Um passo atrás para dar dois à frente no futuro. Nas duas propostas que queimavam verdadeiramente neste Orçamento do Estado, Luís Montenegro transformou radicalmente o IRS Jovem com que fez campanha eleitoral e reduziu a redução do IRC a um compromisso mínimo. Sendo um recuo objetivo, os sociais-democratas acreditam que conseguiram o essencial: deixar uma margem nula a Pedro Nuno Santos para chumbar o Orçamento e provocar eleições; o que permite à Aliança Democrática garantir, pelo menos, dois anos e meio no poder. “Xeque-mate”, celebra um destacado dirigente social-democrata.

Entre os sociais-democratas ouvidos pelo Observador, ninguém quer olhar para o copo meio vazio. Depois de ter feito uma campanha eleitoral a prometer um choque fiscal para os mais jovens e uma redução substantiva do IRC (15% até 2028), Luís Montenegro acabou a apresentar uma recauchutagem do IRS Jovem que António Costa tinha no seu último Orçamento e uma redução de IRC mais modesta (para 17% em três anos, e apenas 1 ponto percentual em 2025). “Apresentámos uma contraproposta mais moderada para evitar uma crise política. É o mais importante”, assinala um elemento do núcleo mais próximo de Luís Montenegro.

Em alternativa, a equipa de Luís Montenegro acredita ter conseguido aquilo que pretendia desde o início: impedir que o Governo fosse derrubado nesta fase decisiva, retirando qualquer argumento para que Pedro Nuno Santos pudesse chumbar o Orçamento do Estado. Viabilizado este documento, o país entrará rapidamente num ciclo político em que, aconteça o que acontecer, Marcelo Rebelo de Sousa estará inconstitucionalmente impedido de dissolver a Assembleia da República e convocar eleições antecipadas.

A partir do momento em que este Orçamento passar, se passar, naturalmente, o núcleo duro de Luís Montenegro acredita ter a faca e o queijo na mão. Em seis meses, negociou aumentos salariais para quase todos os setores profissionais que estavam em guerra com o governo do PS, ultrapassou os socialistas pela esquerda no aumento do salário mínimo, aumentou pensões, vai reduzir impostos e está a acelerar o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), o que significa dinheiro para fazer e apresentar obra que se veja.

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Ou seja, o Governo acredita que qualquer amargo de boca que possa ter ficado por este recuo em matéria de redução de impostos (tema que move o eleitorado mais à direita, mais jovem e de classe média), será compensado por dois anos e meios de aumentos de rendimentos, a desejada paz social e investimento palpável. Mais tempo no poder e mais difícil será derrubá-lo; uma cedência agora para ganhar eleições confortavelmente no futuro — é o tal plano criado desde o primeiro minuto, ainda no rescaldo das eleições, para o Governo de combate pensado para um miniciclo.

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Dramatizar até ceder

De resto, toda a coreografia do Governo foi pensada para chegar a este momento numa posição que os sociais-democratas entendem ser de grande vantagem política sobre o PS. Depois do primeiro encontro entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos, a adjetivação foi intensa: a posição do socialista tinha sido “inflexível”, “radical”, “irracional”, “extremada”, “irrazoável” e “inaceitável”, própria de “quem queria derrubar o Governo” e de quem se estava pôr fora da “mesa das negociações”.

Nos dias seguintes, e que coincidiram com as jornadas parlamentares de PSD e CDS, o balão foi insuflando — era o Governo em pré-campamha eleitoral, um desfile de ministros ao longo de dois dias a reclamar louros pelo que foi feito, a anunciar aquilo que vai sair do papel e a culpar Pedro Nuno Santos pela crise política que se colocava no horizonte, como uma inevitabilidade. A fechar essas jornadas, apareceu Luís Montenegro a dizer duas coisas: que Pedro Nuno Santos tinha sido irrazoável, mas, ainda assim, o Governo iria apresentar uma “proposta irrecusável” — o que rapidamente foi interpretado pelo PS como a derradeira provocação.

Quem assistisse esta tarde às intervenções de Luís Montenegro, aos ataques dirigidos a Pedro Nuno Santos e ao número político de Hugo Soares, líder parlamentar do PSD e verdadeiro número dois de Montenegro, de grande crispação para com os socialistas, não seria capaz de antecipar que o Governo fosse tão longe na contraproposta que apresentaria, horas depois, aos socialistas.

O efeito pretendido — o de criar a imagem de enorme cedência em nome do interesse nacional apesar do “radicalismo” do PS — tinha sido alcançado: depois de uma semana a criar a ideia de que seria praticamente impossível acomodar as exigências de Pedro Nuno, Montenegro sacou da cartola um documento que, pelo menos publicamente, foi sendo como percecionado como uma grande aproximação ao PS. Às vezes, em política, o combate de narrativas é mais importante do que a verdade.

Margem para negociar mais é muito curta, avisa Montenegro

A bola passa agora para o PS, que já anunciou que vai apresentar uma contraproposta ao Governo. Do ponto de vista de Luís Montenegro, os sinais não são muito animadores: olhando para o que disse esta noite Alexandra Leitão na CNN, os socialistas não concordam de todo com a manutenção da descida transversal do IRC (mesmo que seja de apenas 1 ponto percentual em 2025) e não estão satisfeitos com o modelo do IRS Jovem alternativo encontrado por Montenegro.

Ora, ainda antes deste primeiro sinal do PS, já o primeiro-ministro ia avisando, que mesmo estando disponível para “aprimorar” estas propostas, havia limites. “O nível de aproximação e cedência é suficientemente intenso para que a margem [para aceitar alterações] seja cada vez mais reduzida”, notou Luís Montenegro.

“Como tem dito o senhor Presidente da República, até ao último minuto devemos fazer o esforço máximo para a viabilização do Orçamento do Estado. Estaremos disponíveis para poder dialogar com o PS sobre alguns aspetos que possam ser melhorados na perspetiva do PS”, garantiu Luís Montenegro. Resta saber até onde.

O que separa o atual IRS Jovem “do PS” do que propõe agora o Governo