“Alguns portugueses” já se juntaram à Legião Internacional de Defesa Territorial, a força composta por estrangeiros com experiência militar, anunciada pelo presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, e que se vai juntar às forças de Kiev na guerra contra a Rússia, garantiu ao Observador um porta-voz do Governo de Kiev.
Sem especificar quantos estrangeiros já aderiram a esta força, desde que, há uma semana, o líder ucraniano apelou à união de esforços, Vitaliy Mukhin explicou ao Observador todas as regras do alistamento para combater no terreno as tropas russas. Questionado sobre se existem portugueses entre os voluntários já recrutados, o responsável admite que a Legião Internacional ucraniana já conta com esses reforços: “Por agora, temos alguns portugueses nas nossas forças.” Uma informação que o Observador tentou aprofundar junto da Embaixada da Ucrânia, em Lisboa, mas sem obter resposta. “Desculpe, não vamos falar sobre esse tema agora”, respondeu fonte diplomática.
O Observador tentou também saber junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros se está a acompanhar este recrutamento e quantas pessoas em Portugal, portugueses ou estrangeiros, se terão inscrito. Mas, até ao momento, também não obteve qualquer resposta.
Equipamento de guerra e entrevistas com responsáveis militares: os cinco passos para entrar em combate
Nos esclarecimentos enviados por Vitaliy Mukhin, são indicados sete passos para aqueles que querem integrar a Legião Internacional para a Defesa Territorial da Ucrânia. Primeiro, esses voluntários devem dirigir-se pessoalmente à embaixada da Ucrânia no respetivo país, ou estabelecer contacto por telefone ou e-mail. Terão de ter o passaporte em dia e documentos que confirmem a experiência militar em campos de combate.
Depois, o terceiro passo, será feita uma entrevista com o adido da defesa nas embaixadas ucranianas espalhadas e tratar de possíveis questões relacionadas com o visto. Só depois será preenchido o formulário para se alistarem como voluntários nesta força que está na dependência das Forças Armadas ucranianas. Um quinto passo será perceber como chegar à Ucrânia, tendo em conta que deverão levar consigo equipamento militar. A viagem para a Ucrânia será assegurada e acompanhada pelos serviços diplomáticos. O contrato será assinado à chegada da Ucrânia. O Euromaidan Press já tinha feito uma infografia com esta informação.
Infographic: Algorithm for foreigners to join the Foreign Legion of Territorial Defense of Ukraine, by @uacrisis pic.twitter.com/xMcE3Awwn5
— Euromaidan Press (@EuromaidanPress) March 1, 2022
O Governo ucraniano disponibilizou também uma linha telefónica para o recrutamento, cuja tecla 2 permite um conversa em inglês. Nessa linha, os combatentes podem escolher entre a integração nas unidades de apoio humanitário ou militares. O Observador tentou chegar ao contacto com um voluntário português que já esteja integrado nas forças ucranianas, mas até ao momento o porta-voz do governo de Kiev ainda não disponibilizou essa informação. No caso de A. S. — cidadão a residir nos EUA, que manifestou interesse em aderir à Legião Internacional —, a indicação que recebeu dos serviços diplomáticos ucranianos no país era a de que devia tratar do processo atráves da página do Facebook da Embaixada da Ucrânia em território norte-americano, mas também essa se encontrava inacessível numa primeira tentativa, segundo revelou o próprio ao Observador. Vários sites de representações diplomáticas ucraniana estão inacessíveis na sequência de um ciberataque ao site do Governo ucraniano, com vista a fragilizar as infraestruturas do país.
O norte-americano que quer alistar-se
A.S. vive do outro lado do Atlântico, mas não consegue ficar em casa, numa pequena cidade norte-americana perto da fronteira com o México, a ver os militares russos a tentarem dominar a Ucrânia. Desde que soube que as tropas de Zelenksy pretendiam formar uma Legião Internacional para a Defesa Territorial, recrutando estrangeiros com experiência militar, este veterano de guerra de 53 anos tem tentado inscrever-se. Mas os sites das representações diplomáticas onde podia fazê-lo foram alvo de um ciberataque e não há forma de conseguir, como explicou ao Observador numa troca de mensagens através das redes sociais.
Por que motivo a UE e a NATO não intervêm na Ucrânia? “Nenhum europeu quer um confronto nuclear”
Nascido nos Estados Unidos, filho de pais mexicanos, A. S. já combateu na Guerra do Golfo. Divorciado e pai de três filhos já adultos, é um dos nomes que aparece num grupo da rede social Facebook associado ao “International Legion of Territorial Defense”, uma espécie de Legião Estrangeira anunciada no sábado pelo presidente Volodymyr Zelensky, que, perante a impossibilidade de ter militares internacionais no seu território (depois de a NATO e a União Europeia terem recusado intervir no conflito), pediu a todos os estrangeiros com experiência militar que se juntassem na defesa do país.
Vários países, incluindo Portugal, já anunciaram que vão ajudar a Ucrânia com o fornecimento de material bélico. Militares, só mesmo para proteger as fronteiras dos países da União Europeia e os Estados-membros da Aliança Atlântica. Há já vários sites oficiais ucranianos e mesmo de Organizações Não Governamentais que fazem listas daquilo de que o país precisa e que incluem material militar. Mas, no apelo do presidente, percebe-se que faltam homens. Mesmo aplicando a lei marcial e impedindo os nacionais de abandonarem o país.
Pelas redes sociais como o Facebook e o Twitter, circulam várias mensagens de homens e mulheres interessados em combater. Existem também apelos para que outros sigam o exemplo, sob o argumento de que não basta mudar a foto de perfil e colocar uma bandeira com as cores da Ucrânia para defender o país no conflito contra as tropas da Federação Russa. Outros assumem que acabaram de chegar a esta recém criada unidade (embora apresentem perfis reduzidos e com impossibilidade de serem contactados); Outros ainda, como A. S., procuram formas de se alistar, uma vez que as informações disponíveis são escassas e os sites das representações diplomáticas estão em baixo, por causa de sucessivos ataques cibernéticos às representações diplomáticas ucranianas.
A vietnamita que procura companhia para se alistar
T.P., uma vietnamita de 29 anos, contornou os sites das embaixadas para procurar a informação e, na rede social Facebook, chegou rapidamente ao contacto de um elemento do grupo criado por esta nova força. Foi lá que o Observador a encontrou para, depois, travar um diálogo privado. T.P. começou por dizer que foi já contactada pela Legião Internacional e pela embaixada polaca. E que, apesar de não ter qualquer formação militar, foi informada de que poderia dirigir-se à fronteira da Polónia com a Ucrânia, para depois ser redirecionada. Também foi informada de que haveria outros serviços que poderia prestar no apoio à resistência ucraniana.
T.P. aguarda agora por uma resposta sobre o visto que será necessário para deixar o Vietname e chegar à Polónia. “Eles disseram-me que devia dirigir-me à fronteira entre os dois países e com quem deveria encontrar-me ali”, explicou, num diálogo interrompido pela dúvida sobre se, do outro lado, estaria mesmo uma jornalista ou “alguém das tropas russas” a enganá-la “para recolher informações sobre os estrangeiros que querem juntar-se à Legião”.
Disposta a pagar a viagem do seu bolso, por querer ajudar a Ucrânia, T.P. não depende, porém, apenas do visto. “Gostava de conhecer alguém por aqui que quisesse fazer o mesmo para irmos juntos. Tenho um bocadinho de medo”, confessou.
Na segunda-feira, a ministra-adjunta da Defesa ucraniana, Hanna Maliar, disse ter recebido milhares de inscrições estrangeiras. O Observador noticiou esta quarta-feira que havia pelo menos mil alistados em quatro dias, desde o anúncio de Volodymyr Zelensky. “Quem quiser juntar-se à defesa da Ucrânia, da Europa e do mundo pode vir e lutar lado a lado com os ucranianos contra os criminosos de guerra russos”, tinha apelado o presidente, em comunicado. Só da Suécia foram 400 as inscrições e do Japão terão sido 70, entre os quais se contam 50 antigos membros das Forças de Autodefesa do Japão, além de dois veteranos da Legião Estrangeira Francesa.
Estes dados não foram, no entanto, fornecidos pelas representações diplomáticas deste país — por onde passa o recrutamento. Também a Globo noticiou que, segundo o encarregado de negócios da Ucrânia no Brasil, Anatoliy Tkach, a embaixada já recebeu mais de 100 pedidos de brasileiros que querem alistar-se no Exército ucraniano. “São mais de 100 cartas, não conseguimos responder a todas elas”, disse Tkach, ressalvando que é precisa experiência militar (um dado que contraria a informação prestada por outras representações diplomáticas ucranianas espalhadas pelo mundo) e falar, pelo menos, inglês de forma fluente.
Uma fonte militar da Legião de Estrangeiros da Ucrânia também não revelou ao Observador quantos homens e mulheres já compõem o batalhão, alegando “razões de segurança”. Mas explicou que há já várias nacionalidades no terreno: “Croatas, polacos, irlandeses, portugueses e franceses”, enumerou. No entanto, não estão todos juntos. “A situação no terreno está a agravar-se e eles estão separados por vários locais do país”, disse o oficial, num contacto telefónico.
A mesma fonte explicou que estes militares têm chegado não apenas através das embaixadas, onde as regras de alistamento prevêem mesmo uma entrevista com um adido, mas por outras vias. Seja porque se dirigem aos países que fazem fronteira com a Ucrânia seja através de várias “organizações e associações que estão a dar apoio ao país”.
Aliás, uma publicação no grupo (público) do Facebook da Legião aponta aquilo que deve ser uma resposta oficial a um pedido de alistamento. “Obrigada pela tua prontidão em ajudar a Ucrânia e em completar a inscrição para a Legião”, lê-se em inglês. Seguindo-se informação do que deve o candidato fazer: viajar do local onde se encontra para a fronteira perto de Krakovets. Como os serviços consulares da Ucrânia e da Polónia estão sobrecarregados, deve dirigir-se a alguém que esteja a controlar o tráfego na fronteira. “Se não tiver como chegar à fronteira pelos seus meios, por favor, avise-nos que nós vamos tentar encontrar uma forma de o fazer”, lê-se.
Uma vez chegados à fronteira com a Ucrânia, diz a informação colocada no grupo, haverá autocarros para transportar estes voluntários para junto dos representantes das Forças Armadas do país. Existe ainda a possibilidade de entrar no país através da fronteira apeada na zona de Medyka, onde também está uma tenda com voluntários. Qualquer que seja a opção, ela deve ser comunicada previamente. “Estamos muito agradecidos por ajudar o nosso país nestes momentos difíceis”, remata a mensagem.
The hotline for foreign volunteers wishing to help Ukraine is now running. The number to call is +380442370002, and press '2' for English
Full instructions on joining Ukraine's #ForeignLegion here: https://t.co/AVNgtXkYye
— Euromaidan Press (@EuromaidanPress) March 3, 2022
Especialistas norte americanos advertem para o risco dos contratos de voluntariado numa guerra
O site Military.com também não conseguiu obter respostas às questões colocadas sobre o atual universo de voluntários para combater na Ucrânia. Um porta-voz da Embaixada ucraniana em Washington D.C. não respondeu também ao número de candidaturas recebidas, apesar de as redes sociais darem conta de vários norte-americanos a manifestar intenção de integrar as fileiras ucranianas contra a Rússia. No próprio Facebook da embaixada é possível encontrar uma publicação que dá acesso a um formulário para quem quiser alistar-se na Legião, contribuir com armas ou fazer uma doação.
A fundadora do Centro de Ética e Estado de Direito, Claire Finkelstein, explicou a esta publicação que todos os voluntários que queiram integrar a Legião Internacional, mesmo que tenham experiência militar, vão sempre participar no conflito como civis, “o que os torna um alvo do inimigo”. A especialista adverte que não terão qualquer tratamento especial à luz do direito internacional. Mais: caso sejam capturados pelos russos, nem sequer podem ser vistos como “prisioneiros de guerra” e serem tratados de acordo com o disposto nas Convenções de Genebra, o que deve ser uma “preocupação” para os americanos.
“É muito importante que aqueles que lutam por um Estado lutem como parte integrante do mesmo e não como contratados”, como refere o anúncio de recrutamento. “Caso contrário, o Estado não está a assumir a responsabilidade por eles”, explicou.