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Caso seja mesmo o início da contraofensiva ucraniana, a tomada da margem oriental do rio Dniepre representará o primeiro passo para reconquistar toda a região sul

Anadolu Agency via Getty Images

Caso seja mesmo o início da contraofensiva ucraniana, a tomada da margem oriental do rio Dniepre representará o primeiro passo para reconquistar toda a região sul

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Início da contraofensiva? Ucrânia destaca "resultados impressionantes" em Kherson, o primeiro passo para chegar à Crimeia

Ucrânia diz ter conseguido passar para margem oriental do rio Dniepre, tendo destruído "tanques, veículos blindados e os sistemas de defesa aérea" da Rússia. Mas Moscovo nega sucessos ucranianos.

Enquanto os combates se prolongam há meses em Bakhmut, a frente sul da guerra na Ucrânia manteve-se praticamente estagnada desde novembro de 2022, mês em que as forças ucranianas obtiveram uma importante vitória com a conquista da cidade de Kherson e do controlo integral da margem ocidental do rio Dniepre. Com o aumento das temperaturas e a tão aguardada contraofensiva de Kiev, a tranquilidade em que estava envolta aquela região parece ter terminado com um ataque surpresa durante a última semana levado a cabo pelas tropas leais a Volodymyr Zelensky, que garantem já ocupar algumas localidades da margem oriental daquele rio — e cujo controlo poderá ser ser vital para chegar à Crimeia.

Os contornos da situação militar na margem oriental do rio Dniepre ainda não são completamente claros e as informações ainda são escassas. Desvendando um pouco mais do que se está a passar no terreno, Natalia Humeniuk, porta-voz do Comando do Sul do Exército da Ucrânia, saudou, no último domingo, “os resultados impressionantes” das tropas ucranianas em Kherson nos dias anteriores. “Conseguimos atingir e destruir peças de artilharia, tanques, veículos blindados e os sistemas de defesa aérea do inimigo.”

“Por outras palavras, o nosso trabalho ao limpar a linha da frente [russa] na margem oriental é francamente poderoso”, prosseguiu a responsável militar citada pela CNN, prometendo que nos próximos dias haverá novidades. Ressalvando que os ataques ainda são limitados, Natalia Humeniuk destacou que os russos estão a retirar civis daqueles territórios. “Torna o nosso trabalho muito fácil”, disse, sublinhando que as tropas russas estão a organizar novas linhas defensivas.

"Por outras palavras, o nosso trabalho ao limpar a linha da frente [russa] na margem oriental é francamente poderoso"
Natalia Humeniuk, porta-voz do Comando do Sul do Exército da Ucrânia

Do outro lado, a Rússia não confirmou esta versão otimista da Ucrânia, ainda que o discurso não seja uniforme. A 23 de abril, ainda durante o fim de semana, o governador pró-russo da região de Kherson, Vladimir Sado, garantiu à agência de notícias RIA que a margem oriental do rio Dniepre ainda era controlada por forças russas. Na terça-feira, o think tank norte-americano Instituto para a Guerra dava conta de que vários bloggers militares continuam a insistir na tese de que as tropas ucranianas se mantêm apenas na margem ocidental. No entanto, um blogger chegou a admitir que alguns dos territórios das duas margens já eram controlados pela Ucrânia.

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Ainda que os bloggers militares tenham reagido e tenham dito que a versão ucraniana não corresponde à realidade, o Ministério da Defesa russo ainda não se pronunciou sobre o assunto — nem mesmo para desmontar as alegações de Kiev. A prioridade militar do Kremlin parece ser outra, concedendo maior importância à Crimeia, isto após os ataques com drones que a Ucrânia terá lançado na península durante o fim de semana, o que motivou a ira do governo russo.

O Ministério da Defesa russo veio já deixar uma ameaça. “Se as ações terroristas do regime de Kiev” continuarem em redor da península, isso coloca “em risco” o prolongamento do acordo de cereais assinado em julho de 2022 entre a Organização das Nações Unidas (ONU), a Ucrânia, a Rússia e a Turquia. “Violando as garantias [do acordo], a Ucrânia lançou múltiplos ataques à base da Frota do Mar Negro na cidade de Sevastopol e à infraestrutura civil da Crimeia”, vinca a tutela chefiada pelo ministro Sergei Shoigu.

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A margem ocidental do rio Dniepre

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A passagem no rio Dniepre

A Ucrânia alega que atravessou para a margem oriental e o Instituto para a Guerra confirmou, no relatório de dia 22 de abril, essa informação através de gravações no local. As forças ucranianas terão mesmo ocupado novas posições na margem oriental do oblast de Kherson, que antes pertenciam aos russos. Se bem que as tropas de Kiev já tivessem atravessado o rio com sucesso no passado, terá sido a primeira vez que conseguiram permanecer mais do que um dia naqueles territórios.

Para o mesmo think tank, o sucesso da Ucrânia não se configura uma surpresa. Isto, porque, explica, os batalhões russos que permanecem em Kherson são “provavelmente os mais desorganizados e os mais débeis” de todo o teatro de operações. Lembrando a retirada fulminante russa da margem ocidental em meados de novembro, o Instituto para a Guerra indica que muitas daquelas forças que se retiraram foram “enviadas para outras” zonas da linha da frente. 

Os que ficaram em redor de Kherson são unidades com “pouca força” e que já não se envolvem em combates desde novembro do ano passado. Por um lado, isso pode ser uma vantagem, admite o Instituto para a Guerra, dado que os militares podem “estar mais frescos”. O think tank contrapõe logo a seguir, reforçando que persistem “problemas no moral”, “treino insuficiente” e falta de “disciplina”. “É mais comum nesta zona, especialmente porque os elementos mais competentes estão em outras localidades.”

Apesar de a Rússia negar os avanços ucranianos, a Ucrânia assegura que esta operação ofensiva estará por agora a dar frutos. O chefe do conselho regional de Kherson pró-ucraniano, Oleksandr Samoylenko, assinalou, citado pelo Guardian, que tinha a “informação” de que a Rússia tinha começado a retirar civis das regiões circundantes à margem oriental do rio Dniepre com a “desculpa de que estava a proteger civis das consequências” de “combates intensos”.

Por sua vez, Yuriy Sobolevskiy, vice-chefe do conselho regional pró-ucraniano que governa Kherson, frisou, citado pela Reuters, que as “forças armadas ucranianas estão a trabalhar de forma muito eficaz”. “Os resultados vão surgir como aconteceu no passado com a margem ocidental”, reforçou, acrescentando que a finalidade é “libertar territórios com perdas mínimas” para as tropas da Ucrânia.

Os ataques na Crimeia e a resposta russa

Caso estas movimentações sejam mesmo o início da contraofensiva ucraniana, a tomada da margem oriental do rio Dniepre poderá representar um primeiro passo para reconquistar toda a região sul. E será fundamental para voltar a controlar localidades como Melitopol e conseguir controlar a região fronteiriça com a Crimeia e depois a própria península, um objetivo de que Volodymyr Zelensky recusa abrir mão. Como o Observador sublinhou em janeiro, ao dominar toda aquela região, Kiev poderá “isolar” as cadeias de abastecimento da península, obrigando os russos a dependerem exclusivamente da ponte de Kerch, o único ponto terrestre que liga o território russo à Crimeia.

As fronteiras da Crimeia com o resto do território ucraniano

Embora este cenário militarmente ainda esteja longe de acontecer, isso não impede a Ucrânia de já atacar alguns pontos nevrálgicos. Há uma semana, a Rússia acusou as tropas ucranianas de terem “lançado repetidos ataques à base da frota do Mar Negro na cidade de Sevastopol” e também à “infraestrutura civil da Crimeia” com recurso a drones submarinos. Foram, de acordo com Moscovo, repelidos pelos sistemas de defesa.

Como escreve o Politico, estes ataques poderão fazer parte de uma estratégia ucraniana para iludir os russos, atacando alvos à distância para confundir o Kremlin. Comparando a operação Mincemeat durante a Segunda Guerra Mundial (em que os britânicos confundiram a Alemanha nazi sobre onde é que os aliados iriam atacar na Europa do Sul), o jornal reforça que poderá ser um sinal falso para a Rússia tomar precauções em certas regiões. Simultaneamente, a Ucrânia aproveita e ataca de surpresa as localidades que ficaram mais vulneráveis.

Sobre os ataques da última semana, a Ucrânia nunca reivindicou a sua autoria, algo que já é habitual. Mas o conselheiro de Volodymyr Zelensky, Mykhailo Podolyak, defendeu no último domingo, na televisão ucraniana, que as tropas do país têm o direito de “destruir” o que esteja nos territórios ocupados pela Rússia. “Incluindo a península da Crimeia, por exemplo, ou os territórios das regiões de Donetsk e Lugansk”, exemplificou, garantindo isso não viola qualquer lei ao abrigo do direito internacional.

Ainda assim, Mykhailo Podolyak salientou que tem de haver “alguma lógica” nos ataques que a Ucrânia leva a cabo. “Porque é que deve a Ucrânia, que é hoje totalmente dependente dos parceiros ocidentais relativamente às armas e aos cenários traçados, atacar Moscovo ou civis? Para dar à propaganda russa a oportunidade de dizer: ‘olha, eles também atingem civis?’ Quais são os objetivos militares com estes ataques?”, questionou, parecendo desmentir assim que a Ucrânia terá querido lançar um ataque a alvos civis na Crimeia.

Ukrainian negotiator and presidential adviser Mykhailo Podolyak
"Porque é que deve a Ucrânia, que é hoje totalmente dependente dos parceiros ocidentais relativamente às armas e aos cenários traçados, atacar Moscovo ou civis? Para dar à propaganda russa a oportunidade de dizer: 'olha, eles também atingem civis?' Quais são os objetivos militares com estes ataques?"
Conselheiro de Volodymyr Zelensky, Mykhailo Podolyak

Os ataques de há uma semana na Crimeia, ainda que limitados, causaram uma forte resposta diplomática russa, que ameaçou rasgar o acordo de cereais assinado com a Ucrânia e que permitiu que este último país exportasse cereais para todo o mundo através do Mar Negro. O atual compromisso vigora até 18 de maio, não se sabendo se Moscovo, que tem lançado duras às críticas ao seu funcionamento, vai revogá-lo. “Apesar da passagem do tempo, [o acordo] não tem sido plenamente cumprido”, comentou o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov.

Na ótica da Rússia, os ataques da Crimeia violaram os princípios do acordo e colocam em risco a continuidade do mesmo. De modo a evitar este cenário — e num esforço para que o mundo não entre numa crise alimentar por conta da falta das exportações de cereais ucranianos —, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, reuniu-se com o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, em Nova Iorque, para discutir esta temática.

Expressando “preocupação com os recentes obstáculos encontrados” pela centro que coordena o acordo de cereais, António Guterres entregou esta segunda-feira uma carta a Sergei Lavrov, para que este a entregue a Vladimir Putin. O objetivo do secretário-geral da ONU consiste em “melhorar” e “prolongar” a iniciativa no Mar Negro.

Guterres envia carta a Putin com proposta para melhorar e prolongar Acordo dos Cereais

Bakhmut. Ucrânia resiste à pressão russa

Apesar de a Ucrânia alegar avanços na margem oriental do rio Dniepre, é certo que a frente mais quente na guerra continua a ser Bakhmut, cidade que tem sido fustigada com intensos combates desde o final do ano passado. O grupo pró-russo Wagner e as tropas russas têm alegado que a conquista da localidade está prestes a acontecer, mas o Presidente ucraniano recusa ceder à pressão russa.

“Não podemos desistir de Bakhmut, pois isso contribuiria para expandir a frente e permitiria que as tropas russas e os [mercenários] Wagner capturassem mais território”, afirmou o líder ucraniano numa entrevista ao canal árabe Al-Arabiya publicada no último domingo, acrescentando que isso permitiria à Rússia avançar em “em direção a duas cidades ainda maiores na região de Donetsk — Kramatorsk e Sloviansk”.

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Batalhas continuam em Bakhmut

Anadolu Agency via Getty Images

Por sua vez, o Ministério da Defesa russo confirmou que as suas forças conseguiram controlar dois quarteirões nos distritos ocidentais nos últimos dias. Segundo o Wall Street Journal, as tropas alinhadas com a Rússia obtiveram importantes vitórias no norte, sul e leste da localidade e Kiev tem agora apenas uma estrada para garantir o abastecimento das suas tropas.

Com as tropas russas centradas em Bakhmut e com os receios de que a Crimeia possa vir a ser atacada, a Ucrânia pode aproveitar para atacar em outras linhas da frente da guerra. Só o tempo dirá se a passagem para a margem oriental do rio Dniepre constitui um desses esforços e se funciona como tiro de partida para o início da contraofensiva.

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