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“A Grécia está, finalmente, de volta ao bom caminho”, proclamou na semana passada Jean Claude Juncker. As palavras do presidente da Comissão Europeia surgiram no mesmo dia em que Bruxelas fez um retrato negro das perspetivas económicas do país. Um retrato que contrasta com o otimismo das previsões traçadas há exatamente um ano, antes do annus horribilis que começou com a queda do governo de Antonis Samaras, passou por um confronto aberto entre Atenas e credores e culminou com bancos fechados, novas eleições e um novo resgate – o terceiro. Agora, a economia grega voltou aos cuidados intensivos mas acredita-se que o pior já passou. Quanto falta, porém, para se voltar onde se estava há um ano?
Os ministros das Finanças do Eurogrupo não chegaram na segunda-feira a acordo para que a Grécia possa receber a tranche de dois mil milhões de euros que deveria ter sido entregue a Atenas no mês passado. Atrasos na aprovação das medidas associadas ao terceiro resgate fizeram atrasar o desembolso, algo que tem passado relativamente despercebido porque a crise grega se afastou do topo da atualidade após as últimas eleições. O Observador aproveitou a ocasião para pedir um ponto de situação a Gikas Hardouvelis, o último ministro das Finanças grego antes da subida ao poder de Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis, no início do ano.
O académico e político independente, que foi ministro pelo Nova Democracia entre junho de 2014 e janeiro de 2015, diz que há um ano a Grécia era um país completamente diferente do que é hoje. “Agora, as pessoas estão pessimistas. Em 2014, o ânimo era totalmente o oposto, havia uma evolução positiva no investimento e no sentimento económico, o que era visível em indicadores económicos como o PMI”, diz Gikas Hardouvelis.
O PMI de que fala Hardouvelis é um dos índices mais utilizados pelos economistas e investidores para antecipar a evolução das economias. A sigla significa purchasing managers’ index (índice de gestores de compras) e trata-se de um índice que tem na fasquia dos 50 pontos a fronteira entre a previsão de que a atividade económica deverá expandir-se ou contrair. O índice recuperou a passos largos ao longo de 2013 e esteve em terreno positivo na primeira metade de 2014.
Porém, e apesar dos dados promissores na economia, quando se perspetivou a queda do governo de Antonis Samaras e Gikas Hardouvelis, a partir do outono de 2014, a tendência mudou. E, já em 2015, no verão quente que quase viu a Grécia sair da zona euro, o índice PMI para a indústria grega teve uma quebra inédita, para cerca de 30 pontos. Em qualquer lado do mundo, isso são péssimas notícias. E o índice ainda está a uma distância considerável de chegar aos 50 pontos, como se pode ver neste gráfico da Bloomberg.
2015. O ano (que era suposto ser) da retoma na Grécia
“Depois de seis anos de recessão, 2014 deverá ser o ponto de viragem para a Grécia”. Esta era a expectativa da Comissão Europeia em novembro de 2014, que mantinha a confiança (ou seria a pressão?) numa altura em que o governo de Antonis Samaras e do partido Nova Democracia já estava a tremer e Alexis Tsipras e o Syriza se posicionavam para tomar o poder nas eleições que viriam a ser agendadas para final de janeiro.
Bruxelas já avisava que “a incerteza política” que tinha começado no final do verão poderia penalizar o investimento. Mas, ainda assim, a Comissão Europeia apontava para uma taxa de crescimento do PIB em 2015 de 2,9% e de 3,7% em 2016. Agora, as últimas previsões colocam a taxa de crescimento destes dois anos em terreno negativo (-1,4% em 2015 e -1,3% em 2016). Só em 2017, diz Bruxelas, a taxa de crescimento do PIB – estimada em 2,7% – se aproximará do valor que se previa para 2015.
Pode verificar o azedar das projeções económicas, no espaço de apenas um ano, na infografia interativa abaixo. (Nota: em novembro de 2014 não havia previsões para 2017)
“Custos enormes” e uma “recessão desnecessária”
Gikas Hardouvelis, que entregou a pasta das Finanças na Grécia a Yanis Varoufakis, diz que ainda “são enormes os custos” da eleição do Syriza e, logo de seguida, do confronto com os credores. O país caminhou para um terceiro resgate que parecia ser um risco pouco provável no início de 2014. Depois de tudo o que se passou, “as pessoas agora já se apercebem das promessas vazias que lhes foram feitas”, diz Hardouvelis. Mas o que explica, então, que um regenerado Alexis Tsipras e um expurgado Syriza tenham voltado a ganhar as eleições, em setembro? “Apesar dessas promessas vazias, muitas pessoas ainda culpam os governos anteriores e poderá demorar algum tempo até que a raiva das pessoas se vire para este governo”, afirma o ex-ministro grego, ao Observador.
Os anos de 2015 e, a confirmarem-se as previsões, 2016 serão anos marcados por uma “recessão desnecessária” que ninguém previa e que Gikas Hardouvelis não tem dúvidas estar relacionada com a governação do partido de esquerda radical. A recessão trouxe “perda de rendimentos e deterioração dos padrões de vida”. Trouxe, também, “um colapso do valor dos bancos e a necessidade de mais uma recapitalização para o setor, por força do aumento do crédito em incumprimento e da subida da dívida pública”. O pior, contudo, na opinião de Hardouvelis é a “perda de credibilidade que implica uma quebra no investimento externo”, mesmo sendo agora menores os receios de saída da zona euro, vulgo Grexit.
Bruxelas fala em efeitos “duradouros” para a economia
A “incerteza elevada” que marcará para sempre 2015 na História grega não será fácil de esquecer, diz Bruxelas. No relatório divulgado na semana passada, a Comissão Europeia falou em “efeitos duradouros para a economia, que deverá continuar em recessão em 2016″. Os economistas da Comissão falam em “congelamento do investimento”, “fraca disponibilidade de crédito” e uma “inversão da tendência de diminuição do desemprego”. Pontos positivos? “O setor do turismo teve um desempenho excecional pelo segundo ano consecutivo”, diz Bruxelas.
Talvez a taxa de desemprego volte a descer a partir de 2017, estima a Comissão Europeia, se “houver uma execução do programa concebido pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade [o terceiro resgate] e isso levar a uma recuperação na confiança e no investimento. Talvez a taxa de crescimento do PIB saia de terreno negativo em meados de 2016, ainda que na análise anual só em 2017 se pode esperar um crescimento positivo. Talvez o défice público desça para 3,6% em 2016, um ano em que antes se previa um superavit de 1,2%.
Ainda assim, porta-voz da Comissão Europeia diz que “todos os dias estão a fazer-se progressos na Grécia”, apesar de as eleições de setembro e alguma hesitação interna terem levado a atrasos na aprovação das medidas necessárias para que continue a fluir financiamento europeu para Atenas.
Esse financiamento é crucial porque a perceção de risco dos investidores ainda é muito negativa. Apesar de os receios em torno da Grécia, espelhados nos juros da dívida que circula no mercado, terem diminuído em relação ao caos do verão, os investidores continuam a exigir um prémio de risco de quase 700 pontos base para comprar dívida grega em detrimento de dívida alemã. Esse spread é calculado subtraindo à taxa de 7,7% pedida pelos investidores para comprarem (a outros investidores) dívida grega a 10 anos o juro de 0,7% que a Alemanha paga se financiar no mesmo prazo.
Por outras palavras, os mercados continuam fechadíssimos para que a Grécia possa emitir nova dívida, numa altura em que também os bancos locais estão ligados à máquina da liquidez de emergência do Banco Central Europeu (BCE). Mais um contraste: em abril de 2014 a Grécia conseguiu colocar três mil milhões de euros em dívida a cinco anos, algo que foi, na altura, um passo decisivo do que se previa ser um caminho de regresso aos mercados semelhante ao que fora trilhado por Portugal e Irlanda.
A agência Moody’s, que tem um rating nove níveis abaixo da fronteira que separa o trigo do joio, não está à espera que os riscos de uma saída da Grécia da zona euro não deverão aumentar em 2016. Mas o monstro da Grexit pode “voltar a mostrar a sua cabeça” no próximo ano, receia Alastair Wilson, diretor da área de risco soberano da Moody’s, porque os cidadãos continuam “ambivalentes” quanto às reformas que constam de um memorando que o primeiro-ministro Alexis Tsipras prometeu “executar apesar de não acreditar nas medidas”.
Dificuldades são “preço a pagar”, dizia Varoufakis
Os níveis de popularidade de Alexis Tsipras estão longe do que eram no início do ano, mas o primeiro-ministro grego conseguiu revalidar a maioria absoluta para a coligação que lidera. Isto apesar das dificuldades económicas que o seu antigo ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, dizia que eram um “preço a pagar” pelo que seria conseguido posteriormente. Mas a estratégia não teve o melhor resultado, algo comprovado pelos termos do novo resgate e pela demissão de Varoufakis, pelo que a prioridade para Alexis Tsipras é, nesta altura, obter um compromisso do lado europeu para uma renegociação da dívida – fator crucial para que o FMI salte a bordo do terceiro resgate.
Além disso, Alexis Tsipras prometeu melhorar as condições de vida dos cidadãos – o que estará ainda por se comprovar – e combater a corrupção e o “Estado clientelista” ao qual o Syriza fez juras de morte. Será que a esse nível se veem melhorias? “Não, de modo algum”, diz Gikas Hardouvelis. “Aliás, considero que já se tomaram medidas que reduzem a transparência, já que o novo governo praticamente aboliu a obrigatoriedade de registo online de todas e quaisquer medidas governamentais que envolvam despesas orçamentais”, acusa o ex-ministro das Finanças de Antonis Samaras.
“É fácil encontrar pecadores em vários locais, não só em Atenas”
Thanos Veremis, professor Emérito de História Política da Universidade de Atenas, tem uma visão muito crítica do governo Syriza e dos danos que a sua estratégia causou à economia. “Infelizmente o nosso governo tem um problema em ajustar-se à realidade. É um governo composto por amadores que não compreendem o grau do falhanço grosseiro que foram as chamadas negociações com a União Europeia ao longo dos primeiros sete meses de 2015”.
“Ainda que a coligação dos partidos da Nova Democracia e do PASOK não tenha sido brilhante, pelo menos fizeram um trabalho melhor do que o Syriza, basta olhar para esta estagnação” da economia, afirma Thanos Veremis. Um exemplo? “A austeridade deixou de ter fim à vista e os impostos aumentam, aparentemente, todos os dias”, nota o académico, acrescentando que “o Syriza atraiu muitas vítimas da crise, mas não fez nada para aliviar o fardo que elas carregam”.
Uma posição mais compreensiva sobre o que chama a “aventura do Syriza” tem Kevin Featherstone, professor de Estudos Gregos e Política Europeia na London School of Economics (LSE). “O governo de Alexis Tsipras tentou causar uma alteração tectónica na política económica europeia, em apenas alguns meses. Infelizmente, a sua abordagem diplomática foi fundamentalmente errada e rapidamente perderam credibilidade. Agora, resta-lhes aplicar políticas nas quais não acreditam, o que é mais uma razão para questionar a sua credibilidade”.
Ao Observador, o investigador académico diz que “depois da aventura, contudo, a Grécia está mais perto de voltar aos eixos do que estava há alguns meses”. “Portanto, a Europa tem a obrigação de ajudar a Grécia a fazer esse caminho. É fácil encontrar pecadores em vários locais, não só em Atenas”, remata Kevin Featherstone.