor Moniz Pereira após a chegada da comitiva portuguesa ao aeroporto (Créditos: ANTÓNIO COTRIM/LUSA)

A verdade é que vivia em Portugal, tinha um clube em Portugal, mas continuava a competir pela Nigéria. Eles perdoaram-lhe a “fuga”?
Perdoar? Eles não tinham outra opção a não ser perdoar. [Risos] Fiz a melhor marca de sempre nos juniores. Então, convidaram-me de volta. Foi assim que fui aos Jogos Olímpicos de Atlanta.

Em 2001, tornou-se cidadão português. Mas deixou de competir pela Nigéria antes, em 2000, no Jogos Olímpicos de Sidney. Alegadamente, e segundo disse na altura, foi “abandonado” pelos responsáveis desportivos nigerianos depois de sofrer uma lesão.
Se eu disse que fui abandonado, não é verdade. O que é verdade é que eu tive uma lesão, no mesmo joelho em que tive quando jogava futebol, tinha o menisco todo gasto, e mesmo assim continuei a correr. Eles têm que perceber que nós somos humanos, não somos escravos. Eu devia ter parado. Mas continuei a correr, a lesão agravou-se, fiz uma ressonância magnética e o médico disse-me que não valia a pena continuar a fazer atletismo. Pensei: ele é médico, mas não é Deus. Se eu consegui voltar depois da lesão no futebol, também haveria de conseguir voltar agora.

A operação foi paga por si, no Canadá…
Sim, foi tudo por minha conta. Gastei qualquer coisa como 15 mil dólares. O médico era o melhor do Canadá – era o médico dos Toronto Raptors, da NBA. O problema é que depois da operação, que correu bem, tive uma trombose e fiquei dois meses no hospital. Ele disse-me para desistir. Mas eu não desisti. E disse-lhe: ‘Nos próximos Jogos Olímpicos vou mandar-lhe uma foto do pódio!” E foi o que fiz. Cheguei a Portugal de muletas, larguei-as, comecei a treinar na praia, na Costa de Caparica, o joelho inchava, eu chorava de dor, mas não desisti. No final do ano ganhei uma medalha em Munique.

EURO Munique 2002 (OURO, 100 metros_ PRATA, 200 metros) (Créditos: GERO BRELOER/EPA)

Nos Europeus de Munique, em 2002, Obikwelu venceu duas medalhas: uma de ouro nos 100; outra de prata, nos 200 metros (Créditos: GERO BRELOER/EPA)

Voltou a ser convidado para competir pela Nigéria?
Sim, logo que fiz uma marca abaixo dos dez segundos, ligaram-me. Eles pensavam que quando me lesionei, tinham melhor do que eu. Mas não tinham ninguém melhor. Disse-lhes que não voltaria, que não estava a competir por Portugal pelo dinheiro, mas sim pelo respeito que tinham por mim, pelo apoio que me deram. E disse-lhes que não valia a pena ligarem mais. Aquilo foi um escândalo na Nigéria e até fui chamado pelo presidente. Expliquei-lhe as minhas razões e ele entendeu.

E por outro clube que não o Sporting, pensou em correr?
O Sporting é a minha casa. Tive convites do estrangeiro, da Rússia, da Turquia, mas o dinheiro não é tudo na vida. Se morrer hoje, não quero ser o homem mais rico do cemitério. [Risos] Eu gosto de estar aqui. Levo a bandeira do Sporting para todo o lado.

Venceu tudo e quer ensinar os outros a vencer também: “Quando for treinador, se o atleta chegar dois minutos depois de mim, vai para casa”

Venceu em Europeus (100 metros em Munique 2002; 100 e 200 metros em Gotemburgo 2006; 60 metros no Europeu em Pista Coberta, Paris 2011), também em Mundiais (Sidney 1996; 100 e 200 metros do Campeonato do Mundo de Juniores), aos títulos nacionais pelo Sporting certamente que perdeu a conta, mas a medalha mais importante que venceu, acredito eu, foi em 2004: prata nos Jogos Olímpicos de Atenas, na prova dos 100m…
Chegar à final dos Jogos Olímpicos já é bom. És um dos melhores de sempre. Estar no pódio é histórico. Foi um sonho para mim. Custou-me muito chegar até ali. Não tinha vida. Vivia para treinar.

ATHENS, Greece: Men's 100m gold medal winner Justin Gatlin of the USA (C), silver winner Francis Obikwelu of Portugal (L), and bronze winner Maurice Greene of the USA stand on the winners' podium, 23 August 2004, during the Olympic Games athletics competitions at the Olympic Stadium in Athens. AFP PHOTO/TOSHIFUMI KITAMURA (Photo credit should read TOSHIFUMI KITAMURA/AFP/Getty Images)

Por fim, uma medalha nos Jogos Olímpicos: Obikwelu foi de “prata” em Atenas, em 2004 (Créditos: TOSHIFUMI KITAMURA/AFP/Getty Images)

Em Atenas, percorreu os 100 metros em 9,86 segundos. Foi recorde nacional e europeu. Ainda é. Um dia disse: “A nível europeu alguém há de conseguir superar a marca de Atenas, mas a nível nacional vai ser muito difícil batê-la”. Ainda pensa assim?
Os recordes são para ser batidos. Vai ter que aparecer alguém. Até agora — e o recorde é de 2004 –, o melhor que conseguiram a nível europeu foi igualar-me. Em Portugal vai ser mais difícil de ser batido…

Mas algum dia o atletismo em Portugal pode ter um velocista como o Francis? Estamos a trabalhar para isso?
Pfffff… se calhar. Neste momento os jovens só querem é saber de tablets e de tecnologias. São uns maricas. E isso é triste. Eles não têm capacidade de trabalho. Não há motivação. Pensam que só com o talento chegam lá. O objetivo deles é ganhar ao Obikwelu. Mas estão enganados: eu vou continuar a ganhar e eles a perder. Eles agora têm tudo o que eu não tinha na idade deles. Até pista coberta para treinar eles têm. Eu treinava ao frio, lá fora. E, mesmo assim, agora querem é saber dos sapatos novos que levam para os treinos, tudo detalhes sem sentido. Se um atleta está em grande forma, os sapatos não fazem diferença. São tretas. Ah, e também estão sempre cansados. E isto é um problema problema grave, a sério: os jovens não trabalham. Um atleta não se queixa ao treinador. Antes de o treinador lhe pedir, ele tenta sozinho. O treino está a começar e eles estão agarrados aos tablets, aos telemóveis, a mandar mensagens. Chegam tarde –e o treinador chega cedo.

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O que é que lhes diz quando os vê a fazer tudo isso?
Chamo a atenção, claro. Eu tenho a mesmo disciplina desde puto. E hoje tenho 38 anos. Sou o primeiro a chegar e o último a ir embora. Quando for treinador, se o atleta chegar dois minutos depois de mim, mesmo que a culpa seja do trânsito, vai para casa. Quero lá saber do trânsito! Se é para chegar a horas, é para chegar a horas.

Voltando aos Jogos Olímpicos. É a competição mais importaste para um atleta. Como é que é feita a preparação? Começa quatro anos antes? Deixa de ter-se vida…
Quando pensas demasiado nos Jogos Olímpicos, a coisa não te corre bem. Mas sim, a preparação começa muito cedo, para chegar lá bem. É preciso treinar muito e recuperar melhor ainda. É fundamental recuperar para não ter lesões. E tens que ser, sobretudo, disciplinado: nada de saídas à noite, nada de fumar, nada de beber.

Aquilo é um mundo à parte na Aldeia Olímpica, não é? Mas também dizem da Aldeia que tem muitas “tentações”…
Quem diz isso são atletas que vão lá para passear. Quando pensas em chegar à final e vencer, não há tentações. Muitos atletas saem da Aldeia Olímpica, vão conhecer a cidade. Eu nunca conheci nenhuma cidade dos Jogos Olímpicos. Tenho oito provas em quatro dias. Só como, treino e durmo.

Em 2008, os Jogos Olímpicos de Pequim não lhe correram bem. É verdade que os velocistas têm uma carreira curta, mas o Obikwelu estava no topo da sua: tinha 29 anos. Contas feitas, apenas conseguiu chegar às meias-finais na prova de 100 metros. O que é que correu mal?
O problema foi treinar demais. Como fui medalha de prata nos outros Jogos Olímpicos, achava que nestes podia ser ouro. Não descansei. Tinha muita pressão em cima de mim e bloqueei. Ainda por cima, em 2007, nos Mundiais [de Osaka], fui desclassificado por causa de uma falsa partida. Aquilo entrou-me muito na cabeça.

No fim, afirmou que se sentia “envergonhado” e que se iria retirar do atletismo. Porquê?
Pensei muito antes de dizer isso. Falei com a minha família, com a minha treinadora. Foi um momento difícil. Mas precisava de parar, de fugir da vida de treino. Mas eu voltei, em 2010…

O que é que o levou a reconsiderar?
Tinha condições para voltar. Só parei porque andei muitos anos nisto, dos 17 aos 29 anos. E fui sempre um dos melhores do mundo. Precisei de descansar. Não sabia o que era a vida fora do treino.

Portugal's Francis Obikwelu poses on the podium with his gold medal after the men's 60m final during the European athletics indoor championships on March 6, 2011 at the Bercy Palais-Omnisport (POPB) in Paris. Obikwelu arrived first ahead of Chambers and Lemaitre. AFP PHOTO / FRANCK FIFE (Photo credit should read FRANCK FIFE/AFP/Getty Images)

A medalha que faltava ao velocista luso-nigeriano: o ouro nos 60 metros dos Europeus de Pista Coberta, em 2011

E ainda haveria de ir a mais uns Jogos Olímpicos, os de Londres. Não conseguiu a sexta participação. Despediu-se dos palcos internacionais do atletismo agora [julho], no Campeonato da Europa, em Amesterdão, depois de falhar o apuramento para a final na prova da estafeta masculina de 4×100 metros.
Sim, é verdade. Eu tentei. Mas o joelho voltou a chatear-me. Não consigo treinar a cem por cento, não consigo fazer trabalho de ginásio. Trabalhei para ir aos Jogos Olímpicos do Brasil, mas não aconteceu.

Agora, é a “reforma” de vez? Ou vai continuar a competir pelo Sporting?
Vou competir, mas só nos Nacionais. Pela seleção acabou de vez. Agora é também altura de começar a formar novos atletas. Quero abrir uma escola.

Arrependimentos, não tem. Mas diz: “Se eu tivesse tomado o que os outros tomavam, era melhor do que eles todos”

Hoje, olhando para o que venceu, voltaria a deixar tudo para vir viver para Portugal, passando pelo que passou?
Não me arrependo de nada. Estou contente aqui. Foi uma carreira dura, o meu objetivo era ganhar tudo e ganhei. A minha família está bem na Nigéria, e eu vou continuar por cá: o clima aqui é fantástico. Está tudo na boa. [Risos]

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Ouvi-o dizer, desabafando, que se tomasse o que os outros atletas tomavam, era o melhor do mundo…
Também não me arrependo de nunca ter tomado nada. É uma coisa que eu nunca quis. Em África, não tomava nada. E o que tomava, era natural. Na Europa comecei a tomar suplementos. Como treinas mais, tens que os tomar. Agora, doping, nunca. Não preciso de tomar nada para me ajudar a ser rápido. Mas volto a dizer: claro que se eu tomasse o que eles tomam, era melhor do que eles. Tenho, pelo menos, tanto talento quanto eles.

A 27 de maio de 2015, foi feito Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique. O que é que isso significou para si?
Sabe, eu não nasci cá, mas sou mais português do que muitos portugueses. A minha vida foi toda feita aqui. Quando visto as cores da seleção, para mim é uma honra. Quando compito, muita gente olha para mim e vê-me como um filho. E receber a medalha do presidente [Cavaco Silva] foi uma honra. Nunca me vou esquecer desse dia.

Consegue ir à rua sem que as pessoas o reconheçam e o chamem para tirar uma fotografia?
É impossível. Eu acho que se não existisse o Ronaldo, eu seria o português mais famoso do mundo. [Risos] Vou na rua, em qualquer sítio e ouço: ‘Olha o Obikwelu! Não é, é só parecido…” Estou no restaurante com a minha mulher, ainda estou a comer e já me estão a pedir fotos.

E ela, fica chateada consigo por causa disso?
Não, não. [Risos] As pessoas pedem-me uma foto porque gostam de mim. Ela sabe que naquele momento tenho que lhes dar atenção; ela tem a minha atenção no resto do tempo. Dou mais valor a isto do que a uma medalha nos Jogos Olímpicos, acredite.

Pensa vir a ter filhos? Vamos ter outro “Obikwelu” nas pistas daqui por uns anos?
Nunca tive filhos porque não tinha vida para isso. A vida de atleta não é fácil. Mas quero ter, sim. E quero, sobretudo, que eles façam o que gostam. O meu pai, por exemplo, não queria que eu fosse atleta e tive que fugir de casa para o ser. Se os meus filhos quiserem ser atletas, vou ser o primeiro a levá-los aos treinos. E vou estar sempre lá para os apoiar.