Os quatro novos secretários-adjuntos do Governo foram nomeados em regime de substituição, o que significa que ficam a ocupar os cargos antes de serem submetidos a concurso.
Ao contrário do secretário-geral do Governo, que é escolhido diretamente pelo primeiro-ministro — por nomeação política —, os secretários-gerais adjuntos têm de passar pelo concurso da Cresap (Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública). O regime de substituição tem sido criticado por permitir que dirigentes escolhidos pelos governos fiquem meses ou mesmo anos num cargo, a ganhar experiência e conhecimentos que lhes dão depois vantagem sobre outros candidatos quando o concurso é aberto.
Numa resposta enviada já depois da publicação deste artigo, o ministério da Presidência indicou que “não era viável” esperar por um concurso prévio dado que esse processo iria afetar o tempo de instalação da secretaria-geral do Governo. “Não era viável a dependência de um concurso prévio uma vez que a respetiva tramitação afetaria significativamente o tempo de instalação da Secretaria-Geral do Governo, a de 1 de janeiro de 2025. O Governo agiu de acordo com o previsto na lei ao fazer nomeações em substituição”, garante fonte oficial.
O lançamento dos concursos “depende da definição de uma carta de missão que deve ser preparada com o quadro legal de atribuições estabelecido”, que resultou do decreto-lei de julho que criou a orgânica da secretaria-geral, mas também dos diplomas que aprovam as extinções e fusões das várias secretarias-gerais “que têm decorrido ao longo das últimas semanas de forma gradual e que irão continuar a acontecer nas próximas”.
Os despachos que nomeiam os quatro novos secretários-gerais adjuntos já em funções foram publicados esta quinta-feira, 2 de janeiro, com efeitos desde o primeiro dia do ano, que marcou o arranque desta nova Secretaria-Geral. Ainda fica a faltar a nomeação de dois adjuntos, que acontecerá quando forem extintas outras secretarias-gerais que já têm um fim anunciado (faltam a das Finanças, Justiça, Educação, Saúde e Trabalho/Solidariedade/Segurança Social). E também está por nomear o secretário-geral, depois da desistência de Hélder Rosalino, nome que deverá ser anunciado “proximamente”, segundo o Governo. Mas sem concurso, já que, como explicou António Leitão Amaro, ministro da Presidência, ao Negócios, em julho, trata-se de um cargo com um “nível de responsabilização política relevante” considerando, assim, que “é legítimo haver um vínculo de confiança política adicional”.
Três dos novos adjuntos vêm de secretarias-gerais (um como secretário-geral e dois como secretários-gerais adjuntos) e uma quarta dirigente chega do Tribunal de Contas, onde era auditora-chefe. Filipe Pereira era secretário-geral adjunto da Presidência do Conselho de Ministros, assim como Maria de Fátima Ferreira; João Rolo era secretário-geral do Ministério da Economia, em regime de substituição; e Mafalda Lopes dos Santos era auditora-chefe do departamento de estudos, prospetiva e estratégia, na área de investigação e gestão do conhecimento, no Tribunal de Contas.
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À luz da Tabela Remuneratória Única (TRU), um secretário-geral ministerial auferia, em 2024, cerca de 4.009 euros brutos e um adjunto do secretário-geral tinha um salário a rondar os 3.408 euros. Com o decreto-lei que criou a orgânica da Secretaria-Geral do Governo, publicado em julho, ficam a ganhar mais nas novas funções. Esse decreto prevê um ordenado para os secretários-gerais adjuntos de 85% da base remuneratória do secretário-geral — que, à luz daquela lei, deveria auferir cerca de 4.884,45 euros, a posição 80 da TRU. Logo, irão ganhar 4.151 euros, mais 20% em despesas de representação (830 euros).
Ao cargo de secretário-geral adjunto aplica-se o decreto-lei de julho. E porque é que no caso de Hélder Rosalino se aplicaria, se a nomeação tivesse avançado, o polémico decreto-lei de 26 de dezembro que mudou as regras da remuneração da Secretaria-Geral, permitindo que optasse pelo salário de origem (cerca de 15 mil euros) sem o limite do salário do primeiro-ministro? Porque esse mesmo decreto de dezembro estabelece que só há possibilidade de optar “desde que para tal seja expressamente autorizado no respetivo ato de designação“. Já os despachos de nomeação dos novos dirigentes nada dizem a esse respeito.
No caso de Mafalda Lopes, e também de acordo com a TRU, um auditor-chefe recebe 5.202 euros brutos, pelo que a diferença entre a regra do decreto-lei de julho e o salário de origem seria pouco expressiva, ao contrário do que aconteceria com Hélder Rosalino, se a nomeação tivesse ido adiante (cerca de seis mil versus cerca de 15 mil).
A polémica com a nova Secretaria-Geral — composta por um secretário-geral e seis adjuntos — começou quando, a 26 de dezembro, o Governo usou o decreto-lei que extingue a Secretaria-Geral do Ministério da Economia para alterar as regras remuneratórias aplicadas aos elementos da nova entidade. Passou a permitir que os dirigentes possam optar pela remuneração de origem em entidades públicas, desde que com autorização e sem o limite do salário do primeiro-ministro. Esta alteração foi criticada pela oposição como tendo sido feita à medida de Hélder Rosalino, que auferia uma remuneração de pouco menos de 15 mil euros no Banco de Portugal como consultor da administração (cargo onde ficará após a desistência da transição para secretário-geral do Governo).
Há limites ao salário? Discussão jurídica divide especialistas
Há uma questão que não parece consensual em termos jurídicos: se uma lei de 1988 pode limitar o salário do secretário-geral do Governo.
O limite do “vencimento base do primeiro-ministro” para os salários de dirigentes está previsto no estatuto do pessoal dirigente, de 2005. O novo (e polémico) decreto-lei do Governo afasta este limite instituído em 2005 com a criação de uma exceção, que tem de ter expressa autorização. Mas, como o Observador escreveu, há um outro limite, previsto numa lei de 1988 ainda em vigor: “75% do montante equivalente ao somatório do vencimento e abono mensal para despesas de representação do Presidente da República”. Este limite, que se traduz em cerca de nove mil euros, é superior ao previsto no estatuto do pessoal dirigente, na medida em que abrange no cálculo dos 75%, em conjunto, o vencimento e o abono de despesas de representação.
“Parece que mesmo excecionando, através de expressa autorização, permitindo-se ultrapassar o salário do primeiro-ministro, continuaria a existir o limite máximo estabelecido na lei de 1988 porque é um limite superior”, sintetizou, na altura, Rui Lanceiro, professor auxiliar na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e especialista em direito público, ao Observador. Tanto a lei de 1988 como o estatuto de pessoal dirigente estabelecem que prevalecem sobre outras disposições gerais ou especiais, mas Lanceiro entende que “só a Constituição pode estabelecer que leis têm valor reforçado — o legislador não pode atribuir às leis que produz esse valor (artigo 112.º, n.º 5, da Constituição)”, pelo que este tipo de “cláusulas incluídas em algumas leis ou é inconstitucional ou é irrelevante — pelo que não entra na equação”.
Jane Kirkby, sócia da Antas da Cunha Ecija, concorda que o limite de 1988 se impõe: “O pessoal dirigente superior da Secretaria-Geral que seja trabalhador com vínculo de emprego por tempo indeterminado previamente constituído, de natureza pública ou privada, com entidades ou pessoas coletivas públicas, pode optar a todo o tempo pelo estatuto remuneratório correspondente ao posto de trabalho ou categoria detidos na origem, desde que para tal seja expressamente autorizado no respetivo ato de designação, sem sujeição ao limite do vencimento base do primeiro-ministro, mas com sujeição às regras da Lei n.º 102/88, de 25 de agosto“, defende, ao Observador.
Outra opinião tem Luís Graça Nunes, advogado da Santiago Mediano e Associado: o quadro legal atual permite as remunerações fixadas no decreto-lei de 26 de dezembro, ou seja, Hélder Rosalino poderia ter auferido cerca de 15 mil euros por mês, mais do que o primeiro-ministro e o Presidente da República. “É verdade que a Lei n.º 102/88, de 25 de agosto prevê um limite às remunerações dos titulares de cargos políticos (…) mas esta não é uma lei de valor reforçado, pelo que qualquer ato legislativo posterior pode derrogá-la, como acontece com o Decreto-Lei 114-B/2024 de 26 de dezembro e com o Estatuto do Pessoal Dirigente da Administração Pública”, argumenta. Entende, mesmo, que a discussão “se deverá concentrar no plano político” sendo “relativamente pacífica do ponto de vista jurídico“.
Apreciação parlamentar avança
Um dos tentáculos da polémica foi quem pagaria o salário de Hélder Rosalino: se o Governo, se o Banco de Portugal. Esta questão levou a uma troca de comunicados entre as duas entidades. Começou com o banco central a garantir que não iria assumir “qualquer despesa relativa à remuneração” do secretário-geral do Governo tendo em conta as regras do Eurosistema sobre a proibição de financiamento monetário. E que caberia “inclusive” à Secretaria-geral reembolsar o Banco de Portugal das contribuições sociais pagas.
Como o Observador escreveu, é relativamente frequente o Banco de Portugal prescindir de quadros que vão, por alguns anos, trabalhar para outros reguladores ou para órgãos do governo. Em alguns desses casos, por uma questão de facilidade burocrática, o pagamento do salário e das contribuições para o fundo de pensões (entre outras) continuam a ser feitas pelo Banco de Portugal, que depois recebe um reembolso da entidade ao serviço do qual o trabalhador está, neutralizando assim os riscos de se incorrer numa violação das regras do financiamento monetário.
No comunicado em que anuncia a desistência de Hélder Rosalino, o Governo acusa o Banco de Portugal de ter criado uma “complexidade indesejável“. “A recusa do Banco de Portugal de continuar a pagar o salário de origem não impedia a poupança de recursos públicos, mas criou uma complexidade indesejável”, afirmou. Ficou por esclarecer se a solução que o Governo queria passava por pôr o Banco de Portugal efetivamente a comportar a despesa com o salário de Hélder Rosalino ou se passava por reembolsar a entidade desses pagamentos.
O que é certo é que o decreto-lei que retira o limite do salário do primeiro-ministro aos elementos da secretaria-geral continua em vigor, com ou sem Hélder Rosalino no cargo. Pelo que em tese é ainda possível a contratação de alguém com um salário superior ao do primeiro-ministro.
Hélder Rosalino desiste de ser secretário-geral do Governo. Montenegro culpa Centeno
O PS e o Chega já anunciaram que vão pedir a apreciação parlamentar do decreto-lei, uma via de fiscalização parlamentar da atividade legislativa do Governo que permite ao Parlamento mudar ou eliminar decretos-leis.
No pedido submetido pelos socialistas, o PS também chamou a atenção para o facto de o novo decreto-lei, de 26 de dezembro, determinar que o cálculo da retribuição ou do estatuto remuneratório se faz pela média efetivamente [percebida] durante o ano anterior à data do despacho de designação, o que, consideram, carece de fundamentação.
Artigo atualizado com resposta do Ministério da Presidência