No primeiro frente-a-frente da Rádio Observador, os únicos destas europeias, Francisco Paupério e Tânger-Corrêa discordaram em todos os temas, como era esperado entre os cabeças de lista de dois partidos que estão em extremas praticamente opostos de espectro político nacional. Começaram a mostrar os seus pontos de vista divergentes sobre a questão das reparações históricas, levantada por Marcelo Rebelo de Sousa; voltaram a mostrar as suas posições bem diferentes em relação às políticas de imigração; chocaram sobre o apoio da União Europeia a Israel e a posição da ONU junto do Hamas; e acabaram numa troca de argumentos e um debate aceso sobre as famílias políticas (ou a mudança que pode vir a acontecer quer no Chega ou até já foi sugerida para o Livre) dentro da Europa.
Os frente-a-frente na Rádio Observador, os únicos nestas europeias continuam esta quarta-feira às 19h00, com o debate entre a cabeça de lista do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, e o candidato do PAN, Pedro Fidalgo Marques. Pode consultar o calendário completo aqui.
[Ouça aqui o frente-a-frente entre António Tânger-Corrêa e Francisco Paupério]
Quem esteve melhor? Ao longo destes dias, um painel de avaliadores do Observador tem dado notas de 1 a 10 a cada um dos candidatos nos debates a quatro das televisões (que se manterá e estenderá ao debate a oito, quer das televisões, quer das rádios), explicando porquê. A partir desta quarta-feira vai manter o mesmo modelo também com os frente-a-frente da Rádio Observador.
[Já saiu o segundo episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui o primeiro episódio.]
Quem ganhou o frente-a-frente da Rádio Observador, Francisco Paupério ou Tânger-Corrêa?
Carlos Diogo Santos — Num frente a frente sempre vivo, Francisco Paupério foi mais eficaz na mensagem e em muitos temas mostrou mesmo estar mais bem preparado. Sendo quase certo que a estratégia de António Tânger-Corrêa passa pela sua postura pouco assertiva — que procura evitar confronto —, nos principais temas isso não correu bem. Quer se concorde ou não com a existência de reparações históricas, ficou clara a posição do Livre, com o cabeça de lista do partido a lembrar que o tema foi levantado por Marcelo e que países como França já deram inicio a um diálogo — o Livre quer que os países que foram colónias portuguesas sejam ouvidos. E foi aí que surgiu a primeira interpelação que viria a marcar todo o debate: “Não sei que Tânger tenho hoje pela frente”. Tânger-Corrêa respondeu, dizendo que defende o diálogo e a abertura de canais diplomáticos, mas para resolver coisas, não para olhar para o passado. Na integração de imigrantes, Paupério também acabaria por ser mais claro sobre o que defende, usando o exemplo do que aconteceu com os imigrantes ucranianos, para rematar que a Europa é capaz de mais e melhor na integração — o pilar que diz estar a falhar em Portugal. Aqui o cabeça de lista do Chega estabeleceu a diferença entre migrantes do continente europeu e de outros continentes, para dizer que não é comparável a integração. No final, quando tentava explicar a diferença de tratamento de Bruxelas em relação à Rússia e a Israel, Tânger acabou por reduzir quase tudo ao argumento de que o “conflito na Ucrânia não nasce de situação de ódio”. O que, na verdade, pouco ou nada diz sobre a forma como a Europa deve encarar os dois conflitos.
Pedro Jorge Castro — Paupério é um jovem outsiderque vem de fora da política, mas aprendeu depressa os pequenos truques que desequilibram um frente-a-frente. Estudou o adversário, percebeu as dificuldades mostradas por Tânger-Corrêa quando é provocado e abusou disso mesmo, a confrontá-lo diretamente em todos os temas, de forma picuinhas, até a insistir para o candidato do Chega indicar a fonte de uma sondagem — que saiu há dois dias na CNN. Os apartes “Não sei que Tânger tenho hoje pela frente” ou “Ainda não tínhamos ouvido essa teoria do Tânger” ajudam a reforçar o apoio na claque de esquerda. O candidato do Chega é vice-presidente do partido, mas parece demorar a adaptar-se às regras de comunicação, sempre com muita dificuldade em lidar com as interpelações diretas de Paupério, e com uma resposta estranhamente mal preparada sobre a família europeia a que afinal o Chega vai pertencer. Mas o vencedor foi mesmo o modelo: o duelo reforçou que não há formato mais esclarecedor do que os frente-a-frente.
Miguel Pinheiro — Francisco Paupério esteve ao ataque; António Tânger-Corrêa esteve à defesa. Mas a opção tática de cada um deles não mostra, necessariamente, a vitória de um e a derrota de outro. Na verdade, os dois fizeram o que mais lhes convinha: o cabeça de lista do Livre precisava de mostrar à restante esquerda que consegue enfrentar o partido de André Ventura; e o cabeça de lista do Chega quis dar mais uma prova de que é atacado, perseguido e difamado. Nos temas, Tânger-Corrêa foi eficaz quando usou uma sondagem que mostra que 74% dos portugueses são contra reparações às ex-colónias, mas teve dificuldades em explicar, afinal, qual é a família europeia a que quer pertencer. Já Francisco Paupério foi competente quando falou da visão do Livre para a Europa, mas tornou-se pouco claro quando argumentou que a nossa política de imigração funciona bem e que os únicos problemas estão na política de integração. No final, tivemos um empate — mas um empate em que os dois ganharam.
Miguel Santos Carrapatoso — O duelo a dois favorece a troca de argumentos e foi isso acabou por acontecer. António Tânger-Corrêa, que tem utilizado os debates a quatro para evitar confrontos mais diretos, foi obrigado por Francisco Paupério (muito mais assertivo do que em debates anteriores) a sair da zona de conforto e a responder a algumas provocações. Apesar de mostrar francas melhorias face aos primeiros debates, continua demonstrar algumas fragilidades: voltou a não conseguir explicar com argumentos estruturados porque se opõe o Chega a uma visão mais federalista do projeto europeu; continua sem explicar exatamente o que pretende para a imigração para lá da frase feita “não queremos portas escancaradas”; e insiste em sugerir que pode mudar de família política europeia assim que forem contados os votos nas europeias, não percebendo que está a criar um problema de perceção pública sobre as convicções do Chega. Mais esclarecido, Francisco Paupério marcou pontos nestes três temas. O candidato do Livre acabou, no entanto, por enredar-se em comparações pouco sustentadas entre o que se passa na Ucrânia e em Gaza e perdeu-se em frases redondas sobre o dever de reparação de Portugal às antigas colónias, relacionando-as estranhamente com o papel da UE no continente africano. Por tudo isto, Paupério venceu, mas sem brilho.
Quem ganhou o debate: Marta Temido, Sebastião Bugalho, Tânger Corrêa ou João Oliveira? Veja as notas
Quem ganhou o primeiro debate das europeias? Temido, Bugalho, Cotrim ou Paupério? Veja as notas