Índice
Índice
António Costa anunciou primeiro; deixou para Fernando Medina o segundo momento; mas voltou a ser do primeiro-ministro o protagonismo sobre o acordo com a distribuição e produção agrícola em que se estabeleceu um cabaz de produtos alimentares que vão passar de IVA de 6% para zero. Uma medida que o Governo teimava em afastar mas em que acabou por dar o braço a torcer. “Casa onde há inflação todos ralham e todos têm parte da razão”, assumiu Costa, para explicar o avanço, nos últimos dias, de um acordo com a distribuição alimentar e com os produtores agrícolas, um compromisso extensível à indústria agro-alimentar, que não esteve na assinatura do pacto mas com quem foram estabelecidas cartas de compromisso.
O Governo assume um custo com a descida do IVA e com o apoio à produção de 600 milhões de euros — “um esforço grande”, nas palavras de António Costa –, o que significa um pouco mais que os 550 milhões que na sexta-feira Fernando Medina, ministro das Finanças, tinha anunciado com as duas medidas. A diferença está nos apoios à produção que ainda terão de ser finalizados. Numa cerimónia, sem direito a perguntas dos jornalistas, António Costa admitiu ralhetes sem resultados, mas, mais do que isso, assume que este é um pacto “feito na boa fé e no compromisso de todos trabalharmos para que possa ser acompanhado noutras reduções e possa levar os preços a estabilizar. É este compromisso conjunto”.
O que vai ter IVA a zero?
Tal como já tinha sido indicado, há um conjunto de 44 produtos, em sete categorias, que vão passar de uma taxa reduzida do IVA para um imposto sobre o valor acrescentado de zero.
Quais são os produtos?
A lista foi divulgada esta segunda-feira e na categoria dos cereais, derivados e tubérculos integra o pão, a batata, a massa e o arroz; na categoria de hortícolas ficam com IVA a zero a cebola, o tomate, a couve-flor, a alface, os brócolos, a cenoura, a courgette, o alho francês, a abóbora, os grelos, a couve portuguesa, os espinafres e o nabo; nas frutas entram para este cabaz a maçã, a banana, a laranja, a pera e o melão; nas leguminosas entra o feijão vermelho, o feijão frade, o grão-de-bico e as ervilhas; nos lacticínios terá IVA zero o leite de vaca, os iogurtes e o queijo; na carne, pescado e ovos entram no cabaz a carne de porco, o frango, a carne de peru, a carne de vaca, o bacalhau, a sardinha, a pescada, o carapau, o atum em conserva, a dourada, a cavala e os ovos de galinha (frescos, secos ou conservados); e na categoria das gorduras e óleos entram o azeite, os óleos vegetais e a manteiga.
Veja a lista de 46 produtos do cabaz alimentar que passam a ter IVA zero a partir desta terça-feira
Segundo o diploma que entrou, esta terça-feira no Parlamento, estão incluídos, no caso das hortícolas, os produtos congelados. É referido que nos legumes e produtos hortícolas consideram-se os “frescos ou refrigerados, secos, desidratados ou congelados, ainda que previamente cozidos”. As batatas podem ser em estado natural, frescas ou refrigeradas e o arroz é em película, branqueado, polido, glaciado, estufado, convertido em trincas. Já a fruta só em estado natural.
Especifica-se ainda que as leguminosas têm de estar em estado seco e que no caso do peixe fresco (vivo ou morto) inclui o “refrigerado, congelado, seco, salgado ou em salmoura, com exclusão do peixe fumado ou em conserva”. No entanto, o atum em conserva passa a estar isento de IVA. Também a carne integra carne e miudezas comestíveis, “frescas ou congeladas”.
Ainda se concretiza que no caso das massas incluem-se as massas alimentícias e pastas secas similares, “excluindo massas recheadas” e no caso do leite de vaca pode ser “em natureza, esterilizado, pasteurizado, ultrapasteurizado, em blocos, em pó ou granulado”. Os iogurtes são referidos na generalidade, incluindo os pasteurizados.
Qual foi o critério?
Tal como o Ministério das Finanças já tinha indicado o cabaz foi composto com base em duas listas. Uma do Ministério da Saúde com bens que, de acordo com a roda dos alimentos, permitam uma alimentação saudável, variando em função da idade de cada um. E uma outra lista fornecida pela APED (Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição) com os produtos mais consumidos pelas famílias. “No cruzamento das duas listas, termos cabaz saudável e cabaz mais consumidor e a disponibilidade Estado, foi desenhado cabaz”, realçou António Costa.
Quando entra em vigor?
Para não criar ilusões, como referiu António Costa, ainda não se sabe ao certo quando entrará em vigor o IVA zero deste cabaz. É que sendo uma alteração, ainda que temporária, às taxas de IVA é uma medida fiscal e como tal de reserva da Assembleia da República. “O facto que é preciso sinalizar é que o IVA para ser colocado à taxa zero requer a aprovação da Assembleia da República”. Esta segunda-feira o Governo realizou já um conselho de ministros eletrónico onde aprovou a proposta de lei que na terça-feira, 28 de março, entrará no Parlamento. “Contamos seguramente com o empenho de todas as forças políticas para agendar o mais rapidamente possível e tramitar o mais rapidamente possível”, esperando a mesma celeridade na promulgação do Presidente da República. No pacto assinado com a distribuição, os retalhistas comprometem-se a afixar os novos preços — já com IVA a zeros — em 15 dias desde a publicação em Diário da República da lei que vier a ser aprovada.
Por quanto tempo vai durar esta descida?
O Governo traçou esta descida temporária do IVA por seis meses, o que se prevê que aconteça de abril até outubro.
Que garantia há que a descida do IVA vai ser repercutida no preço final?
A garantia foi dada pela APED no acordo de que vai fazer repercutir a redução do IVA no preço final. Mas que garantia há que o preço vai ser estabilizado? A pergunta foi feita pelo próprio primeiro-ministro, que também respondeu: “É a vontade que todos temos”. Recordou que nas últimas semanas já há registos de que os preços têm vindo a começar a ter redução, “esperamos que [essa redução] acelere”. Mas, acrescentou, “o preço não é só o IVA, resulta do preço da produção e por isso o compromisso do Estado de reduzir IVA, a do retalho de o repercutir, mas para ser sustentável tem de ter outra linha de atuação — reforçar o apoio à produção para que esta possa estabilizar os preços que vende ao retalho”. No compromisso, a produção também se compromete a “refletir os apoios nos preços dos bens isentos, atendendo ao ciclo natural produtivo e a estabilizar (ou reduzir quando possível) os preços à saída da exploração”.
A distribuição comprometeu-se, ainda, a prestar “informação clara e precisa quanto à redução efetiva do preço” e a “realizar campanhas comerciais sobre os preços de venda o público dos bens alimentares isentos do IVA, com vista à promoção das vendas dos produtos do cabaz e estabilização dos preços”. Já o Governo tem a missão de garantir a comunicação entre produção, agroindústria e distribuição.
Que apoios vão ter os produtores agrícolas?
O Governo já se tinha comprometido a apoiar com 140 milhões de euros a produção agrícola, a pensar nos setores da suinicultura, aves, ovos, bovinos, pequenos ruminantes e culturas vegetais. Mas além disso, haverá renovação dos apoios ao gasóleo agrícola e do apoio para mitigar os aumentos dos custos com fertilizantes e adubos. E é este último valor que, segundo apurou o Observador, não está totalmente fechado, mas que levou a que os custos destas medidas passassem de 550 milhões para 600 milhões de euros. A CAP garantiu ainda que no pacto se prevê a introdução de ajustamentos em face da execução do PDR (programa de desenvolvimento rural) 2020 e quando houver a reprogramação do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC) em setembro.
Quanto custam as medidas?
Segundo o Governo as duas medidas — descida do IVA e apoios à produção — custarão 600 milhões. António Costa admite que “é um esforço grande para um programa que tem horizonte de seis meses, ao longo do qual temos de ir acompanhando a evolução”. Fernando Medina, presente na cerimónia mas que não falou, já tinha dito que o Governo se propõe devolver aos portugueses o dinheiro conseguido a mais em receitas fiscais por causa da inflação.
Quem subscreveu e que entidades estão envolvidas?
O Pacto para a Estabilização e Redução de Preços dos Bens Alimentares foi assinado de forma tripartida — Governo, CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal) e APED (Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição). Em paralelo foram assinadas cartas de compromisso com a AJAP (Associação dos Jovens Agricultores de Portugal), a ADIPA (Associação dos Distribuidores de Produtos Alimentares), a Centromarca (Associação Portuguesa de Empresas de Produtos de Marca), a Confagri (Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal), a CNJAP (Confederação Nacional dos Jovens Agricultores de Portugal) e a FIPA (Federação das Indústrias Portuguesas Agroalimentares). Segundo uma informação divulgada pelo Governo, “estas cartas de compromisso garantem que a universalidade dos agentes da cadeia alimentar – produção, transformação e distribuição – contribuem para a redução e estabilização de preços: não incorporando os ganhos obtidos com os apoios do Governo; partilhando informação sobre a estrutura de formação dos preços dos bens alimentares no quadro da Plataforma de Acompanhamento das Relações da Cadeia Alimentar (PARCA)”.
Quem vai fiscalizar?
Vai ser criada uma comissão de acompanhamento para zelar pelo cumprimento dos compromissos de preço agora assumidos e que vai envolver a partilha de informação “adequada” para este objetivo. Nessa comissão vão estar representados os subscritores, a CAP, APED e vários organismos tutelados pelo Governo — ASAE, Direção-Geral do Consumidor, Autoridade Tributária, DGAE (Direção-Geral das Atividades Económicas) e Gabinete de Planeamento e Políticas do Ministério da Agricultura, e ainda a Autoridade da Concorrência. Os resultados deste acompanhamento serão comunicados, mas protegendo a informação relativa a cada grupo económico. Está prevista uma divulgação de dados por setor, englobando todos os produtos em todos os operadores, e por produto, englobando todos os operadores.
O que mudou na estratégia do Governo?
Foi uma mudança da política (até há semana passada ninguém admitia baixar o IVA) e de discurso, com um recuo face a uma estratégia em que os grupos de distribuição eram apontados como os maus da fita da inflação. António Costa fez algum mea culpa, adaptando o ditado para “Casa onde há inflação, todos ralham e todos têm a sua parte da razão” e reconhecendo que as empresas distribuição têm razão quando apontam para o aumento de custos (e preços) dos seus fornecedores que, por sua vez, pagam custos de produção como a energia e os fertilizantes mais caros. Sem tirar uma parte da razão, às inspeções, como a ASAE, que detetam comportamentos incorretos.
Admitindo que “não foi fácil sentarmos-nos todos à mesa, sublinhou que foi preciso um grande esforço para compreender que aquilo que esperam de nós não é que ralhemos uns aos outros, mas sim que trabalhemos para estabilizar o preço dos bens alimentares e dar um contributo essencial para travar a inflação.
“O pior que podíamos fazer era pormo-nos ralhar uns com os outros em vez de trabalhar em conjunto para encontrar uma solução”.
As medidas anti-inflação ficam por aqui?
O primeiro-ministro não fechou a porta a mais medidas durante uma intervenção que não teve direito a perguntas de jornalistas. Realçou o que ninguém sabe dizer por mais quanto tempo esta guerra da Rússia contra a Ucrânia vai prosseguir. E se se prolongar, a tensão sobre os fatores de produção vai manter-se. Por isso, disse, “estamos a reforçar os apoios à promoção” e vamos “acompanhar a evolução dos preços para estar atentos aos riscos”.
(Notícia atualizada depois de divulgada a proposta de lei com os produtos, que incluem congelados)
[Ouça aqui o primeiro episódio da série de podcast “O Sargento na Cela 7”. A história de António Lobato, o português que mais tempo esteve preso na guerra em África.]
[Ouça aqui o segundo episódio da série em podcast “O Sargento na Cela 7”. Uma história de guerra, de amor e de uma operação secreta.]