Índice
Índice
Tempos houve em que os dados móveis eram coisa para poucos e os melhores telemóveis nem eram smart o suficiente para os aproveitar. Os tweets, pode parecer uma piada, eram feitos por SMS. As notificações recebidas? Também. Não havia nem WhatsApp nem Messenger e muitos acreditavam que o Hi5 seria maior do que o Facebook. E — surpresa das surpresas — ainda se dizia cardinal em vez de hashtag. O ano era 2007, o mesmo em que um jovem de 26 anos acreditou que podia mudar isso.
Chama-se Chris Messina e nasceu em 1981, em Nashua, no New Hampshire, Estados Unidos da América. 25 anos depois, já em São Francisco, com o curso de Design de Comunicação na Carnegie Mellon University pelo meio, o programador discutia com os amigos como é que, facilmente, seria possível indexar conteúdos no Twitter, uma rede social que na altura era ainda só “de nicho”. Nos telemóveis havia duas teclas que não eram utilizadas, o asterisco e o cardinal. Foi com a última que avançou com a ideia de marcar uma geração e permitir que movimentos como o #metoo ou o #feelthebern fossem facilmente partilhados na Internet. O Twitter disse que a ideia era “muito nerd“, mas, mais tarde, tentou afirmar que era dono do conceito.
Em entrevista por telefone ao Observador, Chris Messina, que também criou o primeiro espaço de coworking em São Francisco, sendo várias vezes referido como o impulsionador da ideia, fala de como surgiu o hashtag e daquilo que é necessário para criar um novo fenómeno semelhante. O ativista pelo acesso livre na Internet fala também da Google, onde trabalhou, e de como as melhores ideias que teve não lhe deram nem um tostão.
Messina vai estar em Portugal nos dias 21 a 23 de março, no Pavilhão Carlos Lopes, como orador do Pixels Camp, um evento de tecnologia português.
Como nasceu o #hashtag?
Quando é que teve a ideia de criar o hashtag?
Foi em 2007, há 11 anos. Tinha 26 anos.
Como é que tudo aconteceu?
A melhor maneira de explicar como é que tive a ideia é pensar no panorama tecnológico da altura. As redes sociais começavam a ser utilizadas por todos e vivia-se uma transição em que as pessoas deixavam de utilizar tanto os computadores de secretária e começavam a dar uso aos telemóveis para o mesmo tipo de tarefas. Depois, em junho de 2007, a Apple anunciou o iPhone.
Um dos aspetos mais importantes desta invenção é que permitiu às pessoas utilizarem os dedos para este tipo de tarefas. Passou-se para uma lógica de tocar em vez de teclar. Isso abriu a tecnologia a um público muito mais vasto para as redes sociais. Na altura, muitos de nós já estavam na Internet e habituados a partilhar partes da nossa vida por este meio. O Twitter estava a aparecer nessa altura e permitia às pessoas atualizarem o status através do SMS. Isso foi importante, foi mesmo necessário na altura. O acesso à Internet era limitado e restrito, a maioria das pessoas nem tinha conexão 3G e isso permitia atualizar o nosso status em 140 caracteres.
Foi importante porque, no início, o Twitter não tinha motor de pesquisa. Um dos programadores da plataforma, que é meu amigo, o Blane Cook, teve a ideia de criar um sistema em que se indexavam as palavras e isso mostrava os principais temas. O sistema enviava depois um SMS a todos os que tinham feito subscrição dessas palavras-chave [essa funcionalidade chamava-se track]. Ou seja, interagias com o Twitter só por SMS. Em 2007 não havia “push notifications” [notificações que aparecem no topo do telemóvel sobrepondo-se ao programa aberto]. O SMS era a única maneira de enviar informação para os telemóveis e foi assim que o Twitter se estabeleceu como um serviço e uma rede social.
Com cada vez mais pessoas a fazer tweets, precisávamos de uma forma de tornar o conteúdo mais relevante e personalizado para os nossos interesses. Resolvemos esse problema ao criar fóruns e grupos, como no Reddit. Mas esse tipo de design não funcionava neste novo mundo com telemóveis, principalmente com uma interação através de SMS. Com a ajuda de uns amigos, pensei: tem de existir na tecnologia uma forma elegante e eficiente de resolver este problema.
E a seguir, o que fez?
Na altura, havia dois serviços que eram muito populares: o Flickr, que precedeu o Instagram, e outro chamado Delicious, desenhado para partilha de links. Nesta plataformas em vez de se ter um grupo de peritos a definir que grupo de categorias eram apropriadas para organizar conteúdos, havia apenas utilizadores a definir as próprias “tags” [categorias]. Como a maioria das pessoas ainda tinha os telemóveis com botões físicos, havia dois botões que não eram utilizados para nada: o asterisco e o cardinal. Foi aí que pensei: “Isto pode ser útil”.
Depois, juntei estas ideias com o que via num chat de Internet com tópicos de partilha de conteúdos, o IRC. O design era muito parecido com o que o Slack oferece atualmente. Juntei todas estas coisas, dos SMS às “tags”, e pensei: queremos algo como estas “chatrooms” de IRC onde as pessoas podem apenas aparecer e ter uma conversa, mas também têm de estar disponíveis por SMS e ser fáceis de utilizar. Como o IRC tinha esta convenção em que havia um canal com o nome precedido por um símbolo do cardinal, decidi juntar isso à possibilidade de escolher “tags” de forma independente. Com isto, dá para seguir uma frase e criar um “token” para a conversação. Fiz uma publicação bastante extensa no meu blog a explicar o que isto podia fazer ao Twitter. Depois, fiz uma publicação no próprio Twitter.
Tinha quantos seguidores na altura?
Menos de cinco mil. Na verdade, podiam apenas ser uma centenas. Honestamente, não me lembro.
Na altura trabalhava sozinho?
Trabalhava para mim mesmo. Tinha uma agência de consultoria, chamada Citizen Agency. Nunca trabalhei para o Twitter. Com a ideia, apenas achei que era melhor partilhá-la e ter feedback. Estávamos apenas a contribuir para todas as redes sociais que estávamos a utilizar. Queríamos torná-las melhores e mais interessantes. Não havia a noção de vir a ter a propriedade destas ideias. Mais tarde, fui a South Park, em São Francisco, onde ficava a sede do Twitter. Entrei pela porta da frente, fui aos fundadores e perguntei: “Olá, o que é que acham desta ideia?”. Eles estavam a tratar de um problema, os servidores estavam em baixo ou não estavam a funcionar, não me lembro bem. Agradeceram a sugestão e disseram: “É muito nerd, não vai funcionar”. Disseram que iam pensar em algo que fosse mais sofisticado para resolver este problema, como um algoritmo de pesquisa.
Fiquei desiludido com essa resposta, mas não me dissuadiram. Venho do mundo do “open source” e a solução é: se acreditas em alguma coisa, cria-a, mostra que funciona e vão aceitar-te. Na altura, a maioria da experiência do Twitter era construída por outras pessoas [“third-parties”] e comecei a falar com alguns amigos que estavam a fazer aplicações para o Twitter. Ao longo do tempo comecei a convencer as pessoas de que isto seria uma boa ideia.
No início, o hashtag era uma coisa “nerd“
Como é que o hashtag passou de uma coisa “nerd” para algo comum e que todos utilizam?
As redes sociais, na altura, eram muito nerds. O Twitter ia abaixo tantas vezes que havia quem brincasse e fizesse memes com isso. Era parte do serviço. Depois, a ideia de se ter um perfil online passou a ser cada vez mais normal e tornou-se parte de como uma pessoa se expressa. Acho que a forma como as redes sociais ficaram menos nerds e mais apelativas ajudou o hashtag a chegar a toda a gente. É importante lembrar que o hashtag não teria tido tanta importância ao longo do tempo se o Twitter não tivesse funcionado. Há muitas startups que estavam a tentar fazer o mesmo e falharam. Aconteceu que foi o Twitter, o Facebook, o Instagram e outras poucas as que continuaram.
Alguma vez foi pago por esta ideia?
Não. Isto foi uma contribuição para o bem comum que era a Internet. Na altura, preocupava-me que o Facebook ganhasse a guerra das redes sociais. Isso podia levar a um declínio da competitividade e criar um ambiente difícil para as startups. De certa forma, foi isso que aconteceu. Criei com os meus amigos ferramentas para evitar isso, como permitir que quem tivesse uma rede de Twitter e não quisesse ter Facebook pudesse receber updates de amigos da outra rede social, e vice-versa. Algumas dessas coisas funcionaram, mas posso dizer que o hashtag é o melhor exemplo dessa ideia. Hoje, pode postar-se uma fotografia no Instagram, no Twitter e no Facebook e utilizar um hashtag. É devido a isso que, pela pesquisa, pode encontrar-se o conteúdo que queremos, independentemente da plataforma onde foi criado.
Porquê o nome hashtag e não cardinal [“pound“]?
Há várias maneiras de dizer o nome: octothorpe, antí-hífen ou cerquilha, por exemplo. Tive a ideia do conceito e como ia funcionar, mas foi um amigo meu, Stowe Boyd, que escreveu no seu blog o que achava da ideia e chamou-lhe “hash tag”, com espaço.
https://twitter.com/chrismessina/status/223115412
Quando é que começou a perceber que o hashtag se ia tornar o símbolo de uma geração e de vários movimentos sociais?
Foi só em 2011, alguns anos depois. Fui entrevistado pelo New York Times e fiquei surpreendido por estarem interessados nesta ideia. Até essa altura, as redes sociais ainda eram de nicho. Muitas pessoas ainda achavam que era algo estúpido ou apenas um brinquedo. Esta entrevista mudou isso.
Foi também com o Instagram que percebi isso. Inicialmente, era apenas para conteúdos visuais. É muito mais fácil as pessoas consumirem imagens do que consumirem palavras. Muitas pessoas fora do mundo tecnológico, principalmente influenciadores e pessoas do mundo da moda, começaram a adotar o Instagram como uma forma de mostrarem o seu estilo de vida e cada vez mais pessoas tinham smartphones. O Instagram fez algumas coisas muito inteligentes: em vez de só permitir imagens com a melhor qualidade, porque a Internet ficava lenta, criou os filtros (as câmaras eram más, e isso ajudou). Mas as pessoas também queriam que essas fotografias pudessem ser encontradas e passou a utilizar o hashtag. Isto foi antes de existir tecnologia de reconhecimento de imagens capaz de identificar o que está numa imagem.
Há outras invenções de que esteja tão orgulhoso como o hashtag?
Muitas das minhas melhores ideias são as que proativamente tento dar de graça. Sei que parece contra-intuitivo, mas tenho estado mais interessado na tecnologia social, em fazer um plano para se criar uma solução para um problema que exista.
Umas das ideias de que mais me orgulho é o Barcamp, que foi também o primeiro hashtag que utilizei. O Tim O’Reilley, que gere a O’Reilly Media, juntava várias pessoas da indústria dos media e tecnologia, que organizavam o conteúdo do evento. Essencialmente, as pessoas escreviam tópicos de que queriam falar ou que queriam que fossem falados. Estavam a planear estes eventos há algum tempo e eram muito exclusivos. Em 2005, algumas pessoas que tinham sido convidadas deixaram de o ser, por alguma razão. Por causa disso, escreveram um texto a criticá-lo. Achei tudo um bocado estranho porque o Tim tem sido um promotor do software open-source. Contudo, pensei: porque é que não pegamos nesta ideia e fazemos o nosso próprio evento? Demos-lhe o nome de Barcamp. É uma piada de programadores, é difícil de explicar. Tínhamos estes eventos e, de repente, apareceram 300 pessoas. Não contávamos que fossem tantos. Isto foi em Palo Alto. Na altura estavam a aparecer outros eventos, como os do TechCrunch e da Pandora. Agora existe em vários países. Este foi o meu primeiro sucesso.
Mas é a ideia de que mais se orgulha?
Acho que o hashtag é a ideia de que mais me orgulho. Não é pelo impacto, é pela elegância que tem. É simples e resolve um problema que muitas pessoas nem sabiam que tinham.
Alguma vez teve problemas por causa do hashtag?
Sempre promovi a utilização do hashtag e, numa altura, tive de lutar por ele. O Twitter tentou afirmar que era dono do hashtag e queria impedir que outros o utilizassem. Queriam dizer “somos donos do hashtag, é assim que vamos fazer dinheiro”. Eu disse: não, não. Primeiro, vocês rejeitaram a ideia e, segundo, o hashtag pertence à Internet, não vos pertence. Até essa altura estava muito relutante em dar a cara pelo hashtag. Queria que fosse uma contribuição anónima. Foi aí que tive de tomar uma posição.
A Google, o Facebook e a próxima “ideia hashtag”
Trabalhou em grandes empresas tecnológicas, como a Uber ou a Google. Sobre esta última, acredita que ainda é uma empresa que se gere pelo antigo lema: “Não fazer o mal” [Don’t Do Evil]?
É um tema complicado porque as regras em redor de monopólios vêm de uma era muito específica, a da industrialização. Era uma altura em que os consumidores eram afetados de forma diferente pela falta de competição. Embora a Google tenha muito poder, como o Facebook e o Twitter, é difícil mostrar como é que está a afetar os consumidores. Estão a receber inúmeros serviços de graça. Não se paga o Google. Paga-se com dados e com a atenção que lhe damos e, obviamente, há receios sobre a privacidade, mas diria que, no geral, a Google é campeã de coisas que são importantes. Se se vai comparar com a Microsoft, que fez muitas coisas contra a concorrência e para esmagar os competidores, a Google é melhor. Não estou a dizer que a Google não concorre de forma agressiva, mas sinto que é concorrência saudável. Vê-se isso com o Google Docs e outros programas. Isso gera concorrência.
Mencionou outras empresas, como o Facebook, que têm preocupado a indústria tecnológica. De certa forma, foi com a sua ideia que as redes sociais chegaram a mais pessoas e cresceram. Agora, com todos os receios que têm surgido, sente que as redes sociais estão a falhar à humanidade ou a ajudá-la?
No geral, estão a ajudá-la. Contudo, de certa forma, não estamos preparados para este tipo de poder. Temos mais poder do que nunca para informar e mudar a mente das outras pessoas através destes meios. Antes, era uma coisa mesmo muito cara. Agora, basta ter um telemóvel e podemos fazer parte de uma conversa global. Há muita gente a aproveitar-se disto. No geral, acho que as pessoas estão mais conectadas. Contudo, estamos a falhar em coisas como empatia com pessoas que vivem vidas que não são como as nossas.
Qual é a “ideia hashtag” que o mundo precisa neste momento?
Outra coisa para a qual também contribui foi a ideia de “coworking”. Espaços em que as pessoas trabalham em coisas totalmente distintas, mas juntas, no mesmo espaço. Mas o que vem a seguir? Qual é a próxima “ideia hashtag”? A forma como olho para a tecnologia está sempre relacionada com as suas origens. No caso da Internet, foi com os militares a trabalharem com a Academia, para conseguirem aguentar as ameaças da Guerra Fria. Ao longo do tempo, com a Internet a ficar aberta a empresas, outros entraram nesta tecnologia. Foi quando apareceram coisa como o Windows, por exemplo. Agora, estamos num momento em que temos o iPhone e outros smartphones, em que os utilizadores individuais estão a ganhar acesso a esta tecnologia. Em 2019, mais de 50% da humanidade vai estar online ou ter acesso à Web. Não sabemos o que vai acontecer quando se continuar a ligar o resto da humanidade.
Uma das coisas em que penso é sobre o avanço da inteligência artificial e o computador controlado por voz. Isso vai ser a próxima plataforma. Vai aproximar o utilizador e vai passar a ser uma atividade do dia a dia. Nem se vai pensar que se está a falar com um computador. Todos os dias, acorda-se e toma-se um duche e nem se pensa na canalização ou de onde vem a água. Está apenas lá. No futuro, com os computadores por voz, vai ser o mesmo, vamos falar com computadores como se fosse uma coisa normal. Esta mudança, em que é preciso perceber bastante sobre computadores, para um mundo em que qualquer pessoa, casualmente, desde que consiga falar, vai poder controlar uma máquina… Isso muda tudo. Recentemente, houve um vídeo viral partilhado por uma mãe em que mostrava a filha a falar com a Alexa sobre os trabalhos de casa. E agora, o que é que se faz com isto? Estamos a melhorar-nos com a tecnologia. Esse é o contexto que mais me entusiasma: como é que criamos uma inteligência artificial com sentimentos?