Quase não chegou.
Nunca um Governo de coligação cumpriu os quatro anos da legislatura. E, mal a troika aterrou em Lisboa e o Governo foi formado, houve quem começasse a contagem decrescente para o fim da coligação. A profecia foi repetida durante os três anos de mandato e quase se concretizou a meio do caminho.
Será a coligação de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas capaz de resistir até 2015? Tudo indica que sim, mas quase não o foi. A meio do mandato, quase se partiu. E para aos últimos dois anos, PSD e CDS ficaram amarrados à força, depois de uma jogada política do primeiro-ministro: Passos Coelho não aceitou a “irrevogável” demissão de Paulo Portas, obrigando-o a recuar.
Nesta relação de forças, a percentagem de poder do CDS cresceu: “O pequeno partido numa coligação tem um poder muito mais significativo do que se pode pensar. O grande fica na mão do pequeno”, diz o politólogo António Costa Pinto. E o Governo também.
Mas no xadrez da crise política do verão de 2013 não há vencedores. Resultado prático: o CDS ganhou peso na coligação e ficou com pastas-chave, ao mesmo tempo que ficou do lado dos centristas o peso da culpa de uma crise política. Se a partir daquele momento a coligação rachasse, o PSD e Passos Coelho esgrimiriam os argumentos conseguidos pelas cedências dadas ao CDS.
Comece-se pelo início. Meses antes já Portas e Passos andavam às avessas com opções políticas, tudo desde a elaboração do Orçamento do Estado para 2013, que incluía o aumento da taxa social única (TSU) para trabalhadores e reduzia na mesma medida para as empresas. Paulo Portas foi contra e disse-o em frente aos microfones em plena Assembleia da República. Mais tarde, em entrevista à SIC, garantiu que o fez porque teve o “pressentimento que a sociedade sentiria como uma injustiça”. E sentiu. A manifestação fez recuar o Governo. Mas não acabou com os problemas na coligação. Antes pelo contrário.
O chumbo do Tribunal Constitucional ao corte nos subsídios dos funcionários públicos, em abril de 2013, deu gás a reivindicações do CDS. Os centristas queriam uma remodelação maior (depois do chumbo e da saída de Miguel Relvas, quase ao mesmo tempo) e seria contra a medida que Passos apresentou para tapar o buraco: a TSU dos pensionistas. Tudo em público.
Por essa altura, a troika estava na avaliação mais difícil, a sétima, a analisar as medidas substitutivas do Governo e chegou o dia 1 de Julho.
1 de Julho ou dia um da crise do Governo. Enquanto os jornalistas se reuniam com o Governo num novo modelo de comunicação – briefings diários, com os polémicos contratos swap em cima da mesa -, Vítor Gaspar, ministro das Finanças, pedia a demissão ao primeiro-ministro. O anúncio é feito no dia: Gaspar iria ser substituído por Maria Luís Albuquerque, que estava debaixo de fogo por causa, nem mais nem menos, do que do caso dos swaps contratados por empresas do Estado.
Dia 2 da crise ou dia 2 de Julho: Paulo Portas, então ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, apresenta a demissão que ficaria conhecida por “irrevogável”. Não o foi.
Depois deste ato público – a carta de demissão foi parar à redações –, Passos Coelho fez o que nenhum analista previu: não aceitou a saída de Portas do Governo e obrigou o CDS a fechar-se e a negociar a manutenção no Executivo. Paulo Portas explicaria mais tarde que tinha combinado com o primeiro-ministro a sua saída, mas a manutenção do CDS. Passos não aceitou e, numa jogada de xadrez, obrigou Portas a negociar.
Presente envenenado?
Não foi só Portas quem subiu na hierarquia do Governo. O CDS ganhou peso com a entrada de António Pires de Lima e ficou com algumas das principais pastas: Economia, diplomacia económica, Segurança Social, emprego e relações com a troika.
O acordo teve a bênção do Presidente da República, mas não de imediato. “Houve um conflito intra-coligação. E houve uma grande pressão da União Europeia, e em pequenos países como Portugal as instituições internacionais têm uma capacidade de pressão sobre a elite, e o Presidente da Republica também dificilmente permitiria que isso acontecesse”, analisa António Costa Pinto.
Mas Cavaco Silva fez o Governo esperar. Se não caiu com a demissão de Paulo Portas, podia ter ficado um Governo a prazo caso o PS tivesse assinado o compromisso de salvação nacional pedido pelo Presidente. Cavaco deu com uma mão e tirou com a outra: pedia ao PS que assinasse um acordo de médio prazo com o PSD e o CDS, ao mesmo tempo que prometia eleições antecipadas, caso o acordo fosse selado. Não foi e o Governo resistiu a mais uma possibilidade de fim.
Foram várias as pequenas grandes crises ao longo do mandato. O fim do Governo foi um prognóstico sobretudo da esquerda, que associou a personalidade e a história política de Paulo Portas, que já tinha rompido um acordo de coligação, à luta pela sobrevivência política própria e do CDS. Houve quem lembrasse que o partido não queria voltar a ser o partido do táxi nas legislativas, regulares ou antecipadas, e que a estratégia se jogava no passa-culpas. À esquerda, Francisco Louçã, ainda líder do Bloco de Esquerda, vaticinava que a política da coligação levaria a um segundo resgate e a eleições antecipadas porque a coligação iria partir-se.
Mas foi a crise política de 2013 que alastrou esta ideia à direita. Pedro Santana Lopes, que tinha liderado um Governo de coligação com Paulo Portas, traçava o destino fatal à coligação depois da desavença pública sobre a TSU dos pensionistas, em maio. “Esse espetáculo é inaceitável e, a continuar, com certeza que não terá bom desfecho”, dizia aos microfones da Renascença.
Apesar da continuação dos chumbos, os boatos de fim da coligação acalmaram desde há um ano. Houve ainda quem dissesse que Paulo Portas escolheria sair com o fim do programa de ajustamento ou da escolha do comissário português. O primeiro já aconteceu. Falta o segundo.
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A troika iria destruir o Estado social
Programa perfeito para reformas
Dinheiro da troika não era suficiente
Contestação social seria violenta