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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Jerónimo de Sousa: "Nos Açores, o Chega voltou à barriga da mãe"

Em entrevista ao Observador, o líder comunista ataca Ventura e desafia PSD a assumir que encontrou "não uma companhia, mas um sucedâneo". PS não se fica a rir: chumbo ao OE está em cima da mesa.

Jerónimo de Sousa não tem dúvidas: “As medidas que o Governo tomou no âmbito do Estado de Emergência são claramente excessivas”. O secretário-geral comunista entende que António Costa continua a operar num “quadro onde se exercita o medo” e que não esconde, aqui e ali, a “tentação” de culpar os portugueses pelo estado da pandemia. E deixa uma garantia: o congresso do PCP vai mesmo avançar; “adiá-lo seria uma proposta inaceitável”.

No programa “Sob Escuta”, na Rádio Observador, Jerónimo fala também do Orçamento do Estado para deixar uma ameaça velada: se o Governo não se aproximar de forma significativa das reivindicações do PCP, os comunistas não excluem chumbar o Orçamento. “Há sempre alternativa: os duodécimos são uma solução; a apresentação de outro Orçamento é outra solução”, sugere.

O comunista não resiste, aliás, a fazer uma provocação ao Bloco de Esquerda, insinuando que o partido de Catarina Martins se comporta nas negociações com o Governo como um “catavento”. “O mais cómodo era ‘isto assim não, ponto final parágrafo’. O Bloco tomou a posição que entendeu por bem tomar”, nota.

Jerónimo de Sousa fala ainda do Chega e dos Açores, rejeita as comparações com a ‘geringonça’ e acusa o PSD de ter abraçado alegremente o Chega. “O Chega voltou à barriga da mãe”. E, apesar de uma hesitação, entre Marcelo Rebelo de Sousa e André Ventura, numa eventual segunda volta presidencial, o secretário-geral comunista recorda que o partido esteve sempre do lado dos que defenderam a democracia.

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[Veja o essencial da entrevista a Jerónimo de Sousa]

Estamos em plena segunda vaga da pandemia, o Governo preparou mal o que inevitavelmente ia acontecer?
As medidas que o Governo tomou no âmbito do Estado de Emergência são claramente excessivas e incapazes de dar resposta ao que é a questão de fundo, que são as medidas necessárias no Serviço Nacional Saúde e encontrar uma política de pedagogia, aconselhamento, sentido de responsabilização. O Governo preferiu entrar por uma linha de proibição.

O governo está a habituar-se à lei do bastão?
É exagerada a expressão, mas de certa forma consideramos que o carácter excessivo das medidas, que impuseram de forma limitadora ou opressiva, não responde ao que é fundamental: mais camas, mais médicos, mais profissionais de saúde.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Mas também se está a falar disso, há mais camas, há mais médicos.
Claramente insuficiente. Consideramos que era preciso uma linha de investimento, de medidas excecionais, visando o reforço da rede pública de saúde. O governo preferiu medidas que as pessoas não entendem. Não imaginam a quantidade de pessoas que se dirigem a nós para tentar perceber as medidas. O governo explicou mal.

Está a haver um desnorte na gestão da informação?
Creio que corrigir um erro nunca é um mal em si, antes pelo contrário. Mas, na discussão relativamente ao estado de emergência, o Governo não atendeu ao que eram preocupações e prioridades, e não descansou os portugueses, porque continuamos hoje num quadro onde se exercita o medo. As medidas são discriminatórias em alguns casos, incompreensíveis noutros. As pessoas perguntam ‘porque é que fecha aqui e abre acolá?’. Há uma certa confusão e incompreensão em relação a medidas que o governo tomou. Há que encontrar as medidas de proteção, de responsabilidade individual e coletiva, sem culpar as pessoas.

O Governo tem tido a tentação de culpar as pessoas?
Houve ensaios nesse sentido. Lembro o que aconteceu em relação à juventude, houve tentativas claras de encontrar um culpado e os culpados seriam os jovens. E não são.

"Caracterizamos essas medidas como claramente excessivas e incapazes de dar resposta ao que é a questão de fundo. O Governo preferiu entrar por uma linha um pouco mais de proibição. Preferiu medidas que as pessoas não entendem"

Politicamente o responsável é sempre o governo, é isso?
Não estou a responsabilizar o governo por medidas que são necessárias. Responsabiliza-se é o governo por aquilo que é excessivo em termos da aplicação dessas mesmas medidas.

Portugal está com milhares de novos infetados, máximos de mortalidade, de internamentos. Só para ficar claro: se o PCP fosse governo não havia nenhum tipo de recolher obrigatório ou confinamento?
O que o meu partido assumiu e tomou foram as medidas de proteção e de segurança sanitária, na sua vivência, no quotidiano. Se entrar na Soeiro Pereira Gomes [sede do PCP] encontrará a expressão da responsabilidade que o meu partido tem tomado em relação às medidas de segurança. Assim como em relação à atividade política, onde a Constituição fala por si. Mas isso não é incompatível com a segurança.

O PCP discorda do recolher obrigatório?
Sim, essa medida serve para quê? Há um caráter excessivo nessa medida. Acho que era possível, na anterior situação de estado de calamidade, encontrar as medidas necessárias, designadamente ir à origem dos surtos, identificá-los e tratá-los. Isto não pode ser tomado com leviandade. Há uma situação grave, assumimos isto. Mas como é que se identificam os surtos? Tendo em conta o estado em que se encontra hoje o SNS, onde falta tudo, onde durante anos ninguém ligou nenhuma à necessidade prevenção, de recursos, de meios, de profissionais…

Nenhum SNS do mundo estava preparado para uma situação como esta.
Sim, mas uns estavam melhores do que outros. Nós valorizamos muito o SNS, o seu papel decisivo. Mas a rede pública de saúde foi depauperada durante anos e anos. Epidemia haveria sempre, mas a resposta é que não acompanha o desenvolvimento e o agravamento da situação epidémica.

Está a falar de uma falta de investimento crónica no SNS. O PCP aprovou quatro orçamentos na anterior legislatura, um nesta. Não tem responsabilidade nessa falta de investimento que diz existir?
Se for reler esse histórico de aprovação verificará que em todos eles o PCP propôs não só o reforço do financiamento, como em relação à questão da falta de profissionais a diversos níveis. Muitas dessas propostas não tiveram vencimento, porque PS e PSD não permitiram a sua aprovação. Não foi por falta de empenhamento do PCP. Essa foi uma prioridade das nossas propostas em relação ao Orçamento do Estado: o reforço do SNS, de meios, de profissionais, de equipamentos, que infelizmente não teve a disponibilidade e a abertura do governo minoritário do PS.

"O recolher obrigatório serve para quê? Há um caráter excessivo nessa medida. Acho que era possível encontrar as medidas necessárias, designadamente ir à origem dos surtos, identificá-los e tratá-los. Isto não pode ser tomado com leviandade"

Admite em alguma circunstância que o congresso do PCP, previsto para o fim de semana de 28 e 29, não se realize?
Não. Estamos em condições de garantir não só a proteção mas também a segurança de quem lá estiver. Depois, tomámos medidas de reduzir para 50% o número de delegados, não ter convidados nacionais nem estrangeiros. Estão garantidas todas as normas e preceitos necessários para a salvaguarda do bem-estar e da saúde dos delegados. Respeitaremos as orientações da DGS. Não é por aí que o congresso não se realizará: vamos garantir essas condições. Isto é uma responsabilidade que assumimos.

Mas se o que vai acontecer neste fim de semana e no próximo se prolongar para um terceiro fim de semana, o PCP aceitaria uma proposta de adiar o congresso?
Acho que é uma proposta inaceitável. Não se arrede dessa ideia os comandos constitucionais que determinam o exercício dos direitos e das liberdades. Não é uma atividade qualquer. Estamos a falar de direitos políticos, de liberdades que a Constituição consagra: em primeiro lugar, respeite-se a Constituição. Em segundo lugar, ninguém vê o congresso do PCP a poder mudar de siítio a uma semana ou duas de se realizar. Isso era a mesma coisa que proibir.

Aconteça o que acontecer vai haver Congresso?
Se houvesse uma desgraça no partido, na sua direção, teríamos de reconsiderar. Mas isso, posso estar a ser otimista, mas creio que não acontecerá.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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No início desta entrevista falava em alguma incompreensão em relação a determinadas exceções, mas está consciente de que as pessoas podem não compreender que a Festa do Avante e agora o congresso se realizem quando não se pode sair de casa?
Acho interessante: primeiro cria-se a mistificação, lança-se o medo, exercita-se o temor, e depois criam-se as condições para que a tal perceção e confusão das pessoas aconteça. Naturalmente, nós percebemos a complexidade e a sensibilidade que esta matéria tem de ter. Mas já deveriam ter tirado conclusões. Afinal, a Festa do Avante mostrou ser um lugar seguro. Lembro-me de sete canais de TV, ao mesmo tempo, na abertura do horário das 20h, a malhar na Festa do Avante. Espanto dos espantos, afinal, não aconteceu nada. Nunca mais ninguém falou na Festa do Avante. Garantimos a segurança, como vamos garantir agora no congresso.

Mas há uma questão de sentimento de injustiça relativa.
Deve haver a pedagogia do exercício dos direitos. No momento em que se começarem a limitar os direitos e as liberdades diria: “Sabemos como começa, mas não sabemos como acabaria”. A valorização dos direitos individuais e coletivos que a nossa Constituição consagra deve ser o ponto de referência fundamental no quadro da vivência democrática que temos.

"Respeitaremos as orientações da DGS. Não é por aí que o congresso não se realizará: vamos garantir essas condições. Isto é uma responsabilidade que assumimos. Adiar o congresso é uma proposta inaceitável"

Crise orçamental? “Apresentação de outro Orçamento é uma solução”

Por falar em processos que não sabemos como é que acabam, falemos do Orçamento. Em quatro meses o PCP foi do chumbo do Orçamento Suplementar, que era um instrumento de emergência, de resposta imediata à crise, à abstenção neste Orçamento, pelo menos na votação na generalidade. Como é que explica esta mudança de posição?
O Orçamento Suplementar não respondia às necessidades mais urgentes, mais imediatas, que estavam colocadas ao nosso país. Não podíamos votar um Orçamento daquela natureza.

Mas sem aquele instrumento o Governo ficaria descalço para responder à situação de emergência.
Sim, mas qual é a resposta? O Orçamento Suplementar está a demonstrar que deu cabal resposta aos problemas que estavam colocados? Não deu. E a vida está a demonstrá-lo. Quanto a este Orçamento do Estado, fomos sempre claros: não é o nosso feitio desistir dos combates antes de os travar. É uma proposta de Orçamento que não dá resposta aos problemas nacionais, e consideramos que é preciso dar resposta a essas ausências de soluções na especialidade. A epidemia é um problema sério, mas tem as costas largas. Veio dar mais visibilidade a essas fragilidades, a essa ausência de respostas, e por isso mesmo é que considerámos: “Então vamos ao debate na especialidade”. Temos propostas, procurámos soluções, vamos ver qual é o seu acolhimento. Será do resultado do acolhimento, ou não, dessas mesmas propostas que decidiremos em relação à posição de voto. Vamos travar o combate. Temos uma proposta de Orçamento que não serve. O produto final levará à nossa posição de voto, sempre determinada, não por qualquer arranjo político de circunstância, mas pelos conteúdos dessa mesma proposta.

Diz que esta proposta não serve. Isso quer dizer que, se a versão final fosse esta, o PCP chumbaria?
Não posso assumir aqui individualmente essa ideia mas, naturalmente, se a resposta fosse nula em relação às nossas propostas, não estou a ver outra solução que não fosse reclamar outro Orçamento do Estado que não este.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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O Governo já deu alguns sinais de que irá avançar na questão do pagamento do layoff a 100%, regulamentar o subsídio de insalubridade, penosidade e risco — que é uma das reivindicações que o PCP faz já há alguns anos — e fazer um reforço nos serviços públicos, nas escolas e também na área da saúde.  É suficiente para a viabilização por parte do PCP?
Essa resposta não é coisa pequena, admito. Valoriza. Constituem, muitas dessas medidas, reivindicações fundas. Mas, como digo, tem de dar outra resposta em termos estruturais, nos serviços públicos e na saúde, em concreto. Estamos a fazer tudo, mas ainda estamos longe de uma correspondente posição em relação aos problemas nacionais, aos problemas estruturais, em relação aos serviços públicos, a direitos, a salários. Há muita ausência de respostas. Nós não dizemos não porque não, ou sim porque sim. Será em conformidade com os conteúdos concretos, com aquilo que sofreu evolução positiva ou negativa, que votaremos.

"Sem alterações, não estou a ver outra solução que não fosse reclamar outro Orçamento do Estado que não este". Admite, por isso, chumbar o Orçamento? "Nenhuma hipótese está fora"

Mas, no concreto, o que é que é necessário que conste deste Orçamento para resolver esses tais problemas estruturais? Estamos a falar de um salário mínimo já nos 850 euros? De um compromisso mais alargado? O que é que o PCP está a discutir na especialidade neste momento?
A questão do salário mínimo não é uma questão orçamentável, mas aquilo que foi anunciado é um avanço tímido que precisava de uma outra consideração. Também fora do Orçamento existe o problema da legislação laboral, que continua a marcar muitas das injustiças que hoje existem. As alterações à legislação laboral — por exemplo, a questão do período experimental, em que um trabalhador está seis meses sem nenhum vínculo efetivo, sem direito a férias, sem direito a qualquer indemnização por despedimento e pode ser despedido sumariamente. Esse é um exemplo concreto, como é a questão da contratação coletiva e do tratamento mais favorável ao trabalhador. Essas medidas que referiu, que integram o património das nossas propostas — dentro do Orçamento ou fora do Orçamento —, continuam de facto a não ter resposta. Depois, há uma grande indefinição: o barulho que fizeram em relação à bazuca de milhões de euros que vinham para o nosso país. Qual é o ponto de situação? O que é que se sabe? Onde é que vai ser aplicado? A quem servirá? Não sabemos. Vamos ver se mais uma vez o PCP não tem razão.

Mas é bom termos esse dinheiro, não? A tal bazuca europeia. É que o PCP está sempre a referir que a União Europeia não é solução e que o facto de pertencermos à União Europeia é um problema. Mas este dinheiro dá jeito, não?
Em relação às contas do deve e haver da União Europeia e das consequências de uma política monetária e do euro, haveremos com certeza de fazer as contas mais à frente; agora, naturalmente, se há disponibilidade de, nesta situação em que vivemos, haver entrada de dinheiro, toda a gente estará de acordo. Mas insistimos numa ideia: está bem, o dinheiro vem; para quem vai? Se me disserem que o dinheiro vem e é para usar em conformidade com os interesses do capital monopolista, em relação aos interesses do diretório de potências existente na União Europeia, aí começam os problemas. O dinheiro deve ser para acudir às situações dramáticas que hoje envolvem trabalhadores, pequenos e médios empresários, pequenos e médios agricultores, setores empresariais importantíssimos, como a situação da hotelaria, da restauração.

Ainda é cedo para sabermos, mas só para clarificarmos: estamos na discussão na especialidade e a corda vai esticar nas negociações como sempre estica; o PCP admite, no limite, chumbar este Orçamento?
Nenhuma hipótese está fora.

E depois o que é que acontece? Ficamos em duodécimos? É uma situação preferível a esta proposta atual, mesmo com todos os seus defeitos?
Há sempre alternativa, os duodécimos são uma solução. A apresentação de outro Orçamento é outra solução.

Os duodécimos são uma solução?
Naturalmente, é uma solução de recurso. Não é a solução para os problemas nacionais nem dá uma resposta cabal para as necessidades orçamentais, temos essa consciência. Agora, também não podemos é iludir os portugueses vendendo gato por lebre que estamos perante um Orçamento que vai resolver os problemas do país. O que é que pensariam os portugueses? Que tinham sido enganados. Insisto nesta ideia: nada de precipitações, nada de juízos de valor antecipados, mas compreenderão que o PCP, no quadro da sua própria independência e autonomia, decidirá o seu posicionamento de voto em conformidade com aquilo que está colocado em cima da mesa.

País sem Orçamento? "Há sempre alternativa, os duodécimos são uma solução. A apresentação de outro orçamento é outra solução"

“O PCP merece respeito. Não temos uma posição de cata-vento”

Nesta entrevista, já foi falando da questão da Saúde e da questão laboral. No essencial tem propostas muito semelhantes, ou convergentes pelo menos, com o Bloco de Esquerda. Ora, foram esses dois argumentos, a falta de resposta na área da Saúde e a falta de resposta na área laboral, que o Bloco usou para justificar o chumbo do Orçamento. Quer dizer que o Bloco é mais exigente do que o PCP?
Em primeiro lugar, uma pequena correção: o Bloco acompanhou o PCP nas propostas que entretanto realizámos e fizemos e concretizámos. Não vamos fazer aqui uma disputa sobre o que pertence a quem, mas ainda bem que o Bloco de Esquerda acompanhou o PCP e as reivindicações dos trabalhadores. Valorizo isso.

Mas acompanhou e levou mais longe do que o PCP.
Em que sentido?

No sentido em que, não tendo a resposta que entendia ser necessária, disse não ao Orçamento. O PCP não.
Como sabe, essa matéria da legislação laboral não é propriamente uma questão orçamental.

Mesmo assim, este é o momento em que é possível forçar uma negociação porque o governo precisa do voto dos partidos. O Bloco está a aproveitar um momento de fraqueza para negociar com o governo e o PCP não.
Insisto nessa ideia: o mais cómodo era ‘isto assim não, ponto final parágrafo’.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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O Bloco tomou uma posição mais cómoda, é isso?
O Bloco tomou a posição que entendeu por bem tomar. Nós considerámos que, feita a apreciação na generalidade, se abria um percurso de arquitetura de construção de propostas que alterassem alguns pilares. Somos assim, não desistimos de nenhum combate. Vamos procurar dar o tudo por tudo, o melhor que sabemos e podemos, para que os problemas sociais e económicos tenham resposta. É essa a nossa perspetiva. A resposta depois tem de ser dada pelo governo do PS. É necessário que o PS também faça opções e diga ao que vem.

Depois dos tais quatro orçamentos aprovados com o apoio do PCP, não significa que, perante este momento de crise, o PCP tem obrigação política de aprovar o Orçamento?
Estamos a lutar por mais justiça social, de combate às desigualdades, é isso que nos preocupa. Cada um tem de assumir as suas responsabilidades. Estamos a procurar fazer o melhor que podemos e sabemos para ter um Orçamento que responda aos problemas nacionais.

António Costa disse, no Parlamento, que o Bloco de Esquerda tinha desertado. Concorda com esta análise?
Não faço esse juízo de valor, foi uma opção do Bloco de Esquerda recusar a oportunidade e a possibilidade de um debate na especialidade que tem a característica de, no concreto, poderem ser plasmadas medidas que podem servir o interesse do povo e do país. Há que respeitar e tentar compreender. Não quer dizer que seguimos esse caminho, antes pelo contrário. Até ao último momento há sempre possibilidade de avanços, é isso que estamos a discutir.

O Bloco desertou da esquerda? "Não faço esse juízo de valor, foi uma opção do Bloco de recusar a oportunidade e a possibilidade de, na especialidade, conseguir medidas que podem servir o interesse do povo e do país. Há que respeitar e tentar compreender. Não quer dizer que seguimos esse caminho, antes pelo contrário. Até ao último momento há sempre possibilidade de avanços. É isso que estamos a discutir"

Ainda assim, o PCP é o único suporte que resta do Governo. Não sente esse peso?
Decidimos sempre com total independência e autonomia, nunca ficamos à espera que os outros digam ou façam para decidirmos o que fazer. Temos a nossa própria visão. Às vezes dizem que o Governo se dá melhor com o PCP do que com o Bloco, mas o que querem dizer com isso é que o Governo tem de reconhecer a frontalidade e a seriedade com que o Governo coloca as suas propostas. No mínimo, o PCP merece respeito. Não temos uma posição de cata-vento. Definimos objetivos, apresentamos as nossas propostas e o resultado depois logo se verá. Esse respeito do Governo acontece devido ao nosso posicionamento frontal, claro, de uma só palavra.

Por oposição ao comportamento do Bloco?
O Bloco não precisa de promoção da minha parte. Não gostaria de dar conselhos. O Bloco determinará a sua posição, que será respeitada, naturalmente.

Se o PCP decidir pelo chumbo, o Orçamento não passa e há uma crise política. Está disponível para assumir essa corresponsabilidade?
Não estou a fazer nenhum desenho. A evolução destes próximos dias vai ser importante e não queria fazer juízos de valor já em relação a antecipar o resultado final. A nossa posição será determinada pelo conteúdo, pelas respostas e pelas ausências.

"Às vezes dizem que o Governo se dá melhor com o PCP do que com o Bloco, mas o que querem dizer com isso é que o Governo tem de reconhecer a frontalidade e a seriedade com que o Governo coloca as sua propostas. No mínimo, o PCP merece respeito. Não temos uma posição de cata-vento. Definimos objetivos, apresentámos as nossas propostas e o resultado depois logo se verá. Esse respeito do Governo acontece devido ao nosso posicionamento frontal, claro, de uma só palavra"

“Aqueles que consideram que o PCP está a morrer, enganam-se”

O PCP tem enfrentado bastante erosão eleitoral nos últimos anos. Perdeu 115 mil eleitores nas últimas legislativas. Também perdeu autarquias importantes. Chegou a admitir publicamente que a solução à esquerda pode ter influenciado negativamente o resultado do partido. O PCP pode chegar às próximas autárquicas como parceiro do PS? Isso não pode ser prejudicial ao partido?
Não foi esse o fator determinante. Em termos de avaliação dos resultados eleitorais, há um erro grosseiro que os analistas cometem que é dizer que este partido está a acabar, negando todo o percurso histórico deste partido.

Insisto: o PCP vai chegar às autárquicas como o partido que ajudou a viabilizar o orçamento do PS. Isso não pode prejudicar o partido nas eleições?
Não, porque muitos fazem a avaliação de que o PCP teve um papel importante na conquista de direitos. Basta pensar nos reformados e pensionistas, mesmo em relação aos trabalhadores no plano dos seus salários.

Essa avaliação não deu grandes frutos nas últimas legislativas. Foi o pior resultado de sempre.
Insisto: não foi esse o fator determinante que influenciou o nosso resultado. Houve de facto um recuo. Mas, num partido que faz agora 100 anos, toda a nossa experiência histórica conta. Muitas vezes, antes do 25 de Abril, a polícia política destroçava organizações inteiras com prisões e torturas brutais, e depois vinha o comunicado da polícia a dizer “acabámos com o PCP, liquidámos a sua organização, morreu”. E depois a vida não confirmava isso. E hoje, registando as devidas diferenças, aqueles que subestimam este partido e que consideram que está a morrer devagarinho, ou depressa, enganam-se. Porque este partido tem uma particularidade que nenhum outro tem: a profunda ligação aos trabalhares e ao povo. Enquanto esta raiz não for arrancada este partido prosseguirá.

"Aqueles que subestimam este partido e que consideram que está a morrer devagarinho, ou depressa, enganam-se. Porque este partido tem uma particularidade que nenhum outro tem: a profunda ligação aos trabalhares e ao povo. Enquanto esta raiz não for arrancada este partido prosseguirá"

“O Chega tem um carácter básico”

Se o PCP não ajudar o governo a chegar ao fim da legislatura, podemos ter uma repetição daquilo a que já assistimos no passado, e ver este governo ser substituído por um outro governo liderado pelo PSD com vários apoios, eventualmente até do Chega. O PCP está disposto a assumir esse risco?
O Chega, tal como a Iniciativa Liberal, são sucedâneos do PSD e do CDS. Nos Açores, ou nesse cenário que colocou, nesse caso o Chega, perdoe-me a expressão, volta à barriga da mãe. Ou seja, está a haver um processo de rearrumação de forças. O deputado do Chega diz ‘é uma vergonha!’ e as pessoas pensam ‘o homem fala bem, porque é de facto uma vergonha’. Isto para demonstrar o carácter básico do partido. Mas diz isto para esconder a sua agenda. Não quero fazer desenhos antecipados, mas importaria que o PSD se assumisse claramente: encontrou ali não uma companhia, mas um sucedâneo. As notícias não são boas, mas estou em crer que o povo português terá a clarividência necessária para garantir que o futuro é de progresso, de melhores condições de vida, de afirmação da nossa soberania, e não o regresso a um passado que não deveria ser repetível.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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O PSD vai-se defendendo dizendo que o acordo que fez nos Açores é semelhante ao que o PS fez com o PCP, um partido acusado de ser de extrema-esquerda, radical, incapaz de se demarcar de uma ditadura como a da Coreia do Norte.
Em relação a essa cartilha, é importante aqui fazer uma clarificação: o governo PS minoritário resultou de uma situação concreta. Era preciso repor e conquistar direitos que tinham sido liquidados por quatro anos de governação PSD/CDS que puseram este país a ferro e fogo com situações dramáticas. E foi esse governo PS minoritário e os seus orçamentos, onde demos contribuições, que levou a avanços, progressos, diminuição do desemprego. Essa é uma diferença abissal. Enquanto connosco se procurou avançar, sempre de forma insuficiente, o que está em cima da mesa nos Açores é uma solução política para retroceder, para pôr em causa direitos fundamentais, para pôr em causa a própria Constituição da República Portuguesa. Essa diferença é abissal.

"Nos Açores, o Chega voltou à barriga da mãe. Não quero fazer desenhos antecipados, mas importaria que o PSD se assumisse claramente: encontrou ali não uma companhia, um sucedâneo. As notícias não são boas, mas estou em crer que o povo português terá a clarividência necessária para garantir que o futuro é de progresso, e não um regresso a um passado que não deveria ser repetível"

Marcelo contra Ventura? “A nossa preocupação é o que melhor serve a democracia”

Estamos a duas semanas do congresso do PCP, onde a questão da liderança continua a ser colocada, quais são as suas prioridades para um próximo mandato como secretário-geral do PCP?
Não gosto da palavra mandato, não se trata de um mandato. Como sabe, o secretário-geral no PCP não é um órgão, insere-se no coletivo da direção, e é eleito pelo comité central, que por sua vez é eleito no congresso. É o comité central que vai eleger, no final desse trabalho, o secretário-geral.

Mas a duas semanas da eleição ainda não está decidido?
Posso adiantar o que sempre adiantei. Não vai ser um problema no congresso do partido.

Já deu para perceber que vai continuar no cargo.
A perceção é sua.

Mas admite que surja alguém, das brumas, de repente, para o substituir?
O meu partido nunca é prisioneiro de soluções únicas.

Não há razão para haver suspense em relação a isso.
O Comité Central vai decidir.

E caso o escolham, vai levar até ao fim o mandato? Ou admite não ficar até ao fim?
Não posso admitir que seja o escolhido, a sua pergunta já parte dessa base.

É só porque é um tabu que não tem grande sentido.
Não é tabu. O Observador olha para os outros partidos que aparecem com um candidato a chefe, com a sua moção…

O Observador e toda a comunicação social.
… faz umas reuniões, chega ao congresso, apresenta a sua moção em que ninguém pode tocar, e é eleito secretário-geral. Nós não funcionamos assim.

Ainda assim, a eleição é à porta aberta.
Há todo um processo natural, respeitando a lei (o Comité Central é eleito por voto secreto), e esse comité central, mandatado para isso, determina os seus órgãos, incluindo o secretário-geral.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Sobre a escolha de João Ferreira como candidato a Presidente da República. João Ferreira foi candidato ao Parlamento Europeu, à Câmara de Lisboa, já tinha sido nas presidenciais anteriores… No PCP não há mais ninguém para estes cargos?
A escolha só valoriza essa intensa atividade e responsabilidade do meu camarada João Ferreira. O mesmo aconteceu comigo…

… E chegou onde chegou…
… era dirigente do partido, depois fui secretário-geral, como secretário-geral fui concorrer as eleições, a seguir houve outras soluções que não eram de secretário-gerais. Tivemos sete ou oito candidatos presidenciais ao longo dos últimos 40 anos. Ele está empenhado, tem o apoio do partido e estamos confiantes. Mais do que todas as responsabilidades que tem assumido, é a forma notável como as tem desempenhado. Por isso temos confiança que é um bom candidato à Presidência da República.

E se formos a uma segunda volta, imaginando que é Marcelo Rebelo de Sousa contra André Ventura. O que é que o PCP faz? Tapa a foto e vota Marcelo ou abstém-se?
Não comentando cenários, queria dizer que este partido, em todas as circunstâncias, e circunstâncias diferentes, teve sempre uma preocupação fundamental: o que melhor serve a democracia. Nesse sentido, nas duas situações em que se colocou o quadro de uma segunda volta, o PCP foi animado por esse interesse nacional da própria democracia.

"Este partido, em todas as circunstâncias, e circunstâncias diferentes, teve sempre uma preocupação fundamental: o que melhor serve a democracia. Nesse sentido, nas duas situações em que se colocou o quadro de uma segunda volta presidencial, o PCP foi animado por esse interesse nacional da própria democracia"

Nesse cenário votaria Marcelo?
Eu não faço cenários.

Não se absteria, digamos assim.
Não consigo ver esse cenário, talvez esteja bloqueado.

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