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De acordo com os dados da Pordata, o Centro é a segunda região do país com uma maior percentagem de idosos (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)
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De acordo com os dados da Pordata, o Centro é a segunda região do país com uma maior percentagem de idosos (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

De acordo com os dados da Pordata, o Centro é a segunda região do país com uma maior percentagem de idosos (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Idosos, muitos lares e redução das camas em hospitais. Porque é que a Covid é mais mortal no Centro?

A aglomeração de idosos, a redução de camas hospitalares ou o crescimento de doenças associadas podem ajudar a explicar a maior mortalidade, que ronda os 5%. Lares ilegais são uma incógnita perigosa.

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Os números preocupam a Autoridade Regional de Saúde (ARS) daquela região: a taxa de mortalidade do Centro devido ao novo coronavírus é muito superior à média do país — ou seja, ali, a percentagem de infetados que morre devido à doença é maior. Nesta região, ronda os 5 % — quando a média nacional anda pelos 3%.

É verdade que a região do Algarve registou durante alguns dias uma taxa de letalidade superior à nacional — nas últimas duas semanas, variou entre os 3,48% e os 2,87% —, mas não era tão mais superior à média do país, nem é comparável com os valores do Centro e, desde o dia 14 de abril, passou a ser inferior à média nacional. Os números elevados da região Centro e a necessidade de os decifrar, segundo apurou o Observador, levaram até a ARS a pedir ajuda à Direção-Geral da Saúde. Afinal, por que razão o vírus é mais letal ali, em comparação com a média nacional?

Quando, na semana passada, Graça Freitas falou sobre estes valores, disse que descobrir a resposta a essa pergunta passava por “perceber como é que a demografia altera esta taxa”, bem como “a densidade populacional”, “a existência de lares e a quantidade de pessoas que está nestes lares”.

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Ainda assim, são apenas hipóteses e, ao que o Observador apurou, ainda não há conclusões oficiais. Aliás, os epidemiologistas da ARS Centro que estão a analisar esta taxa acreditam que o facto de a região ter uma população envelhecida pode ter alguma influência, mas não ser determinante: isto é, pode haver outras variantes que levam a esse resultado.

Quais? Ainda estão a ser estudadas e, por isso, a ARS não quer avançar com uma resposta. O Observador falou com vários presidentes de Câmaras Municipais de algumas cidades desta zona do país e olhou para as estatísticas da região. Afinal, o que tem o Centro para ter uma maior percentagem de vítimas mortais entre os infetados? A resposta pode estar na idade da população, na concentração de pessoas, no desinvestimento nos cuidados de saúde e também no crescimento de doenças que agravam os quadros da Covid — mas também pode estar na realidade dos lares ilegais, que ninguém conhece bem.

Centro tem uma população tão envelhecida como o Alentejo, mas está mais aglomerada

A média de idades das vítimas mortais no Centro é superior à nacional. Segundo explicou Graça Freitas em conferência de imprensa este sábado, na região, a média é de 83,5 — quando a nível do país é de 81.4. Ora, este valores, já de si podem dar uma pista para o porquê de a taxa de mortalidade ser maior no Centro: haver ali mais idosos.

De acordo com os dados reunidos na Pordata, uma base de dados desenvolvida pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, o Centro é de facto a segunda região do país com uma maior percentagem de idosos e com um maior índice de envelhecimento, ficando apenas atrás do Alentejo — mas com uma diferença muito pequena. Na população do Centro, 24,2% são pessoas com mais de 65 anos. No Alentejo, esse valor é ligeiramente maior, de 25,4%, mas a média nacional está nos 21,7%.

Já relativamente ao índice de envelhecimento, no Centro existem 197 idosos por cada 100 jovens — enquanto no Alentejo existem 201 idosos por cada 100 jovens. A nível nacional esse valor fica-se pelos 157 idosos por cada 100 jovens.

Na população do Centro, 24,2% são pessoas com mais de 65 anos (Rui Oliveira/Observador)

Rui Oliveira/Observador

Mas se o Centro e o Alentejo têm mais ou menos a mesma percentagem de idosos, a explicação para a maior taxa de mortalidade pode ser esta? Pode. Se é verdade que as duas regiões se assemelham nestes índices, também é verdade que se distanciam num: a densidade populacional. É que estas duas regiões podem até ter a população igualmente envelhecida — e por isso ter de lidar com uma população de risco —, mas o Centro tem uma densidade populacional três vezes superior à do Alentejo. O que significa que, no Centro, a população é mais idosa e está mais aglomerada — dois fatores que potenciam, respetivamente, os casos mais graves e uma maior propagação do vírus —, ao contrário do Alentejo, onde a população, apesar de idosa, está mais dispersa.

Por um lado, “há claramente uma esperança de vida maior nestas terras — o que também faz, por outro, com que, nesta fase, haja um acréscimo da mortalidade”, diz ao Observador o presidente da Câmara Municipal de Viseu, Almeida Henriques. E, quanto mais para o interior, pior. Ali, a população é “mais envelhecida em comparação com o litoral, onde há gente mais jovem”, considera o Presidente da Câmara da Guarda. Carlos Monteiro diz mesmo que o Centro interior é um “terreno fértil para efeitos nefastos da pandemia”. Guarda é o terceiro distrito da região com uma maior percentagem de idosos: 22,8%. Mais do que isso, só Coimbra com 25,3% e Castelo Branco com 25,5%.

Centro tem um terço dos lares do país. Mais de metade das mortes de utentes foram registadas ali

Um terço dos mortos em Portugal são utentes de lares ou instituições de idosos — e esta pode também ser a resposta para o facto de o Centro ter a maior taxa de mortalidade. Foi a própria Graça Freitas a admiti-lo esta segunda-feira: a justificação pode passar por o facto de esta região ter “uma grande densidade de lares e de população institucionalizada”. Também ministra da Saúde, na conferência de imprensa deste sábado, explicou que o Centro “é uma região que tem muitos lares de idosos e que tem uma população particularmente afetada pela Covid-19 em termos de estruturas residenciais de idosos”.

Cerca de um terço dos mortos em Portugal eram utentes de lares ou instituições de idosos

A verdade é que, segundo os dados mais recentes, de 2018, que constam na Carta Social, “à semelhança dos anos anteriores, a região Centro dispunha de mais de um terço das respostas em funcionamento para apoio à população idosa” — o que inclui estruturas residenciais, centros de dia e serviços de apoio domiciliário. Ou seja, quase 40% dos equipamentos sociais para idosos estão no Centro.

No que diz respeito apenas a lares de idosos (e não centros de dia e serviços domiciliários), dos 2.418 que existem no país, 780 estão localizados em distritos da região Centro: 126 em Aveiro, 98 em Castelo Branco, 134 em Coimbra, 135 na Guarda, 153 em Leiria e 134 em Viseu. Isto significa que o Centro tem 32% dos lares do país. Se olharmos para a capacidade da globalidade dos lares portugueses, também o Centro tem uma fatia grande: cerca de 32% de capacidade para acolher idosos. 

De acordo com os casos de infeção e mortes que foram noticiados em residências e lares reunidos pelo Observador, até às 16h40 desta terça-feira, havia mais de 870 casos positivos de Covid-19 e quase 70 mortos em 41 instituições de várias localidades do país. Do total de mortes ocorridas em lares em todo o país, mais de metade foram registadas na região Centro.

14% dos lares têm casos positivos da Covid-19. “São as grandes bombas-relógio”

Aveiro é, sem dúvida, o concelho da região onde ocorreram mais mortes dentro dos lares e residências: ali morreram quase tantos utentes quantos no resto do país. São cerca de 35 as vítimas mortais a registar, face aos 37 utentes que morreram noutras zonas do país.

O problema dos lares no Centro pode tornar-se ainda mais grave se olharmos para o número de infeções entre utentes e funcionários de lares nesta região. Do total das mais de 870 infeções em todo o país, cerca de 40% foram registadas em lares no Centro. Também aqui é Aveiro que tem o maior número de utentes infetados em lares, com 168 contaminações. Segue-se Viseu com 62 infetados, Guarda com 59 e Leiria com 50.

Cerca de 50 mil utentes podem estar em lares ilegais no país: “Não sabemos onde estão nem para onde podem estar a despejar idosos”

Se os números de infeções em lares vão sendo possíveis de registar, no que diz respeito a lares ilegais o cenário é impossível de traçar: não se sabem quantos são e onde estão quanto mais as infeções que registam.

Rui Fontes, presidente da Associação Amigos da Grande Idade, não consegue dar uma certeza de que estas casas ilegais — como lhes prefere chamar — estejam mais concentradas no Centro e que isso possa ser uma das explicações para a taxa de mortalidade ser maior ali. “Há em todo o lado. Está generalizado. Mas há menos casas ilegais nos grandes centros urbanos, onde a fiscalização está mais apertada”, diz ao Observador, estimando que existam cerca de 50 mil utentes em lares ilegais em todo o país. Já João Ferreira de Almeida, presidente da Associação de Apoio Domiciliário de Lares e Casas de Repouso de Idosos (ALI), adianta que na zona de Leiria e Pombal há uma “incidência muito grande de casas ilegais”. Este dois concelhos têm 43 e 33 casos confirmados, respetivamente.

"Há em todo o lado. Está generalizado. Mas há menos casas ilegais nos grande centros urbanos, onde a fiscalização está mais apertada"
Rui Fontes, presidente da Associação Amigos da Grande Idade

Os autarcas com quem o Observador falou garantiram não terem conhecimento de quaisquer lares ilegais nos seus concelhos. “Não sabemos onde estão, quais são nem para onde podem estar a despejar idosos. Pode estar a acontecer, em alguns sítios, por interesse, desalojar as pessoas”, admite o presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Manuel Machado.

“Ninguém tem noção [de quantos lares ilegais existem], a começar pela própria Segurança Social, que não se interessa em saber”, acusa João Ferreira de Almeida, da ALI. De acordo com os mais recentes dados divulgados pela Segurança Social, até ao final de setembro do ano passado, 93 lares ilegais foram encerrados — nove deles com carácter de urgência, por representarem perigo de saúde e de segurança para os utentes.

Segurança Social encerrou 93 lares ilegais nos primeiros nove meses do ano

O secretário de Estado da Saúde disse na semana passada que os testes para Covid-19 a idosos e funcionários dos lares iriam também abranger as instalações ilegais, a partir de uma lista que terá de ser fornecida pela Segurança Social. Neste sentido, o Observador questionou a Segurança Social, numa tentativa de saber se esta lista já foi entregue e, se esta lista existe, por que razão os lares ilegais que constam nela ainda não foram fiscalizados. O Observador perguntou ainda à Segurança Social se já encerrou ou sinalizou algum lar ilegal desde o início do surto de Covid-19 e o que está a ser feito para travar a epidemia nestes casos. Até ao momento, não foi dada qualquer resposta.

Desinvestimento “enorme” na saúde que agora se reflete. Centro perdeu mais de mil camas desde 2010

Não se pode dizer que o Centro está mais desfalcado a nível de unidades e profissionais de saúde. Ali, e de acordo com os dados da Pordata, há um médico para cada 506 habitantes e um enfermeiro para cada 259,5 habitantes — valores que não distam muito dos das restantes regiões do país. Por exemplo, no Norte, há um médico para cada 471,1 habitantes e um enfermeiro para cada 296,4 — o que não é assim tão díspar para se poder dizer que a taxa de mortalidade pode ser maior por haver menos profissionais de saúde.

NAO USAR

No Centro, há um médico para cada 506 habitantes e um enfermeiro para cada 259,5 habitantes (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Até porque (sendo certo que são dados de 2011, uma vez que a Pordata não tem mais recentes), na região em causa há um centro de saúde para cada 3.899,2 habitantes, quando no Norte, em média, 9.535,9 habitantes têm de partilhar um centro de saúde.

Se olharmos para o número de camas em hospitais gerais e especializados para internamento, em 2018, a região tinha 5.608 camas — apenas menos 1.354 do que na área metropolitana de Lisboa e menos 1.659 do que na região do Norte. No entanto, entre 2010 e 2018, o Centro foi a região do país a perder mais camas: 1007. Enquanto que, no mesmo período, o Norte perdeu apenas 433 camas, Lisboa perdeu 394 e o Alentejo perdeu 81 camas — o Algarve teve um aumento de 142.

É através destas estatísticas que se pode perceber o discurso dos autarcas do Centro: “Há um claro desinvestimento na saúde” — o que também pode justificar a taxa de mortalidade no Centro. Quem o diz é o presidente da Câmara Municipal de Viseu. Das urgências à falta de espaço, Almeida Henriques lamenta que o Hospital de São Teotónio, “um hospital de referência e central, tenha sofrido ao longo dos anos um desinvestimento enorme”. “Desde logo, nas urgências: houve um concurso que foi lançado para ampliação das urgências que acabou por ficar anulado”, explica, adiantando: “Por outro lado, o hospital já tem mais de 20 anos e tem vindo a verificar-se um desinvestimento em equipamentos”. “E agora reflete-se, como é normal”, lamenta.

“As famílias têm medo da morte, eles não”. Reportagem em dois lares onde o vírus entrou, assustou e matou

Além do desinvestimento na saúde nos últimos anos, o presidente da Câmara Municipal de Coimbra defende ainda que “tem de haver uma maior dinâmica”, a nível da ARS e da própria DGS. “Equipamentos há, recursos humanos há, dinheiro e crédito estão disponíveis. Era necessário uma maior dinâmica proativa e defensiva, a nível dos testes e da articulação das entidades. Há uma necessidade de aperfeiçoamento para melhorar a resposta”, explica ao Observador Manuel Machado, falando de alguma descoordenação: “Às vezes nota-se que andam aqui umas entidades a fazer o trabalho das outras e vice-versa. O que não é eficaz”.

"Equipamentos há, recursos humanos há, dinheiro e crédito estão disponíveis. Era necessário uma maior dinâmica proativa e defensiva, a nível dos testes e da articulação das entidades"
Manuel Machado, presidente da Câmara Municipal de Coimbra

Manuel Machado denuncia e lamenta a demora das entidades de saúde a intervir. E dá um exemplo: “Uma pessoa que trabalhe num lar, seja em que função for, se não for testada atempadamente e junto com todos os utentes desse lar, se há um décalage de vários dias entre os testes feitos a uns quantos e os testes feitos a outros, é muito improvável que os resultados sejam exatos”.

O presidente da Câmara da Guarda também vê um problema na “opção de as pessoas que têm sintomas mais leves serem reencaminhadas para casa”, quando adotada em territórios como a região Centro do país. “Se estamos a falar de uma população mais idosa, com menos meios, por vezes a viver em zonas isoladas, com pouco apoio até da família mais direta, com certeza que, se não há uma reposta da instituição de saúde que envolva estes pacientes, eles ficam aos seus cuidados e os cuidados de uma forma isolada, com pessoas com alguma idade, não serão os mesmos”, diz ao Observador, acrescentando que “o Serviço Nacional de Saúde devia ter enquadrado esta necessidade de apoiar esta população idosa”.

Asmáticos com mais de 65 anos aumentaram no Centro. Doenças respiratórias estão entre as grandes causas de morte

Abuso de tabaco e álcool ou aumento da percentagem de diabéticos e de asmáticos. Estes são alguns dos indicadores de um relatório da ARS Centro de 2018 que traça o perfil de saúde da região com base em dados do Inquérito Nacional de Saúde (INS) de 2014. Nesse ano, o relatório explica que, entre as “grandes causas de morte com valores significativamente superiores ao continente” estavam “as doenças do aparelho respiratório”, apesar de a taxa de incidência de tuberculose na região ser inferior ao resto do país.

Desde 2010 até 2018, o Centro foi a região do país a perder mais camas nos hospitais (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Mais: comparados os resultados do INS de 2005/2006 com os de 2014, é possível concluir que “aumentou a percentagem de população com diabetes na maior parte dos grupos etários, especialmente a partir dos 45 anos, sendo a população masculina com maior prevalência”. Recorde-se que pessoas com diabetes integram um grupo de risco para a Covid-19.

Cicatrizes nos pulmões, risco de enfarte e até problemas cerebrais. As sequelas que a Covid-19 deixa em quem recupera

O mesmo com a população com doenças respiratórias. “No INS de 2014, a asma aumentou em percentagem na população idade 65 e mais anos, comparativamente ao INS de 2005/2006″, lê-se no relatório. O documento da ARS Centro aponta ainda que “os diagnósticos mais registados entre os utentes inscritos são o abuso do tabaco, maioritariamente entre os homens, e o excesso de peso em ambos os sexos”.

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