Está por dias a definição de quantas listas irão concorrer às eleições da Mutualista Montepio, previstas para dezembro. Além da lista incumbente, liderada pelo atual presidente, Virgílio Lima, está há muito a ser preparada uma lista concorrente, composta por várias figuras ligadas às listas B e C das últimas eleições (embora ainda sem líder definido) e houve negociações para integrar nessa lista um movimento de quadros internos que há longos meses se tenta afirmar como “solução interna” para os problemas da instituição. Porém, ao que o Observador apurou, embora a lista concorrente veja com bons olhos a integração de pessoas como Pedro Líbano Monteiro e Paula Guimarães, há um outro nome relevante que está a ser vetado: Pedro Alves, atual presidente da Montepio Crédito – que poderá voltar-se, agora, para Virgílio Lima.
Os associados da Montepio Geral Associação Mutualista voltam a reunir-se esta quarta-feira, 9 de junho, depois de já por duas ocasiões os trabalhos terem sido suspensos devido ao adiantado da hora. Falta votar as contas (negativas) de 2020 e o plano anual, entre outras matérias, e na última assembleia-geral a administração perdeu algumas votações essenciais – como, por exemplo, a indicação de que a lista incumbente fica sempre com a letra A – o que indica que os atuais líderes poderão estar numa posição de alguma vulnerabilidade e a oposição tem uma hipótese de vencer.
Nesse contexto, o cenário que os críticos da atual administração querem evitar é uma repetição do que aconteceu em 2018: uma divisão da oposição em mais do que uma lista, porque isso poderá diluir apoios. Recorde-se que em 2018 a lista institucional, então liderada por Tomás Correia, venceu mas não alcançou a maioria absoluta, ou seja, teve menos de 50% dos votos. Tendo em conta que a oposição, no último ato eleitoral, acabou por se dividir em duas listas – a B e a C – o polémico banqueiro acabou por conseguir ser o mais votado e obteve novo mandato (posteriormente interrompido antes do tempo por falta de aprovação pelo supervisor, a ASF).
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Apesar dessa memória, e correndo o risco de que isso possa fazer emergir uma terceira lista, esta parece ser uma “linha vermelha”, apurou o Observador: os responsáveis ligados às listas B e C recusam o nome de Pedro Alves, embora existam diferentes graus de intransigência. Sobretudo entre os opositores mais ligados ao Partido Comunista Português, entre os quais se inclui Eugénio Rosa, os “anticorpos” são especialmente graves, ao passo que alguns ligados à antiga lista B têm uma visão mais pragmática e de esperança que seja possível criar um consenso que maximize as chances de vitória, pelo que os cenários ainda estão todos em aberto.
Caso esta provável lista da oposição decida mesmo excluir o gestor, Pedro Alves poderá virar-se para Virgílio Lima não necessariamente no sentido de vir a integrar a lista do atual presidente mas, sim, chegando a acordo para ocupar outro cargo, agora ou no futuro, nomeadamente relacionado com o Banco Montepio, que é controlado pela mutualista. Ou seja, seria um cenário em que tudo se mantinha como está: Pedro Alves fora da mutualista e mantendo-se na estrutura do banco, à espera de outras oportunidades que surjam na caixa económica.
Resta saber o que é que, nesse cenário, decidem fazer os outros quadros com quem o presidente da Montepio Crédito tem colaborado, como Pedro Líbano Monteiro, que é hoje presidente da Montepio Valor: vão juntar-se a esta lista ligada às pessoas que assinaram o manifesto “Salvar o Montepio”? Será que vão tentar formar terceira lista com Pedro Alves? Ou será que não acontece nenhuma destas coisas?
Banco de Portugal volta a colocar pedras no caminho de Pedro Alves
Pedro Alves chegou, em 2019, a ser escolhido para presidente do Banco Montepio, ainda no tempo de Tomás Correia, mas acabou por nunca assumir o lugar devido ao facto de a supervisão do Banco de Portugal ter aberto um processo de averiguação cujos contornos o Observador noticiou em exclusivo a 31 de outubro de 2019.
Em causa estava a participação deste ex-BES na equipa que, em 2009, sob Tomás Correia, desenhou uma estratégia para mascarar rácios de crédito vencido e esconder de forma ilícita as dificuldades do banco. A operação foi considerada irregular pela auditoria da Deloitte ao Banco Montepio, como noticiou o Observador, e só devido a uma denúncia anónima ao Banco de Portugal é que o supervisor percebeu o papel que Pedro Alves teve nesse processo.
Esse processo está arquivado, no que a Pedro Alves diz respeito, mas as “cicatrizes” permanecem ao nível da avaliação que a supervisão do Banco de Portugal poderá fazer em relação a novos pedidos de registo. A recusa do nome do atual presidente da Montepio Crédito explica-se, em parte, com esse processo e por haver, em torno deste gestor, uma associação a algumas das operações mais nebulosas de Tomás Correia – como as que envolvem o Finibanco Angola e o acordo para a venda de operações da Montepio Seguros a um grupo chinês, posteriormente chumbado pelo supervisor ASF.
Neste contexto, sabe o Observador, nas últimas semanas a supervisão do Banco de Portugal voltou a colocar pedras no caminho de Pedro Alves na sua nomeação para novo mandato na Montepio Crédito. Em concreto, enviou uma carta a questionar a acumulação de funções por parte de Pedro Alves que, além de ser presidente (executivo) da Montepio Crédito, é também administrador não-executivo do Banco Montepio.
Essa é uma acumulação de funções que o Banco de Portugal permitiu, no passado. Mas nesta fase o supervisor voltou a pedir explicações e demonstra poder ter, agora, uma visão diferente sobre os potenciais conflitos de interesse ao nível da governance da instituição. Em causa está o facto de existir um administrador não-executivo – que, no fundo, tem o papel de fiscalizar a atuação dos executivos – sendo, também ele, um executivo (de uma participada, a Montepio Crédito).
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Contactado pelo Observador, Pedro Alves não quis fazer qualquer comentário. Mas o Observador sabe que esta é uma matéria que está a gerar algum frisson no banco, incluindo entre a comissão executiva, num contexto em que o Banco de Portugal também tem exigido que o Banco Montepio mantenha uma total equidistância e separação em relação à Mutualista Montepio e ao processo eleitoral em curso.
Pedro Alves já apareceu citado na imprensa, através do jornal Eco, mostrando ter um “profundo conhecimento” da atual situação da mutualista mas garantindo, em meados de abril, que a “participação enquanto candidato não esta[va] em cima da mesa”. “Enquanto quadro superior, ou membro de órgãos sociais de entidades do Grupo Montepio, estarei, como sempre estive, sempre disponível para dar o meu contributo com lealdade, profissionalismo, responsabilidade e ponderação em todas as funções que me foram, são, ou serão confiadas”, afirmou, ao Eco.
Até ao final deste mês de junho as listas têm de estar feitas, de forma a poderem ser enviadas ao supervisor financeiro da mutualista, a Autoridade de Supervisão dos Seguros e Fundos de Pensões (ASF). As novas regras preveem que a ASF tenha de dar um parecer sobre a idoneidade de todos os candidatos aos órgãos sociais, pelo que, para que haja tempo para que o supervisor dê esses “registos prévios”, o prazo de envio das candidaturas termina dentro de poucas semanas.
Ao que o Observador apurou, porém, a confirmar-se a “linha vermelha” de não aceitar Pedro Alves, há um fator a ter em conta na sua potencial capacidade para formar uma terceira lista. Há limitações estatutárias à proporção de quadros de empresas controladas pela Mutualista nos órgãos sociais da mesma (mutualista): não podem ser maioritários nos órgãos sociais e não podem ser mais de 10% na futura Assembleia de Representantes, o novo órgão que vai ser criado após estas eleições.
O Observador noticiou recentemente, também, que o Ministério da Segurança Social está a preparar uma alteração do novo código das mutualistas – que é da autoria deste mesmo governo e entrou em vigor há menos de três anos – de modo a desatar o nó górdio que está a ser o plano de convergência da Mutualista Montepio com as exigentes regras das seguradoras.
O problema estará a caminho de ser resolvido pela via legislativa, numa matéria onde a ministra Ana Mendes Godinho não se envolve diretamente porque é casada com um alto responsável da ASF, o regulador que tem a supervisão financeira da mutualista e que já por duas vezes chumbou o plano proposto pela administração de Virgílio Lima.
Após duas tentativas falhadas de entendimento entre o Montepio e a ASF (que trabalha com a legislação existente), o problema subiu de patamar – é a legislação que poderá ter de mudar. Daí a reunião na Praça de Londres, onde Virgílio Lima procurou sensibilizar o poder legislativo, e de onde saiu confiante de que a ideia tinha passada “com sucesso”, disse a fonte contactada pelo Observador.
Questionada acerca desta matéria, fonte oficial do Ministério confirmou que o “presidente da Associação Mutualista Montepio Geral foi recebido em audiência, tendo sido abordados aspetos relacionados com a atividade da Associação Mutualista Montepio Geral e respetivo enquadramento”. Mais, o Ministério indica que “a avaliação dos efeitos da legislação é um trabalho contínuo que se integra na gestão da atividade política do Governo”.
Recorde-se que o primeiro-ministro, António Costa, em debate parlamentar a 15 de março de 2018, afirmou que “não estamos a falar de um banco de uma família, estamos a falar de 600 mil famílias que, com o seu trabalho, merecem ser protegidas e aí faremos tudo para proteger essas famílias“.