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A porta-voz e deputada do PAN omitiu ao Tribunal Constitucional (TC) que detinha, através do marido, com quem é casada em comunhão de bens adquiridos, uma empresa de mediação imobiliária que tem sede em Oeiras na mesma morada de uma das empresas de agricultura que o casal detém e que têm sido alvo de várias polémicas. Ao contrário das sociedades agrícolas, devidamente declaradas no registo de interesses entregue na Assembleia da República e na declaração de rendimentos entregue no TC, a imobiliária Pontes&Perfis — criada em julho de 2020, já Inês Sousa Real era deputada — foi omitida da declaração de rendimentos entregue no TC. Caso não regularize a situação, Sousa Real incorre, neste caso, na perda de mandato.
A líder do PAN declarou, por exemplo, a participação que detinha por via do marido na empresa agrícola Berry Dream, Lda, especificando que a detinha “pelo cônjuge”, no valor de 8.900 euros, correspondentes a 99% do capital social. Fê-lo na declaração que entregou a 4 de agosto de 2021, já como líder do PAN. Ora quando Sousa Real enviou essa declaração já a outra empresa imobiliária tinha mais de um ano (foi criada a 20 de julho de 2020) e a lei obriga a que a comunicação seja feita num prazo de 60 dias.
O Observador consultou a declaração de rendimentos de Inês Sousa Real depositada no Tribunal Constitucional e, até à data de publicação deste artigo, não tinha sido enviada qualquer informação sobre a imobiliária.
No âmbito da Lei de Controle Público da Riqueza dos Titulares de Cargos Políticos, a deputada e líder partidária está obrigada a declarar as empresas que detém, por si ou por via do marido, uma vez que a criação da empresa aconteceu já no decorrer do casamento por comunhão de adquiridos e também no decorrer do mandato de deputada. A própria deputada utilizou essa bitola no momento em que declarou que era detentora da empresa Berry Dream, Lda.
De acordo com a lei (n.º 52/2019), os titulares de cargos políticos e os titulares de altos cargos públicos têm de apresentar no Tribunal Constitucional uma declaração dos seus rendimentos, bem como do seu património e cargos sociais, da qual constem “quotas, ações, participações ou outras partes sociais do capital de sociedades civis ou comerciais, onde apenas é disponibilizado para consulta o seu quantitativo e o nome da sociedade respetiva”.
Uma das consequências desta omissão, em caso de não ser colmatada, é o desenrolar de um processo administrativo que tem como consequência a perda de mandato. A deputada e porta-voz do PAN — quando o Tribunal Constitucional se aperceber da falta dos dados — terá um prazo máximo de 30 dias para retificar essa declaração. Caso não o faça Inês Sousa Real corre o risco de perder o mandato.
O Observador enviou questões ao gabinete de comunicação de Inês Sousa Real sobre esta questão, mas do PAN chegou apenas uma não-resposta a dizer: “Foi emitido ontem um comunicado onde foram prestados todos os esclarecimentos, pelo que nada mais há a acrescentar.”
O PAN emitiu, de facto, um extenso esclarecimento, com mais de 11 mil caracteres, onde abordava vários assuntos, esclarecendo alguns detalhes (e deixando outros por esclarecer) sobre as empresas agrícolas Berry Dream e Red Fields. No entanto, nada disse sobre a imobiliária, até porque essa ligação ainda não tinha sido publicamente divulgada (era impossível, por isso, já ter esclarecido nessa nota algo que não era do domínio público e que a própria líder do PAN não declarou).
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Já após a publicação deste artigo, Inês Sousa Real fez chegar ao Observador, através de uma agência de comunicação, a informação de que tentou carregar a informação sobre esta imobiliária no Portal do Deputado, mas que um “erro informático” não lhe permitiu. A deputada enviou então um email ao presidente da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados, Jorge Lacão, a 9 de outubro de 2020 — cerca de três meses depois da criação da empresa — a informar da “atualização do registo de interesses”.
A deputada continua sem esclarecer, no entanto, o porquê de ter declarado as outras duas empresas e não a a imobiliária quando apresentou a declaração junto do Tribunal Constitucional quase um ano depois.
Especialista não tem dúvidas que Sousa Real teria de declarar empresa
Paulo Veiga e Moura, especialista em direito administrativo, explica que a imobiliária não declarada é, nos termos da lei “um bem comum: se ele [marido] criou a empresa já depois de estarem casados, o bem é um bem comum”. A empresa foi, de facto, criada anos depois de Inês Sousa Real e o marido estarem casados.
O advogado diz que a deputada “tem de descrever os elementos do ativo patrimonial, isto é, se estão casados em comunhão de adquiridos, naturalmente ela é cotitular, através do marido, dessa empresa, portanto tem esta obrigação.” E explica através de um exemplo hipotético: “Se a senhora deputada e o seu marido se separarem essa empresa fará parte das partilhas resultantes desse divórcio.”
De acordo com o especialista, “a interpretação correta da lei passará, efetivamente, por obrigar a que a senhora deputada tivesse de ter declarado que no acervo familiar, o marido tinha uma quota na empresa X”. Paulo Veiga e Moura esclarece ainda que “o facto de a empresa estar como unipessoal não invalida nada do que é descrito em cima. Apesar de ser uma unipessoal que pertence ao marido, a titularidade da empresa é algo que integra o regime do casal.”
O que está nas declarações entregues no Tribunal Constitucional?
Na última declaração entregue no Tribunal Constitucional, a 4 de agosto de 2021, Inês Sousa Real declarou ter recebido 63.194, 86 euros de trabalho dependente no ano de 2020, não tendo declarado qualquer rendimento nas restantes categorias (trabalho independente, rendimentos comerciais e industriais, rendimentos agrícolas, rendimentos de capitais, rendimentos prediais, mais-valias e pensões). Na primeira declaração que entregou, a 22 de dezembro de 2019, Inês Sousa Real tinha declarado rendimentos referentes a trabalho dependente (39.928,08 euros), aos quais acrescia 7.722,48 euros de “outros rendimentos”, ambos no ano de 2018 (na declaração é suposto estarem os dados do ano civil anterior).
Apesar de ter omitido a imobiliária, na parte II-B da declaração, referente a “Quotas, Ações, Participações ou outras partes sociais do capital de sociedades civis ou comerciais”, Inês Sousa Real declarou o seguinte:
1.Por si:
RedFields Lda NIPC 513 037 853, sociedade por cotas com sede (…) Montijo – quota nominal 5.000,00 euros;
2. Pelo cônjuge:
BerryDream, Lda, 510 473 830, sociedade por quotas com sede na Rua (,,,,), Oeiras. Quota nominal do cônjuge: 8.900, 00 euros.
RedFields Lda NIPC 513 037 853, sociedade por cotas com sede (…) Montijo – quota nominal do cônjuge 5.000,00 euros;”
Nas mesmas declarações, Inês Sousa Real declara ainda dois imóveis destinados à habitação, o saldo de três contas bancárias e os órgãos que ocupou nos últimos anos: chefe de divisão na câmara de Sintra (entre abril de 2015 e outubro de 2019), deputada na Assembleia Municipal de Lisboa (cargo que iniciou a 26 de outubro de 2017) e provedora municipal dos Animais na câmara de Lisboa entre 19 de novembro de 2014 e 30 de março de 2017.
Apesar de incorrer em perda de mandato, como faltam poucos meses para o fim da legislatura, seria muito difícil haver tempo para o Ministério Público junto do Tribunal Constitucional, desencadear o processo e que o processo administrativo corresse antes do fim da legislatura. No caso da imobiliária do ministro Pedro Siza Vieira ou da empresa de mirtilos do secretário de Estado do Desporto, João Paulo Rebelo, o tribunal acabou por decidir sobre os processos (de arquivamento) já depois do mandato em causa estar terminado. Neste caso, acontecerá, necessariamente o mesmo.
Ainda sobre a perda de mandato, Paulo Veiga e Moura confirma ainda que a deputada “não perde automaticamente o mandato, ela tem de ser notificada para corrigir a declaração e só depois, passados 30 dias, se não o corrigir a declaração é que perde o mandato.” O artigo 18º da lei é claro a esse propósito: “Em caso de não apresentação ou apresentação incompleta ou incorreta da declaração e suas atualizações, a entidade responsável pela análise e fiscalização das declarações apresentadas notifica o titular ou antigo titular do cargo a que respeita para a apresentar, completar ou corrigir no prazo de 30 dias consecutivos ao termo do prazo de entrega da declaração.”
O TC não tem meios para fiscalizar todas as empresas de todos os cônjuges dos titulares de cargos políticos, o que significa que só a partir da publicação desta notícia é que o Palácio Ratton tem conhecimento desta falha.
Atualização: Apesar de não ter respondido a nenhuma das questões enviadas pelo Observador antes da publicação da notícia, Inês Sousa Real enviou uma informação relevante já após a publicação da mesma, explicando que comunicou à Assembleia da República que detinha a imobiliária e que, só por “erro informático” não o conseguiu publicar diretamente no Portal do Deputado. Ainda assim, nada esclareceu sobre a omissão na declaração entregue junto do Tribunal Constitucional, que é uma obrigação legal e que a faz incorrer na perda de mandato.