910kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Economic Situation In Russia
i

O McDonald's foi uma das empresas estrangeiras a deixar o mercado russo, fazendo disparar a procura por hambúrgueres

Getty Images

O McDonald's foi uma das empresas estrangeiras a deixar o mercado russo, fazendo disparar a procura por hambúrgueres

Getty Images

Hambúrgueres, medicamentos e telemóveis com apps que ficaram indisponíveis. No mercado paralelo russo, procura-se o que já não há nas lojas

Molhos do McDonalds por 240 euros, pensos higiénicos por 40. Na Internet russa, vende-se agora tudo o escasseia no mercado, incluindo medicamentos para doenças graves. E este é só o início da crise.

Mais de 400 empresas estrangeiras deixaram a Rússia desde o início da guerra. E se dois meses não chegam para afundar o país numa carestia de produtos básicos, a verdade é que o mercado paralelo está em ebulição. Online vendem-se ao dobro do preço produtos importados tão triviais como tampões e pensos higiénicos, mas também medicamentos e até moeda estrangeira.

“Nunca pensei ver estes produtos à venda aqui”, comenta a tradutora do Observador, enquanto passa os olhos pela página do Avito, um site de vendas online, semelhante ao OLX. O que salta à vista não são roupas de marca nem eletrodomésticos nem mobílias, coisas que dominam habitualmente estas plataformas. O que espanta um utilizador russo é a presença de 10 caixas de tampões da marca o.b., à venda por 35 euros, mais do dobro do preço normal. “Levo-os a qualquer estação de metro”, pode ler-se no anúncio.

Os produtos de higiene feminina são dos que mais encareceram online, por faltarem nas prateleiras dos supermercados. Nem sempre quem vende tenta especular, mas há casos extremos, como uma única embalagem de 20 pensos higiénicos à venda por 40 euros. E estes não são casos únicos: o número de anúncios no Avito subiu 40% em março, com os utilizadores a concentrarem-se maioritariamente em Moscovo e São Petersburgo.

Entre os produtos mais insólitos à venda desde o início da guerra estão molhos e hambúrgueres do McDonalds, uma das marcas estrangeiras mais emblemáticas a deixar a Rússia. É possível comprar 41 cheeseburgers congelados por cerca de 60 euros, ou três McRoyal Deluxe, também congelados, por 48 euros (o preço inicial era de 54 euros, mas acabou por baixar). “Sem negociação. Se tentar negociar será bloqueado. Ou vendo por este preço ou comemos nós”, indica a descrição. Este vendedor explica que, como o produto está congelado, não pode ser enviado pelo correio. “Vai descongelar e perder qualidade. Portanto, venha buscar pessoalmente no endereço indicado ou faça um pagamento antecipado e posso enviar por Yandex”, diz, referindo-se a um serviço de entregas, como a Bolt ou Uber.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Mas são os molhos, com longos prazos de validade, que atingem valores mais exorbitantes: uma única embalagem de molho agridoce está à venda por quase 240 euros — o anúncio foi colocado a 12 de abril.

“O mercado negro não é muito grande ainda porque não passou muito tempo, mas no final da primavera vamos ver muito contrabando.”
Grigory Mashanov, Transparency Internacional Rússia

Outro produto inédito que faz sucesso nas vendas online: iPhones (que só por si estão muito mais caros porque a Apple deixou o mercado russo) com aplicações já instaladas. Em particular, procuram-se muito telefones com aplicações de bancos — a do Sberbank é das mais requisitadas — mas também de redes sociais como o TikTok, ou serviços como a Spotify. São aplicações que deixaram de existir na App Store: a dos bancos devido às sanções, as outras porque as empresas deixaram o país. O jornal russo Octagon dá como exemplo um iPhone 12 Pro, com a aplicação do Sberbank instalada, à venda por cinco milhões de rublos (cerca de 60 mil euros). Em Pyatigorsk, no sul da Rússia, propõe-se a venda de um iPhone 13 Pro por 1,5 milhões de rublos (quase 18 mil euros) e em Belgorod um pessoa está disposta a desfazer-se de um iPhone 11, comprado há um mês, por 320 mil rublos (3.800 euros).

Há ainda à venda no Avito subscrições para serviços de entretenimento como Spotify, iTunes e Netflix, que deixaram de estar disponíveis, mas com o aviso: contacte o mais rapidamente possível, porque o Avito vai em breve bloquear o anúncio.

A woman looks at empty shelves in a supermarket in Moscow.

As prateleiras vazias, efeito das sanções aplicadas à Rússia, levaram os clientes para formas paralelas de chegar aos produtos de que precisam — ou que desejam ter

SOPA Images/LightRocket via Gett

O aumento das vendas online é, dizem os especialistas, a ponta de um icebergue. “Só estamos em guerra há dois meses, ainda há bens armazenados, muita coisa está ainda disponível. Diria que daqui a uns meses vamos ter grandes problemas de abastecimento”, explica ao Observador Grigory Mashanov, especialista da Transparency Internacional na Rússia. A venda de produtos em sites como o Avito é, na generalidade, legal, mas Mashanov acredita que vai haver, em breve, uma transição para o comércio ilegal. “O mercado negro não é muito grande ainda porque não passou muito tempo, mas no final da primavera vamos ver muito contrabando”, antecipa.

Há um produto, em particular, cujo preço quintuplicou: o papel. Não é papel higiénico, mas papel de impressora, papel para escrever, papel para livros e cadernos, cuja matéria-prima vinha da Finlândia. “500 folhas custavam 4 ou 5 euros, agora custam 20 euros. Ainda existem à venda, mas muito mais caras. As pessoas estão, por isso, a poupar papel. Por exemplo, nas escolas, os testes agora são online e não em papel, porque há falta desse material e o que está disponível no mercado ficou demasiado caro. As escolas foram aconselhadas a não imprimir nada”, explica Mashanov.

Mercado negro de medicamentos nas redes sociais

Nem todo o comércio online de bens que escasseiam nas lojas é feito de forma legal. No topo das preocupações dos russos está o desaparecimento de alguns medicamentos das farmácias — e aqui a venda online não é autorizada.

A Radio Free Europe dava conta, no final de março, de denúncias de três mil médicos que diziam que mais de 80 medicamentos tinham desaparecido, ou quase: insulina, medicamentos para os diabetes, para a tiroide, anti-inflamatórios, anti-epiléticos, anti-convulsivos, antidepressivos e contracetivos orais.

"Sei que há muita dificuldade em obter medicamentos para epilepsia, por exemplo, e também para tiroide. Os medicamentos desapareceram. E se as pessoas não os encontram nas farmácias, vão procurar online.”
Grigory Mashanov, Transparency Internacional Rússia

Os produtos farmacêuticos não foram alvo de sanções, mas escasseiam por motivos laterais. Muitos fabricantes reduziram as operações, como ensaios clínicos ou produção de fármacos na Rússia, e o transporte destes produtos está fortemente condicionado. Apesar dos esforços do Kremlin para tornar o setor auto-suficiente, cerca de 70% dos medicamentos vendidos na Rússia são importados do Ocidente, ou fabricados na Rússia por empresas ocidentais.

A escassez é também impulsionada pelo açambarcamento que se verificou nas semanas após o início da guerra, com o regulador russo a alertar para um crescimento exponencial do mercado negro de medicamentos.

Nikolay não consegue medicamentos, Olga está sem ajuda da mãe e Larisa e Pavel temem a perseguição política. Como os russos vivem a guerra

“Muitos compostos químicos são importados e as farmácias não conseguem comprar, porque apesar de esses produtos não estarem sancionados, não há entregas. Sei que há muita dificuldade em obter medicamentos para a epilepsia, por exemplo, e também para a tiroide. Os medicamentos desapareceram. E se as pessoas não os encontram nas farmácias, vão procurar online”, explica o especialista da Transparency Internacional.

De facto, apesar de ser ilegal, há dezenas de grupos online, em plataformas como o Telegram, a vender ou dar medicamentos. Mas aqui, talvez devido à ilicitude do ato, os preços são ocultados. No grupo “Medicamentos, comprimidos na cidade de Tomsk”, de uma cidade siberiana, encontram-se fármacos para a hipertensão, desparasitantes e até medicamentos usados para tratar cancro no estômago e nos rins — estes últimos disponíveis sem qualquer custo.

Na rede social VK, uma espécie de Facebook russo, vende-se Monurol, um antibiótico para tratar infeções urinárias, e Mirena, um dispositivo intrauterino usado como contracetivo. E há ainda quem se disponibilize a fazer negócio além-fronteiras. “Qualquer medicamento enviado da Bielorrússia que já não está à venda na Rússia, envio por correio”, pode ler-se. Ninguém quis, no entanto, responder a perguntas do Observador sobre os motivos para a compra ou venda de medicamentos, e tão pouco quiseram avançar com valores.

Apesar de a venda online de medicamentos ser ilegal, muitos tentaram fazê-lo não só em grupos anónimos de redes sociais, mas também através do Avito. O caso atingiu tal proporção que o Ministério de Saúde viu necessidade de intervir.

Numa entrevista ao jornal russo Gazeta, o vice-presidente da Comissão de Proteção da Saúde da Duma (Parlamento russo), Tumusov Fedot Semenovic, alertou que este tipo de negócio pode ter consequências criminais para o vendedor: “Os medicamentos são uma mercadoria especial. A sua venda só pode ser feita com uma autorização especial, uma licença. Ou seja, só podem ser vendidos por instituições especializadas, as farmácias. Se uma pessoa os vende sem obter autorização especial, é claro que viola a lei. Isso pode ser processado, no mínimo, como negócio ilegal. Esta questão deve ser tratada pelas agências de aplicação da lei”.

Apesar do alerta, o deputado admitiu que a revenda de medicamentos não serve apenas para alimentar os que querem lucrar com a crise. “Às vezes, para uma pessoa que precisa de tratamento, essa é a única maneira de obter medicamentos. Entendemos que há um medicamento que é necessário para alguém, e para outra pessoa é supérfluo. E, de alguma forma, é preciso garantir que esse extra chega a quem precisa”, disse. Mas essa é “uma questão muito complexa, que não está regulamentada”, e sem solução à vista, o deputado deixou apenas um apelo: “Pessoal, não comprem remédios a pensar no futuro”.

Câmbios ilegais para salvar as poupanças

Quando se fala de mercado negro na Rússia, os especialistas são rápidos a identificar o principal bem transacionado: dinheiro.

Com o início da guerra, o governo suspendeu a compra de moeda estrangeira e o rublo afundou para mínimos históricos, levando os russos a temer pelas suas poupanças. Imediatamente, multiplicaram-se os grupos de compra e venda de euros e dólares. Uma pesquisa no Telegram pelo termo “Troca de dinheiro” revela uma dezena de resultados. No grupo “Troca de dinheiro região de Moscovo”, a 20 de abril viam-se anúncios como “Vendo 10 mil euros. Sugestões por mensagem privada” e “Compro 3.700 dólar por 84”, significando que a taxa de câmbio era de 84 rublos por 1 dólar.

Alguns grupos vão sendo extintos, à medida que as autoridades os detetam. É o caso do “T-Exchange”, que a 2 de abril apresentava as suas taxas de câmbio e as comparava aos valores oficiais da altura: vendiam 1 dólar por 99.98 rublos, numa altura em o Banco Central cobrava 93.44 rublos. Os euros eram mais caros: oficialmente, 1 euro valia 103.2 rublos, mas no “T-Exchange” estava à venda por 110.42 rublos. Nestes grupos não é possível deixar mensagens públicas, com o negócio a ser concretizado através de uma mensagem para um ‘bot’, um robot. A entrega do dinheiro é habitualmente feita em mão.

Economic Situation In Russia

Efeito colateral da guerra: o rublo sofreu um pesado rombo nos mercados internacionais

Getty Images

Os valores variam, até porque a taxa fixada pelo Banco Central está também sempre a mudar. Mas, regra geral, tenta-se fazer negócio. “Podemos falar de mercado negro na troca de moeda. Quando a taxa de câmbio era de 80 rublos por dólar, no mercado negro era 100, ou 110, portanto mais uns 40%”, explica Grigory Mashanov.

Desde dia 18 de abril que já é possível, tecnicamente, comprar divisa estrangeira, mas os próprios bancos só foram autorizados a fazê-lo a partir de dia 9. Na prática, não há muito dinheiro disponível para trocar. “Não é muita moeda, e pelo que sei a maioria dos bancos ainda não começou esta venda, mas oficialmente é possível. Alguns bancos estão a vender dinheiro, mas a taxa varia da do banco central. Não é lucrativo”, explica o especialista da Transparency Internacional.

“Há pânico, as pessoas estão a tentar preservar as suas poupanças, têm medo do que pode acontecer, porque está tudo cada vez mais caro na Rússia e a inflação vai ser 30 ou 40% este ano."
Grigory Mashanov, Transparency Internacional Rússia

Mashanov acredita que, apesar de alguns “traders” estarem a tentar fazer lucro, a maioria dos que compram dinheiro por estas vias está apenas a tentar salvar as poupanças de uma vida. “Há pânico, as pessoas estão a tentar preservar as suas poupanças, têm medo do que pode acontecer, porque está tudo cada vez mais caro na Rússia e a inflação vai ser 30 ou 40% este ano. Mesmo se o rublo se mantiver na taxa que está agora, no final do ano vai ter perdido 30 ou 40% do valor por causa da inflação”, explica.

Criptomoeda, uma solução, mas por quanto tempo?

Para contornar as dificuldades na troca de dinheiro, e em retirar capitais do país, muitos russos têm recorrido às criptmoedas. Em finais de março, os rublos investidos em Bitcoin tinham aumentado 260%, em comparação com o período pré-guerra.

“As criptomoedas são um espaço muito desregulado. As pessoas que já tinham cripto-contas antes disto — algumas moedas ainda permitem a compra com rublos —, usam rublos para comprar Bitcoin, e depois vendem a Bitcoin por uma moeda estável ligada ao dólar. Em seguida, tentam contornar os controlos de capitais através da Geórgia , do Dubai ou da Turquia”, explica ao Observador Maximilian Hess, investigador do Foreign Policy Research Institute.

O aumento das transações foi de tal ordem que o próprio governo russo avançou com a possibilidade de a criptomoeda passar a ser reconhecida como propriedade, obrigando os russos a reportar as transações efetuadas ao fisco. O executivo esperava arrecadar assim mais 20 mil milhões de rublos em receita fiscal.

Mas além de poderem deixar de ser um negócio lucrativo, as criptomoedas podem também estar prestes a deixar de ser opção para quem tente contornar as regras do Kremlin para impedir a saída de capitais. Esta semana, os Estados Unidos impuseram pela primeira vez sanções a uma empresa de mineração de criptomoedas russa, a BitRiver, e, a pedido da Ucrânia, os aliados admitiram sancionar as criptomedas na Rússia. “Estamos a tomar medidas, em particular nas criptomoedas ou cripto ativos para que não possam ser usados para contornar as sanções financeiras decididas pelos 27 Estados-membros”, afirmou Bruno Le Maire, ministro da Economia francês.

Novas sanções dos EUA contra a Rússia atingem pela primeira vez uma empresa de mineração de criptomoedas

Seja através de moedas virtuais, ou de câmbios ilícitos, a tendência é que os russos tenham de recorrer cada vez mais ao mercado negro para obterem aquilo de que precisam, dadas as expectativas de aumento de sanções e consequente dano na economia russa. “Vai importar-se muita coisa ilegalmente, e vai tudo parar na venda online”, comenta Grigory Mashanov. Aos que ficam no país resta manter a fé na Internet.

* Com Larisa Tovmasyan

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.