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Dificilmente a memória coletiva dos portugueses esquecerá o dia 17 de junho de 2017. Ao início da tarde daquele sábado escaldante, com temperaturas acima dos 40ºC em boa parte do país, a queda de um raio numa linha de média tensão na aldeia de Escalos Fundeiros, no concelho de Pedrógão Grande, distrito de Leiria, desencadeou aquele que ficaria para a história como o mais grave e mortífero incêndio de sempre em Portugal: 66 pessoas morreram, 253 ficaram feridas, mais de 500 casas foram destruídas e centenas de empregos foram perdidos na sequência de um fogo que atingiu cerca de 53 mil hectares e que representa ainda uma das maiores tragédias da história contemporânea do país.
Logo nos primeiros meses depois do desastre, diversas vozes apontaram o dedo às alterações climáticas: um responsável do IPMA avançou que o instituto já estava a tentar perceber “com que grau de probabilidade esta situação meteorológica foi uma manifestação das alterações climáticas”; e até o relatório final da comissão técnica independente convocada para estudar o assunto sentenciou que a tragédia de Pedrógão Grande era um “aviso de como os sistemas atuais de combate a incêndios não estão preparados para enfrentar um novo problema com raiz nas alterações climáticas”.
Mas como podemos sabê-lo? Até que ponto é possível atribuir às alterações climáticas provocadas pela atividade humana a culpa de um acontecimento concreto como um incêndio, uma onda de calor ou uma inundação? E até que ponto é possível determinar que esse acontecimento atingiu uma dimensão maior devido às consequências dessas alterações?
As alterações climáticas são frequentemente o “bode expiatório dos políticos”, diz ao Observador o climatologista Carlos da Câmara, professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Mas nem tudo é culpa das alterações climáticas e nem sempre as alterações climáticas têm a responsabilidade exclusiva sobre determinada tragédia. Acima de tudo, defende o climatologista, é urgente ter em conta a grande diferença entre o facto de as alterações climáticas aumentarem a frequência, probabilidade e intensidade de alguns fenómenos extremos e os impactos trágicos que esses fenómenos podem ter em comunidades humanas que não estão preparadas para lidar com eles. E, aí, a responsabilidade não recai sobre as alterações climáticas, mas sobre os decisores políticos.
Ainda assim, há uma pergunta inevitável na ressaca de todos os desastres naturais: foi culpa das alterações climáticas? Se sim, até que ponto?
A pergunta é simples (e motiva, com frequência, simplificações excessivas), mas a resposta é bastante complexa. Para tentar dar resposta a esta questão, a comunidade científica tem vindo a desenvolver, ao longo das últimas duas décadas, os chamados “estudos de atribuição” — um campo de estudos relativamente recente, mas no qual se têm verificado avanços significativos que permitem, com um grau de rigor cada vez maior, estabelecer relações de causalidade (ou não) entre as alterações climáticas e a ocorrência de determinados fenómenos meteorológicos extremos.
É uma ciência que se baseia no cálculo de probabilidades, com ferramentas da física e da matemática, que Carlos da Câmara ilustra com um exemplo rodoviário: “Não posso dizer que uma pessoa em concreto morreu porque não levava o cinto de segurança. Mas podemos olhar para um grande número de acidentes e concluir que a probabilidade de morrer quando se leva o cinto é menor do que quando não se leva. É isto que a ciência da atribuição faz.”
Voltando ao início deste artigo, o que nos pode a ciência da atribuição dizer sobre o grave incêndio de Pedrógão Grande, em junho de 2017? A extraordinária onda de calor que se registou no sul da Europa naquele mês foi estudada pelos cientistas do World Weather Attribution, um consórcio internacional de climatologistas, sedeado no Imperial College de Londres, com investigadores de múltiplas universidades do Reino Unido, Países Baixos, França, Estados Unidos, Suíça e Índia. A conclusão fala por si: depois de aplicarem um conjunto de modelos computacionais, os cientistas concluíram que “a probabilidade de uma temperatura em junho tão ou mais elevada do que a observada em 2017 aumentou mais de dez vezes devido ao aquecimento global em Portugal e Espanha”.
É certo que o incêndio começou devido ao raio que caiu na linha elétrica e que se pôde propagar com maior intensidade devido à falta de limpeza de alguns terrenos — e pode até argumentar-se que muitas das vítimas mortais se deveram mais ao caos nas fugas do que propriamente ao fogo nas casas. Ainda assim, a ciência é clara num aspeto: num mundo sem alterações climáticas provocadas pela humanidade, a onda de calor que intensificou mortalmente o incêndio seria dez vezes menos provável.
Os cientistas que se dedicam a estes estudos de atribuição têm olhado para dezenas de acontecimentos meteorológicos extremos em todo o mundo ao longo das últimas décadas, como ondas de calor, inundações, incêndios, secas ou tempestades — e têm aperfeiçoado os métodos para calcular o grau de culpa das alterações climáticas em múltiplos desastres naturais por todo o planeta. Mas, afinal, como funciona esta ciência?
Como se distingue o natural do humano?
A ciência da atribuição é um campo de investigação relativamente recente, estando prestes a completar duas décadas de existência propriamente dita. Dentro da comunidade científica, um estudo publicado em dezembro de 2004 na revista Nature é habitualmente apontado como o momento fundador deste campo de estudos. No artigo, um conjunto de investigadores britânicos procuraram compreender qual “a contribuição humana para a onda de calor na Europa em 2003”, como diz o próprio título do artigo.
O objetivo do estudo era “estimar em que medida as atividades humanas podem ter aumentado o risco de ocorrência de uma onda de calor deste género”. Na altura, os investigadores já deixavam o alerta: “Será uma questão mal colocada perguntar se a onda de calor de 2003 foi causada, num sentido puramente determinístico, por uma alteração das influências externas no clima — por exemplo, o aumento da concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera —, porque praticamente todos os fenómenos meteorológicos poderiam ocorrer por acaso num clima sem alterações.”
Porém, era possível estimar “a contribuição dos aumentos, causados pelo homem, das concentrações atmosféricas dos gases com efeito de estufa e de outros poluentes para o risco de ocorrência de temperaturas médias de verão excecionalmente elevadas numa grande região da Europa continental”. Os cálculos, que envolveram a comparação de múltiplos cenários alimentados com os dados históricos sobre a concentração de gases desde 1851 até 2003, levaram os investigadores a concluir que “é muito provável (nível de confiança acima dos 90%) que a influência humana tenha, pelo menos, duplicado o risco”.
Naturalmente, a ciência da atribuição não pode atribuir diretamente as culpas de um determinado acontecimento meteorológico às alterações climáticas. Isso nunca poderá ser feito, uma vez que qualquer fenómeno extremo se deve sempre a uma conjugação de fatores, que incluem, além do clima, um conjunto de questões conjunturais meteorológicas, mas também socioeconómicas, que explicam os seus impactos mais ou menos devastadores.
Mas a ciência da atribuição pode calcular até que ponto as condições que promovem aquele tipo de acontecimentos se estão a tornar mais frequentes ou intensas devido às alterações climáticas — um conhecimento que é fundamental para auxiliar os decisores políticos a tomar decisões sobre os esforços de adaptação aos inevitáveis impactos das alterações climáticas. É que, embora as alterações climáticas possam frequentemente ser o “bode expiatório” dos decisores políticos que pretendem rejeitar as responsabilidades que têm na adaptação dos territórios, a variabilidade climática natural também pode ser excessivamente invocada por aqueles que pretendem menorizar a gravidade da crise climática. Só através de estudos como os da ciência da atribuição é possível compreender o papel real das alterações climáticas na maior ou menor probabilidade de determinados acontecimentos extremos.
“Os extremos fora do comum sempre aconteceram no nosso clima variável”, escreve o climatologista britânico Peter Stott, responsável pela monitorização e atribuição climática no Met Office, o serviço meteorológico do Reino Unido. “Pode ser muito fácil colocar toda a culpa de desastres catastróficos relacionados com a meteorologia nas alterações climáticas causadas pelo homem ou na variabilidade climática natural, mas essa atribuição errada pode, facilmente, conduzir a decisões políticas erradas no que toca à adaptação às alterações climáticas.”
Lembrando o estudo inovador publicado em 2004, do qual foi um dos autores, Peter Stott sublinha que “os estudos de atribuição mostraram que as alterações climáticas provocadas por humanos aumentaram significativamente as probabilidades das temperaturas catastróficas registadas em 2003 na Europa, que levaram a muitos milhares de mortes relacionadas com o calor”. Do mesmo modo, continua Stott, “as temperaturas recorde na Austrália em 2013, que conduziram a fogos florestais devastadores e à destruição de muitas casas, tornaram-se substancialmente mais prováveis devido à influência humana no clima. Com base nesta informação, as sociedades podem querer proteger melhor as populações vulneráveis e assegurar-se de que as infraestruturas são mais resilientes a uma maior frequência de acontecimentos meteorológicos extremos desse tipo no futuro.”
A ideia dos estudos de atribuição é, nas palavras de um dos seus fundadores, o esforço para “destrinçar os fatores naturais dos antropogénicos”, o que permite “informar as sociedades afetadas sobre o modo como acontecimentos recentes se relacionam com uma perspetiva de longo prazo das alterações climáticas”.
Mas, na prática, como se faz isso? Segundo Stott, é preciso, concretamente, aplicar os conhecimentos científicos a acontecimentos extremos singulares, como uma onda de calor em específico, uma inundação, um incêndio, etc. “Para fazer isto, queremos comparar o que aconteceu verdadeiramente com o que poderia ter acontecido num mundo sem alterações climáticas antropogénicas. A única forma de determinar como o mundo poderia ter evoluído sem alterações climáticas antropogénicas é usar um modelo climático para simular as condições que teríamos experienciado na sua ausência.”
“Depois, podemos comparar os resultados das simulações dos modelos climáticos com e sem a influência humana no clima para ver como as probabilidades de acontecimentos particulares, como ondas de calor, inundações e secas podem ter mudado”, remata o cientista britânico.
O climatologista português Carlos da Câmara explica que não é fácil fazer estes cálculos, que são “subtis” e envolvem várias áreas do conhecimento científico. “Este ano, a Europa foi fustigada por três ondas de calor seguidas. A pergunta que se põe é: será que isto poderia ocorrer de forma natural? Ou três ondas de calor seguidas só podem explicar-se se houver um forçamento da atmosfera devido à ação do homem?”, pergunta o cientista da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. “É evidente que este problema é complicado de responder. Como consigo separar a ação do homem da variabilidade natural da atmosfera?”
Segundo o investigador, especializado na análise do risco de incêndios, estes cálculos fazem-se através de quatro etapas:
- Em primeiro lugar, é preciso “olhar para o passado”, usando os registos disponíveis, que têm melhor qualidade nas últimas cinco décadas, mas que podem recuar até ao século XVII através de técnicas de reconstituição. “É preciso olhar para trás e, no fundo, ver quantas vezes é que três ondas de calor seguidas fustigaram a Europa com uma determinada intensidade”, explica.
- Depois, é necessário recorrer a modelos físico-matemáticos da atmosfera, que têm vindo a ser amplamente desenvolvidos pela comunidade científica, “pôr esses modelos a correr e verificar até que ponto é que são capazes de reproduzir o que foi observado”. Este processo é fundamental para uma “calibração dos modelos ao passado”: se os modelos computacionais da atmosfera forem ajustados para reproduzir, com a maior aproximação possível, os cenários já observados no passado, então tornam-se úteis para simular situações de futuro com base em determinadas variações dos dados com que o modelo é alimentado.
- Em terceiro lugar, estando os modelos calibrados, é possível “sobrepor ou incluir nesses modelos os efeitos antropogénicos, nomeadamente a emissão de gases com efeito de estufa”. Voltando a correr os modelos, observa-se que, “quando neles se inclui a ação do homem, são capazes de gerar muito mais ondas de calor, muito mais fortes, e a probabilidade de ter três ondas de calor seguidas passa a ser muito maior”.
- Por fim, é necessário “recorrer a métodos estatísticos que permitam dizer se a diferença da distribuição da probabilidade desses eventos com e sem a ação humana é estatisticamente significativa”. Só assim, explica Carlos da Câmara, se pode saber “com um grau de probabilidade elevado se a ação do homem é culpada”.
“O conceito em si é simples, mas a aplicação implica não só saber muita física e muita matemática, como uma validação do controlo de qualidade dos dados. Tudo isto é muito subtil”, salienta o climatologista. “Isto tem vindo a ser feito cada vez mais rotineiramente com episódios extremos. Por exemplo, será que as recentes inundações em Lisboa são de atribuir às alterações climáticas? Não posso dizer que as alterações climáticas levaram às inundações em Lisboa, mas posso dizer que, num mundo em que existe a intervenção do homem, a probabilidade de umas inundações com aquela intensidade aumenta X vezes.”
“Só sabemos isto ao nível da probabilidade”, admite o climatologista. “Mas as companhias de seguros vivem disso!”
Isto não significa, obviamente, que as alterações climáticas sejam diretamente responsáveis pelos impactos mais ou menos trágicos. “As alterações climáticas aumentam a probabilidade de fenómenos extremos. O impacto depende de fatores a jusante”, explica Carlos da Câmara, regressando à comparação rodoviária: “Imagine um condutor que perdeu o controlo do veículo porque ia alcoolizado. Se houvesse uma vedação no centro da autoestrada, talvez não tivesse provocado tantas mortes.” O álcool no sangue aumenta a probabilidade de acidentes; as medidas de mitigação podem ajudar a conter os impactos. “São coisas diferentes”, sublinha o investigador.
“Isto é mesmo ciência a sério?”
Apesar dos avanços científicos das últimas duas décadas, a ciência da atribuição ainda é um campo de investigação relativamente novo — e ainda pode ser difícil compreender a fiabilidade dos seus resultados. Afinal, será mesmo possível atribuir diretamente às alterações climáticas provocadas pelos seres humanos a responsabilidade por um aumento da frequência de alguns fenómenos extremos, como as ondas de calor, as violentas inundações ou os episódios de seca? São os próprios cientistas envolvidos nos estudos de atribuição a pedir cautela: nem todos os cenários são comparáveis.
Em 2016, a Academia Nacional de Ciências, Engenharia e Medicina dos Estados Unidos publicou um longo relatório com uma detalhada avaliação do estado atual do conhecimento científico dos estudos de atribuição. “Em 2016, a atribuição de fenómenos extremos ainda era algo muito novo”, assumiu à Scientific American o climatologista Friederike Otto, investigador do Imperial College de Londres e um dos responsáveis pelo consórcio internacional World Weather Attribution, o principal grupo de cientistas a nível mundial dedicado aos estudos da atribuição. “Uma das razões para aquele relatório era o facto de algumas pessoas perguntarem: ‘Isto é mesmo ciência a sério?’”
Ao longo dos últimos anos, é na iniciativa World Weather Attribution, composta por dezenas de investigadores voluntários de todo o mundo, que se têm concentrado os principais esforços na área da ciência da atribuição em tempo real. O projeto, liderado pelos investigadores Friederike Otto, Sjoukje Philip e Saran Kew, tem passado pela análise de múltiplos episódios meteorológicos extremos com base nos pressupostos da ciência da atribuição, com o objetivo de compreender o papel que as alterações climáticas tiveram em cada um deles.
Segundo o consórcio, desde 2004 até aos dias de hoje já foram realizados estudos de atribuição sobre mais de 400 episódios meteorológicos extremos, o que ainda assim representa apenas “uma pequena fração do número total de episódios extremos que, nesse período, tiveram impactos na sociedade”. Os investigadores que compõem o consórcio avisam que, apesar dos avanços científicos, os estudos da atribuição ainda têm bastantes limitações, em grande parte motivados pelas diferenças entre os vários tipos de fenómeno meteorológico extremo.
“Alguns acontecimentos meteorológicos têm uma relação mais complicada com o aquecimento global do que outros. As ondas de calor são o caso mais simples. Se há mais calor na atmosfera, o tempo quente é mais provável. A chuva intensa também é relativamente direta, uma vez que tende a haver mais humidade no ar mais quente. Estes acontecimentos são, por isso, estudos com maior frequência”, explica o consórcio. “Contudo, as secas, as tempestades de neves, as tempestades tropicais e os incêndios rurais são mais complicados. Por exemplo, as secas ocorrem frequentemente devido a variadas combinações de pouca chuva, temperaturas altas e interações entre a atmosfera e a superfície terrestre. Também se estendem ao longo de períodos maiores. Isto apresenta vários desafios. Para estudar com eficácia estes acontecimentos, as observações da meteorologia passada têm de ser consistentes e de grande qualidade, e os modelos climáticos têm de ser capazes de simular estes fenómenos mais complexos.”
De acordo com aquele consórcio de cientistas especializados, é preciso olhar para diferentes tipos de fenómenos extremos com cautela. Se é verdade que “todas as ondas de calor do mundo são hoje tornadas mais fortes e mais prováveis de acontecer por causa das alterações climáticas provocadas pelos humanos”, o mesmo não é necessariamente verdade para as inundações: a chuva forte é “mais comum e mais intensa” devido ao aquecimento global, mas as inundações trágicas resultam de “outros fatores humanos”.
Mais cautela ainda é necessária para analisar fenómenos ainda mais extremos, como os ciclones tropicais. Os cientistas explicam que “o número global de ciclones tropicais por ano não aumentou, mas as alterações climáticas aumentaram a ocorrência das tempestades mais intensas e destrutivas”. Ainda assim, “a intensidade dos ciclones individuais e as velocidades do vento não são atualmente maiores devido ao aquecimento global”, pelo que é necessário ter cautela nessa associação de ideias, sublinham os investigadores.
O mesmo para os nevões e para as secas, que são “muito complexas e diversas, o que dificulta” o processo de atribuição de responsabilidades às alterações climáticas. “Há muitos fatores a considerar além das alterações climáticas no caso das secas com grande impacto, particularmente no que toca à gestão da água”, explica o consórcio. Já no que respeita aos incêndios rurais, também é difícil fazer uma associação direta entre as alterações climáticas e a ocorrência de fogos. Isto porque “os registos históricos dos incêndios são muito limitados em algumas regiões” e também porque “as atividades humanas, como a gestão florestal e as fontes de ignição, também são fatores importantes”.
Uma questão de probabilidades
Ainda assim, é possível estabelecer associações entre os efeitos das alterações climáticas e vários fenómenos meteorológicos extremos dos últimos anos.
Por exemplo, a grande onda de calor que se verificou na Europa em julho do ano passado, e que levou a temperaturas inéditas acima dos 40ºC no Reino Unido, “teria sido extremamente improvável” sem as alterações climáticas provocadas pelos seres humanos, consideram os investigadores do World Weather Attribution. “Combinando os resultados baseados na análise de observação e nos modelos, concluímos que (…) as alterações climáticas provocadas pelos humanos tornaram este fenómeno pelo menos 10 vezes mais provável”, dizem os cientistas que realizaram o estudo.
Pela primeira vez desde que há registos, temperatura no Reino Unido ultrapassou os 40ºC
Outro episódio estudado pelo consórcio de climatologistas foi o das mortíferas inundações que se registaram no Paquistão em agosto e setembro do ano passado, que tiraram a vida a mais de mil pessoas e deixaram mais de seis milhões a precisar de ajuda humanitária urgente. Ao contrário do que acontece com as ondas de calor, o caso das fortes chuvas que provocaram as cheias é mais complexo de analisar e, por isso, é mais difícil atribuir diretamente as culpas ao aquecimento global. Ainda assim, os modelos computacionais usados pelos cientistas indicam que as chuvas intensas são atualmente cerca de 50% mais intensas do que seriam num planeta 1,2ºC mais frio — estima-se que seja este o valor do aquecimento global já provocado pelo ser humano em relação aos tempos pré-industriais.
Noutras situações, os cientistas conseguem fazer associações mais precisas. No caso da forte onda de calor que afetou a Argentina e o Paraguai em novembro e dezembro de 2022 e que levou a temperaturas recorde naqueles países sul-americanos, os cálculos dos cientistas permitiram-lhes concluir que a probabilidade de uma onda de calor daquelas dimensões naquela região do mundo se tornou 60 vezes maior devido ao aquecimento global provocado pelos humanos.
Em sentido contrário, os cientistas do World Weather Attribution também têm estudado casos em que as alterações climáticas não foram o fator determinante para o desastre. Por exemplo, a grave crise alimentar registada com grande intensidade em 2020 e 2021 em Madagáscar foi frequentemente associada ao aquecimento global, mas os investigadores do consórcio estudaram o fenómeno e concluíram que “a pouca ocorrência de chuva observada entre julho de 2019 e junho de 2021 no sul de Madagáscar não aumentou significativamente devido às alterações climáticas causadas pelo humano”.
Pelo contrário, eventuais influências das alterações climáticas não têm impacto significativo em comparação com as variações naturais do clima que já se verificavam na região — ao contrário de fatores socioeconómicos, incluindo o facto de grande parte da população depender da agricultura e pastorícia (que dependem das chuvas), mas também as restrições motivadas pela pandemia da Covid-19 e a pobreza generalizada que se vive no país.