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61st Eurovision Song Contest - Grand Final
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A cantora ainda não tem opinião formada sobre a suspensão do acesso dos europeus aos média estatais russos

picture alliance via Getty Image

A cantora ainda não tem opinião formada sobre a suspensão do acesso dos europeus aos média estatais russos

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Jamala, vencedora da Eurovisão em 2016: "Já não sou cantora nem autora, sou uma mãe ucraniana a pedir ao mundo para estarmos unidos"

Vencedora da Eurovisão em 2016, está refugiada na Turquia desde o início da invasão da Ucrânia. Em entrevista ao Observador, diz que nunca imaginou viver o mesmo que a avó, expulsa da Crimeia em 1944.

“Enquanto fazemos esta entrevista, há pessoas a serem mortas”, diz Jamala, cantora tornada ativista que fugiu da guerra na Ucrânia e está a viver com os dois filhos bebés em casa de uma irmã na Turquia. A partir de Istambul, por videochamada, a artista que deu a vitória à Ucrânia no Festival da Eurovisão em 2016 parece ansiosa e aparenta fadiga. Mas tem bem presente a mensagem que quer passar: a invasão do seu país pela Rússia a 24 de fevereiro não é um problema ucraniano, é um problema europeu, de escala global.

A história de Jamala tem uma repetição irónica. Filha de mãe arménia e de pai muçulmano de etnia tártara, nasceu há 38 anos no Quirguistão — onde a avó se tinha exilado depois da limpeza étnica dos tártaros da Crimeia pela União Soviética de Estaline. Foi este episódio que ela evocou no polémico tema “1944”, que levou à Eurovisão. Hoje também ela é refugiada devido à guerra e também desta vez por causa do regime russo. “Sinto-me desesperada, mas não posso ser fraca”, confessa.

Jamala — nome artístico de Susana Alimivna Jamaladinova — vivia até há poucas semanas em Kiev. Estava a dormir quando às cinco da manhã de 24 de fevereiro soaram explosões e sirenes na capital ucraniana. Passou o dia a entrar e a sair de um bunker, relata-nos. À noite, com medo que a situação se agravasse, saiu da cidade na companhia do marido e dos dois filhos, um ano e três anos, e foram para Ternopil, a 400 quilómetros de Kiev. Demoraram dois dias a chegar.

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A 26 de fevereiro, voltaram a ser sobressaltados por rebentamentos no aeroporto e decidiram partir em direção à fronteira com a Roménia. O marido deixou-a a ela e às crianças e voltou para trás, porque os homens estavam proibidos de abandonar o país. Amigos da irmã que vive em Istanbul foram-na buscar de carro à Roménia. Chegou à Turquia a 28 de fevereiro.

Nas redes sociais, especialmente no Instagram, tem sido ativa em mensagens de apoio ao Governo ucraniano, de apelo à paz e de angariação de fundos para a população debaixo de fogo. Já foi descrita na imprensa internacional como “símbolo da resistência ucraniana à opressão russa”. Ao Observador, diz que a carreira artística está suspensa para já e que o regresso à Ucrânia é o único plano possível. Deixa em aberto uma participação especial no Festival da Eurovisão que se realiza no início de maio em Itália — onde a Ucrânia estará representada pela canção “Stefania”, da  Orquestra Kalush.

Jamala saiu de Kiev no dia em que rebentou a guerra

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Vive neste momento em Istambul?
Diria que estou aqui, mas não vivo aqui. Desde o primeiro dia em que cheguei, com os meus dois filhos, comecei a minha própria luta. Participei em algumas conferências de imprensa em Istambul, depois estive em Berlim. Fisicamente, estou aqui, mas estarei onde for preciso para ajudar o meu país.

No fundo, procura utilizar a notoriedade que tem para passar uma mensagem.
Exatamente. A todo o instante quero ajudar a proteger o meu país desta guerra absolutamente injusta e cruel. A Rússia atacou a Ucrânia há 21 dias. Foram destruídos muitos edifícios, incluindo hospitais e escolas em Kharkiv, Mariupol, Kiev e tantas outras cidades. Restam ruínas. Milhares de civis foram mortos, centenas ficaram feridos, há mais de um milhão e meio de crianças refugiadas. Não posso dizer que esteja num sítio seguro, não estou segura, de maneira nenhuma. Todos corremos perigo, estamos todos no mesmo barco. Ninguém se pode sentir seguro quando estamos a falar de centrais nucleares. Há quatro centrais nucleares ativas na Ucrânia, com 15 reatores, que estão a ser controladas pelo russos. Os funcionários estão reféns, trabalham em condições horríveis, com armas apontadas. Não estou segura, não estou bem. Não estou.

Está atenta às notícias ou procura evitar, para não se sentir ainda mais alarmada?
Passo os dias inteiros a ver notícias, mas não preciso da TV, os meus amigos enviam-me fotos e vídeos através da internet. Também estou sempre em contacto com o meu marido através da internet.

"O baterista da minha banda, que está em Mariupol, vive uma situação terrível. Toda a família dele, mãe, pai, irmão, dois filhos, está há 12 dias sem comida e sem água num abrigo subterrâneo. Ele disse-me que tentaram derreter neve para poderem ter água. É um horror."

Ele ficou em Kiev?
Está na Ucrânia, não posso dizer onde, por razões de segurança. Está a fazer voluntariado e tenta ajuda crianças, mulheres, quem puder. Falo todos os dias com ele, com os meus amigos, com a minha equipa, com os músicos, alguns dos quais estão em Kiev. Passei esta manhã a tentar saber o que se passa na zona de Obolon, em Kiev, porque houve muitas explosões nas últimas horas e o meu sogro vive ali. O baterista da minha banda, que está em Mariupol, vive uma situação terrível. Toda a família dele, mãe, pai, irmão, dois filhos, está há 12 dias sem comida e sem água num abrigo subterrâneo. Ele disse-me que tentaram derreter neve para poderem ter água. É um horror. Disse-me que três amigos dele, marido, mulher e um filho, foram mortos pelo russos, ao tentarem sair de Mariupol.

Sente tristeza ou sente raiva?
É tudo ao mesmo tempo. Sinto-me desesperada, mas não posso ser fraca, tenho de lutar. É preciso perceber isto: não se trata de uma guerra na Ucrânia, não é isso, é uma guerra na Europa, é guerra contra todos os valores europeus. É uma guerra contra os valores que surgiram a seguir à II Guerra Mundial. Sempre pensámos que nunca aconteceria outra vez, mas está a acontecer.

Como é o seu dia a dia?
Neste momento sou apenas mãe, mãe de duas crianças. Passos as noites com um num braço e o outro no colo. Infelizmente, têm mau dormir e choram. O mais velho diz-me: “Mãe, quero voltar para casa, quero ver o pai, não gosto de estar aqui, não gosto da comida.” Durmo duas ou três horas por noite. Durante o dia tento responder a pedidos de entrevistas ou participo em eventos, como aconteceu há poucos dias em Berlim. As televisões organizaram o final nacional da Eurovisão e durante o programa angariaram dinheiro para ajudar a Ucrânia

Foi aí que cantou o tema “1944” com uma bandeira da Ucrânia na mão?
Exatamente. Depois disso, atuei na Roménia e na Lituânia em eventos musicais de angariação de fundos. Todo o dinheiro que pudermos juntar é uma ajuda.

"Um ataque à liberdade e aos valores do humanismo é um ataque ao mundo inteiro", defende a cantora

Albin Olsson

Passou de cantora a ativista?
De certa forma. Todos os meus planos foram por água abaixo no dia 24 de fevereiro. Sinto que a atividade como cantora e autora de canções parou. Já não sou cantora nem autora, sou uma mãe da Ucrânia que tenta fazer o que pode para dizer ao mundo que precisamos de estar unidos na proteção dos nossos valores e das nossas crianças.

Já pensou escrever uma canção sobre tudo isto? É possível pensar na música neste momento?
Não é possível. Por enquanto não penso em novas gravações. Recebi algumas propostas de colaboração de outros músicos, mas não sei. Não tenho tempo.

Podemos saber quem são esses músicos?
Não são nomes muito conhecidos. Foram convites vindos da Turquia, de Israel, da Polónia, da Suécia. São pessoas que se preocupam.

Pensa que a mensagem de “1944” se tornou ainda mais atual?
Sem dúvida. Cada palavra e cada acorde é agora mais real. Infelizmente, a história repetiu-se, não se quis aprender as lições do passado.

Quando venceu a Eurovisão dizia-se que a letra dessa canção tinha uma forte carga política e que irritava o poder russo.
Escrevi-a a pensar na minha avó, na tragédia dos tártaros da Crimeia, na deportação imposta pela União Soviética, quando milhares e milhares de pessoas morreram. A minha avó levou quatro filhos nos braços e durante a viagem um deles morreu. Tenho pensado nisto: ela foi verdadeiramente corajosa e conseguiu passar por todo aquele horror, mas eu não sou tão forte. Na manhã do dia 24 de fevereiro entrei em choque e censuro-me por não ter sido capaz de me organizar no meio daquele caos. Agarrei nos miúdos e nos documentos, nem pensei na comida. É difícil explicar. Não há nenhum curso que nos ensine a lidar com uma situação destas.

"Um amigo de origem russa que vive na Ucrânia disse-me que a mãe dele, que está na Rússia, não acredita no que ele lhe diz. Não acredita. Diz que ele a está a enganar, que é tudo propaganda. Há milhões e milhões de pessoas na Rússia que não conhecem a verdade."

Que expectativas tem para a final da Eurovisão em Turim? Será um evento influenciado por esta guerra?
Temos de ver que a Eurovisão é um grande concurso europeu de música. Tanto quanto sei, foi criado depois da II Guerra com o objetivo de unir a Europa. Cada país tem ali a oportunidade de se mostrar, de apresentar mensagens sobre o amor, sobre flores, qualquer coisa, o que as pessoas quiserem. Por vezes, a mensagem é sobre a guerra, a tragédia. Quando ganhei, em 2016, quiseram encontrar mensagens políticas na minha canção, mas não encontraram. Nada na letra fala de uma situação concreta. O que irritou os russos foi apenas o título, “1944”, porque evoca o que passou nesse ano.

Irritou os russos ou o regime russo?
O regime, sim. O regime ficou incomodado. Mas não puderam pegar pela letra. Nesse sentido, “Waterloo” dos Abba era uma canção muito mais política do que a minha. Mas a mensagem de cada país é muito importante porque o Festival da Eurovisão não está fora da realidade.

Vai estar em Itália?
Ainda não sei. É possível. Sei que a comunidade eurovisiva é muito grande e tem apoiado a Ucrânia com eventos de angariação de fundos, que não são ideia minha, foram as pessoas que pensaram nisso. O próximo evento será em Madrid, no dia 5 de abril.

Gostaria de estar na final deste ano?
Seria uma grande oportunidade para cantar a minha canção e dizer que isto não se pode repetir.

Imagina quando é que poderá regressar à Ucrânia? Pensa nisso?
Não penso sequer noutra hipótese. Só penso em voltar a Kiev, é a única coisa que me passa pela cabeça.

Refugiados na fronteira da Eslováquia com a Ucrânia

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Os seus filhos não se apercebem, pois não?
Penso que não. São muito pequenos. Prefiro que seja assim. Se fossem mais velhos, poderiam ficar traumatizados. Penso nas crianças que estão na Ucrânia, em abrigos, sem comida e sem eletricidade. É um horror.

Tem tido apoio das autoridades turcas?
Tenho o apoio da minha irmã e de amigos turcos, não posso dizer que tenha algum apoio do Governo. A Polónia tem ajudado os refugiados, a Lituânia, a Alemanha. Não sei se Portugal também.

Portugal já recebeu mais de sete mil pedidos de proteção temporária [cerca de 10 mil até quinta-feira, 16].
É extraordinário. Tenho uma grande amiga que vive em Braga. Devo dizer que adoro Portugal, é o país mais bonito que já visitei. O vídeo da canção “I Believe in U” [2017] foi gravado aí, perto de Lisboa. Não digo isto por estar a falar com um jornalista português, é mesmo verdade. Adoro o Salvador Sobral e sei que ele tem dado apoio à Ucrânia. É muito importante estarmos juntos nas dificuldades. Mas, insisto: isto não é apenas uma guerra na Ucrânia, estamos a lutar pela Ucrânia mas também pela democracia. Ninguém está à margem. Um ataque à liberdade e aos valores do humanismo é um ataque ao mundo inteiro. Espero que a Europa e o mundo percebam isso.

Que opinião tem sobre a decisão da Comissão Europeia de cortar o acesso dos europeus a dois órgãos de comunicação social russos, RT e Sputnik, por alegada propaganda?
É inacreditável o que a Rússia tem estado a fazer. É uma autêntica guerra de informação, mentem ao público russo, inventam que se trata de uma “crise” e de uma “missão especial” na Ucrânia. Um amigo de origem russa que vive na Ucrânia disse-me que a mãe dele, que está na Rússia, não acredita no que ele lhe diz. Não acredita. Diz que ele a está a enganar. Ele explica-lhe: “Mãe, as fotos que te enviei foram tiradas da minha janela, não estou a inventar, há uma guerra na Ucrânia.” Ela diz que não é verdade, que é tudo propaganda. É muito triste. Isto tem de ser parado. Há milhões e milhões de pessoas na Rússia que não conhecem a verdade.

Ainda assim, é correto que as autoridades europeias decidam cortar o acesso aos média russos?
Não sei dizer. Se eu souber que alguém engana e mente, a minha vontade é mostrar a verdade e desmascarar a mentira.

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