A Fundação JMJ, instituição que organizou a Jornada Mundial da Juventude de Lisboa em 2023, pretende continuar a apoiar durante várias décadas projetos de promoção da infância e da juventude em Portugal, usando os proveitos de um fundo composto por cerca de 35 milhões de euros para distribuir mais de 500 mil euros por ano a diferentes iniciativas, incluindo projetos institucionais, empreendimentos públicos e iniciativas independentes que se candidatem a fundos.
Em declarações ao Observador, Alexandre Palma, bispo-auxiliar de Lisboa e sucessor do cardeal Américo Aguiar na presidência da Fundação JMJ, explicou que tem como objetivo manter a fundação em funcionamento durante várias décadas, de modo a “capitalizar o bem da JMJ pelos próximos tempos e pelas próximas gerações”.
Responsável pela parte da organização da Jornada Mundial da Juventude que competiu à Igreja Católica, a Fundação JMJ apresentou a 31 de maio deste ano o relatório final de contas com resultados que o então líder da fundação, Américo Aguiar, classificou como “XXL” em relação ao inicialmente previsto. No ano de 2023, a Fundação JMJ registou um saldo positivo de 31,4 milhões de euros — que sobem para 35 milhões, tendo em conta os valores positivos que transitaram do ano anterior.
Com o fim da Jornada Mundial da Juventude, que trouxe cerca de 1,5 milhões de jovens de todo o mundo a Portugal para uma semana de atividades e para um encontro com o Papa Francisco, a Fundação JMJ não se extinguiu, custodiando agora este fundo de 35 milhões de euros que os seus responsáveis querem colocar ao serviço de diferentes projetos de juventude.
Desde o início do empreendimento, que resultou no maior evento de sempre em Portugal, o cardeal Américo Aguiar comprometeu-se a alocar quaisquer resultados positivos da JMJ a projetos concebidos para apoiar a infância e a juventude na região de Lisboa (onde se realizou a JMJ). Com a obtenção de lucros mais elevados do que o esperado, o financiamento da Fundação JMJ será agora mais alargado, podendo abranger projetos em todo o país.
Fundação vai apoiar projetos institucionais e abrir candidaturas para iniciativas independentes
Alexandre Palma, sacerdote lisboeta, teólogo e professor da Universidade Católica que foi recentemente escolhido para bispo-auxiliar de Lisboa, explica que a Fundação JMJ pretende “conservar o fundo da fundação”, ou seja, o fundo composto pelos cerca de 35 milhões somados com os resultados positivos do evento que decorreu na primeira semana de agosto de 2023.
A ideia, explica o bispo, é “distribuir os proveitos que esse fundo gerar, de um modo não muito diferente da Gulbenkian ou da Champalimaud”.
“Até aqui, a Fundação JMJ foi fundamentalmente um promotor de evento, de um mega-evento. Nesta fase, a ideia é ela não ser um promotor de evento, mas uma espécie de sponsor, de apoiador de iniciativas deste fito, de gente que esteja no terreno”, diz Alexandre Palma. “Queremos empoderar instituições, projetos, coisas mais macro ou mais micro, de âmbito institucional ou ensaístico.”
O bispo destaca que só foi possível chegar a um valor significativo como 35 milhões devido a um conjunto de fatores particulares da JMJ: além das inscrições dos peregrinos (que representam a maior fatia das entradas de dinheiro), houve um número importante de voluntários, muito apoio da iniciativa privada e uma “gestão rigorosa” da parte da anterior direção. “Isso justifica porque é que chegámos a este valor”, sublinha.
“Acreditamos que este dinheiro é dos jovens”, acrescenta. “É confiado à Fundação, mas resulta de uma enorme convergência. Uma parte substancial deste fundo resulta das inscrições dos jovens, não apenas dos jovens de Lisboa, mas de todo o país e de todo o mundo.”
Por isso, o bispo Alexandre Palma destaca que a Fundação JMJ não pretende distribuir de imediato o dinheiro. “Parece que vamos gastar os 30 milhões, mas isso não é verdade. Daqui a um ano ou dois, não havia dinheiro nem havia fundação”, diz o bispo, frisando que “as fundações são instituições criadas para o longo prazo e não para o curto prazo”.
O projeto da Fundação JMJ, sublinha, é “a longo prazo” e o objetivo é que “daqui a dez, vinte ou trinta anos anos ela ainda possa estar a distribuir benefícios, retribuindo à sociedade, com mais valia, aquilo que a sociedade pôs de si na JMJ”. “Recebemos uma enorme generosidade de todos e vamos, aos poucos, tentar retribuir”, acrescenta. “É uma lógica cristã.”
Para já, fechadas as contas do evento e iniciado um novo ciclo, os novos responsáveis da Fundação JMJ estão “a montar a operação”, com o objetivo de “cuidar dos investimentos para a reprodução do fundo”. Por isso, é provável que só em 2025 a Fundação JMJ comece efetivamente a distribuir apoios.
“Não é a direção que vai investir diretamente, mas vai recorrer a gestores de ativos que haja no mercado, procurando encontrar as melhores condições”, explica Alexandre Palma, recordando que “as fundações têm tradicionalmente um catálogo de investimentos orientado para o longo prazo”, o que significará eventualmente um retorno menor, mas mais estável ao longo do tempo.
Questionado sobre qual o valor que a Fundação JMJ prevê disponibilizar à sociedade civil anualmente, Alexandre Palma avisa que ainda não estão feitas todas as contas, que incluem não só a previsão do retorno dos investimentos, mas também a necessidade de remunerar a pequena equipa que vai manter a fundação. No entanto — repetindo que o objetivo é o longo prazo, na ordem das décadas —, o bispo destaca que esse valor deverá situar-se em pelo menos 500 mil euros anuais.
Concretamente, a Fundação JMJ atuará a dois níveis, apoiando projetos de maior dimensão a nível institucional e também apoiando iniciativas independentes, de menor dimensão, através de candidaturas.
“Queremos ver o que já existe de apoios à infância e à juventude a sociedade, para vermos se o nosso apoio não é melhor aplicado a áreas que não estejam cobertas”, explica o bispo, sublinhando que a Fundação JMJ já tem sido contactada por “entidades públicas e autarquias locais” para apoiar projetos de juventude — por exemplo, residências de estudantes ou projetos sociais.
“Mas não queremos ficar apenas com as autoridades públicas. Queremos ser interlocutores da sociedade civil, apoiar projetos mais particulares, de pequena escala”, destaca. “Com os parceiros institucionais, haverá um diálogo mais institucional; sentados à mesa seguramente encontraremos pontos em comum, encontraremos vontades, como sucedeu até aqui.”
“Ao nível mais micro, ensaístico, mais pequeno, de empoderamento dos jovens, vamos abrir uma call para apoios a projetos”, revela Alexandre Palma. Segundo o bispo, haverá “plataformas de candidaturas a fundos” e tudo será feito com “transparência”. Antes, acrescenta, “é preciso fazer os regulamentos, para que tudo seja claro” — e só depois disso, provavelmente a partir de 2025, é que a Fundação JMJ começará efetivamente a abrir candidaturas a projetos. “Temos todo o interesse em divulgar o máximo de informação”, destaca, sublinhando que “um dos grandes bens gerados pela JMJ foi o exercício de transparência e de rigor” no uso do dinheiro.
“Dar protagonismo aos jovens”
O novo presidente da Fundação JMJ, Alexandre Palma, rejeita, porém, que os frutos gerados pela semana da Jornada Mundial da Juventude se resumam ao dinheiro. O objetivo central é “dar protagonismo aos jovens”, garante, sublinhando que isso aconteceu na JMJ e deve continuar a acontecer depois disso.
“Os estatutos da Fundação JMJ permanecem os mesmos”, diz o bispo. Com estatutos assinados em 2020, a fundação tem como objetivo a “promoção sociocultural da infância e juventude” e, em quatro anos, “o objetivo não se alterou”, garante Alexandre Palma. “Nos anos da JMJ, essa promoção concretizou em fazer acontecer a JMJ 2023. Passado 2023, a Fundação terá de encontrar, com alguma criatividade, formas de concretizar o mesmo objetivo”, sublinha.
A nova direção, liderada pelo bispo Alexandre Palma, tomou posse a 17 de julho. O anterior presidente, Américo Aguiar, foi entretanto elevado a cardeal e enviado pelo Papa Francisco como bispo para a diocese de Setúbal. Segundo Alexandre Palma, o final do ano de 2023 e uma “boa parte do ano 2024” foi ainda passada a fechar as contas do mega-evento do verão passado: entre pagamentos a fornecedores e ajustes de contas, por exemplo, com as devoluções dos pagamentos aos peregrinos que não compareceram, as contas só ficaram finalmente fechadas em maio.
Além disso, os responsáveis da Fundação JMJ quiseram esperar pela auditoria da Deloitte e pelo estudo do ISEG sobre o impacto económico da Jornada para avançarem com o novo trabalho. “Estamos aqui numa fase de tentar satisfazer o mesmo objetivo, mas de uma maneira diferente”, resume agora o bispo.
Vigília e missa no Parque Tejo foram os sétimos maiores eventos de sempre numa JMJ
A Jornada Mundial da Juventude de 2023 decorreu em Lisboa entre 1 e 6 de agosto de 2023. Estima-se que tenham estado presentes cerca de 1,5 milhões de jovens de todo o mundo no encontro que contou com a presença do Papa Francisco. Os principais responsáveis da hierarquia da Igreja em Portugal têm insistido que é necessário garantir que o entusiasmo gerado durante aquela semana se traduza num novo envolvimento ativo dos jovens com a Igreja.
Esta semana, por exemplo, em entrevista à Agência Lusa, o patriarca de Lisboa, o bispo Rui Valério, assinalou que “manter acesa a chama do entusiasmo, da esperança, que a Jornada Mundial da Juventude veio acender” é “o grande desafio que Lisboa tem entre mãos”.