Discurso de Jerónimo de Sousa

No comício de encerramento da Festa do Avante!

São 100 anos comemorados na luta e em luta que hoje continua, tomando a dianteira em defesa dos vitais interesses do nosso povo e da democracia, nestes tempos conturbados e difíceis de epidemia, enfrentando as mais insidiosas e torpes campanhas. Quiseram silenciar-nos! Quiseram limitar a ação deste partido indispensável à luta dos trabalhadores e das populações. Quiseram impedir a Festa do Avante!, insinuaram maldosamente motivações financeiras.”

A mensagem de que existe uma “campanha” negra ou uma “ofensiva” contra o PCP une o partido, e Jerónimo sabe-o. Em ano de comemoração do centenário do PCP, subiu ao palco da Quinta da Atalaia para reforçar essa ideia e ouviu palmas e encorajamentos de volta. As críticas à Festa do Avante! do ano passado, realizada em tempos de pandemia e meses antes da aprovação das vacinas pelas autoridades de Saúde, deram força ao argumento da perseguição ao PCP. Com um recado mais concreto: as “insinuações maldosas” de motivações financeiras — apesar de o Avante ser um evento de angariação de fundos para os comunistas, tem dado, consistentemente ao longo dos últimos anos, prejuízo (no ano passado foi de 930 mil euros, um resultado negativo que o partido atribui, mais uma vez, às campanhas “do medo” de que foi alvo e por conseguinte à desmobilização dos visitantes, assim como ao dinheiro que gastou para garantir as medidas sanitárias necessárias).

Não aceitámos, desde a primeira hora, nem que o vírus infetasse os direitos, nem que a luta fosse confinada, deixando o grande capital em roda livre. Foi por assim ser, que a luta dos trabalhadores e do nosso povo, a luta consequente e organizada, que não vai lá com impulsos súbitos, nem esmorece perante as primeiras dificuldades, se manteve e mantém viva e se reforça a cada dia que passa.”

Primeiro foram as comemorações do 25 de Abril, depois as do 1º de Maio, por fim a Festa do Avante!: no ano passado, as críticas ao PCP multiplicaram-se tantas vezes quantos eventos realizou, em tempos pandémicos. O partido sempre defendeu que havia um clima de “alarmismo” e de “temor” generalizado que acabava por servir de pretexto para restringir direitos ou avançar para despedimentos em grande escala. Por isso, reclama para si o papel de força política que não “esmorece” perante as dificuldades — e as críticas — e que mantém a sua posição: para o PCP a edição do ano passado foi, aliás, o evento que abriu caminho para que outros se pudessem realizar em segurança.

Tantas, tantas lutas, tantas, tantas empresas, que a referência aos trabalhadores da TAP, da GALP, da Groundforce, da Dielmar, da Altice, da Saint-Gobain Sekurit, do comércio, da Caixa Geral de Depósitos e da Banca, da Administração Pública central e local, dos ferroviários, dos corticeiros, dos transportes, das forças de segurança, dos militares, são apenas exemplificativas de um caudal que cresce a cada dia (…). Muitas vezes temos dito: o vírus tem as costas largas. Os trabalhadores e o povo é que já não aguentam com tanta carga às costas!  

Aqui está o argumento dos despedimentos: assim que a pandemia começou, o PCP anotou as dificuldades que com ela surgiram para os trabalhadores, fosse em termos de despedimentos ou de medidas como o lay-off (que compensou no Orçamento do Estado, com a proposta de pagamento a 100% desses salários). Esses exemplos, garante o partido, têm dado força aos seus argumentos e a um em concreto: a reivindicação de alterações nas leis laborais, por exemplo para dificultar despedimentos.

A luta dos trabalhadores e a ação do PCP foi decisiva para a defesa e no avanço dos direitos. Uma ação decisiva para o pagamento por inteiro dos salários dos trabalhadores em lay-off, para a aplicação do suplemento de penosidade e de insalubridade, para o aumento das reformas, para apoios aos mais desfavorecidos. Por acção do PCP prolongaram-se por seis meses todos os subsídios de desemprego que terminassem em 2021. E foi aprovado o alargamento do subsídio extraordinário de risco aos trabalhadores dos serviços essenciais da responsabilidade do Estado. E a contratação de milhares de trabalhadores em falta nos serviços e funções públicas, designadamente nas escolas, no SNS, que o Governo tem de concretizar plenamente e sem adiamentos. Mas também a concretização da valorização dos seus direitos, incluindo a resposta aos problemas de um valor justo do subsídio de risco para os profissionais das forças de segurança.”

Se houve quem duvidasse da opção do PCP de se manter, no ano passado, ao lado do Governo quando o Bloco de Esquerda decidiu romper e votar contra o último Orçamento, Jerónimo vem explicar porque é que essa foi a melhor opção e chamar ao PCP os louros por várias medidas. Lay-off, suplementos de risco, subsídios de desemprego, contratações: tudo medidas que o partido tem garantido serem resultado da sua ação, por não desistir das negociações e assumir uma postura de “responsabilidade” — qualidade que o Governo também lhe tem apontado. Isso não chega, no entanto, para garantir que o caminho este ano é percorrido também ao lado do PS: para isso é preciso que o Governo concretize as medidas que faltam “plenamente e sem adiamentos” e o PCP tem avisado que está atento à execução do atual OE. Sem essa execução, não poderá alinhar no próximo.

Nesta ofensiva mistificadora contam com as forças políticas mais retrógradas e reacionárias, como o PSD e o CDS e seus sucedâneos da Iniciativa Liberal e do Chega que fazem o papel de lebre de corrida com as suas propostas ditas de reformas estruturais e de revisão constitucional e das leis eleitorais para garantir maiorias artificiais.  Tal como contam com a complacência e a cumplicidade do Governo do PS que como se vai vendo nas suas opções de defesa das normas gravosas das leis laborais, nas suas escolhas em relação ao Novo Banco, no assistir sem pestanejar a tentativas de despedimentos coletivos.”

O PCP apresenta-se como uma “alternativa” às “políticas de direita” que costuma apontar e que atribui a todos os partidos que têm integrado Governos nas últimas décadas: PSD, PS e CDS. Agora, alarga-as aos “sucedâneos da Iniciativa Liberal e do Chega”, forças políticas “reacionárias”, garante. É ao lado delas que o Governo do PS toma as opções que os comunistas têm vindo a criticar e que são o nó mais difícil de desatar à esquerda: o exemplo mais claro disso são as leis laborais que vêm do tempo da troika, que o PS resiste a alterar e que o PCP considera essencial mudar — embora não faça depender as negociações orçamentais disso. Uma coisa é o Orçamento, outra as leis do Trabalho.

Ao contrário da propaganda, o PRR não é o instrumento capaz de imprimir as alterações estruturais que o País precisa. O PRR não parte das necessidades do País, mas das imposições da União Europeia. Por mais milhões que possam ser anunciados, sobretudo os que já estão prometidos para o grande capital, sem uma profunda alteração das políticas o País não sairá da cepa torta. “

A “propaganda” a que Jerónimo de Sousa se refere é evidente: os anúncios de “milhões” que o Governo tem anunciado no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência — sendo que um terço das verbas, segundo António Costa, já estará “contratualizado”. Mais claro ainda: há uma semana, António Costa anunciava, no palco do congresso do PS, uma variedade de medidas — e de milhões — já com os olhos postos no Orçamento, ancorado no PRR, e que iam de mexidas no IRS Jovem a medidas sobre Trabalho. Jerónimo quis deixar claro que não é com essas que o PS vai ter o Orçamento resolvido e que o PCP tem o seu próprio caderno de encargos bem definido.

As respostas emergentes como a do aumento geral dos salários para todos os trabalhadores, do salário médio, tal como a valorização das carreiras, o aumento do Salário Mínimo Nacional para 850 euros, o combate à precariedade ou à desregulação de horários de trabalho, não se fazem sem confrontar o grande capital e tomar partido por quem trabalha.”

Citamos aqui um exemplo, mas são dezenas: o líder do PCP, que ainda este sábado recusava que houvesse “condições” para discutir o próximo OE porque o atual ainda não está executado — e porque o PCP não quer misturar o dossiê orçamental com o autárquico — não se coibiu de desenhar o seu caderno de encargos. Tocou no aumento dos salários e do salário mínimo, na revogação das normas da lei laboral (concretamente, o fim da caducidade coletiva, que não pode ser “varrida para debaixo do tapete” na concertação social), aumentos de pensões, reforço do SNS, reforço dos investimentos públicos, “justiça fiscal” para os que recebem menos, creches gratuitas, rede de lares, aumento do abono de família, alargamento do subsídio de desemprego, e por aí fora. Várias destas bandeiras vêm já de anos anteriores e tiveram algumas respostas noutros Orçamentos negociados com o PS.

O PCP bater-se-á pela ruptura e alternativa necessárias. O PCP bater-se-á a todos os níveis e em todos os espaços de intervenção por cada medida necessária ao nosso povo e ao nosso País.”

A “rutura” é com a “política de direita”; a alternativa é de esquerda e, como o PCP costuma dizer, só os comunistas conseguem oferecê-la. A seguir, uma promessa: a de que o PCP se “baterá a todos os níveis e em todos os espaços de intervenção por cada medida necessária”. Uma frase a fazer lembrar outra de Jerónimo, no ano passado, quando também na Atalaia avisou que ninguém deveria apressar-se a “sentenciar que o PCP não conta”, numa altura em que muitos analistas e até partidos vizinhos contavam com uma rutura entre socialistas e comunistas. Por isso, o PCP promete não desistir da negociação — mais uma vez, essa desistência é o que tem apontado ao Bloco, acusando o partido de ser irresponsável.

Estamos a escassos 20 dias das eleições para as Autarquias Locais. Esta é uma importante batalha eleitoral. Uma batalha para travar com confiança, com os olhos no futuro que estamos e queremos construir, para crescer e avançar, para confirmar e reforçar posições, para ampliar a nossa influência e o que ela significa de possibilidades para servir as populações e as sua aspirações.”

Faltam apenas 21 dias para as eleições autárquicas, e estas serão vitais para o PCP tentar provar que consegue inverter a tendência de perda que tem sofrido no último ciclo eleitoral. Há quatro anos, perdia dez câmaras, incluindo bastiões importantes — e nove eram para o PS. Agora, Jerónimo lança a batalha autárquica reconhecendo essa “importância”, pedindo crescimento e reforço, mas sobretudo frisando para que é que essa força serve: a “influência” do PCP traduzir-se-á em “possibilidades para servir as suas populações” — não só a nível local como também nacional, uma vez que o partido terá, a seguir, mais uma prova de força com as negociações orçamentais.

A CDU apresenta-se em todo o País com o seu projeto alternativo e o carácter distintivo da sua ação autárquica. Fazendo prova dos valores de trabalho, honestidade e competência que assume, de uma intervenção em defesa dos interesses das populações e dos trabalhadores, do reconhecido rigor e isenção na gestão das autarquias e na postura dos seus eleitos. A CDU afirma todos os dias e em todas a situações a sua presença e o seu distinto projeto, porque os seus eleitos têm como compromisso exclusivo estar ao serviço do povo e não o aproveitamento dos cargos em benefício próprio. “

Ao lado do sublinhar da sua implantação como grande força autárquica à esquerda do PS, uma farpa aos adversários: por todo este trecho do discurso, Jerónimo semeou críticas aos que “aproveitam os cargos para benefício próprio”, aos que ao contrário do PCP não se apresentam com a sua “sigla e símbolo” ou fazem “arranjos de circunstância” e “falsas listas de independentes”. Há grandes câmaras, como Lisboa, em que os comunistas estão dispostos a chegar a acordo para “arranjos”, nesse caso com o PS de Fernando Medina, mas só depois das eleições. Quanto à crítica aos falsos independentes, Jerónimo já a tinha feito no Porto — onde volta a concorrer o independente Rui Moreira.

Por maiores que sejam os cálculos geopolíticos dos Estados Unidos da América e as suas campanhas de mistificação, a verdade é que, independentemente de novos perigos e riscos, o imperialismo acaba de sofrer mais uma humilhante derrota no Afeganistão. A determinada resistência de países e povos face à violenta ação do imperialismo, demonstra que, apesar dos poderosos meios de que dispõe, este não pode tudo e se encontra envolto em dificuldades e contradições. O que justamente se exige é que os EUA e os seus aliados não só ponham definitivamente fim à sua ingerência no Afeganistão, como a todas as suas criminosas intervenções militares, operações de desestabilização, sanções e bloqueios económicos.

Depois de no início do comício as delegações de Cuba, Venezuela e Palestina terem sido ovacionadas com particular entusiasmo, há ainda tempo para uma referência às questões internacionais, neste caso à situação do Afeganistão. Mas sobre isso, Jerónimo só reserva críticas aos Estados Unidos: sofreram uma “humilhante derrota” e devem pôr fim à sua ingerência. Mais: os comunistas elogiam a “determinada resistência de países e povos” que enfrentam o imperialismo.

Muitos podem dizer coisas, uns manipulando para iludir os seus verdadeiros objetivos, outros dizendo palavras soltas, mais ou menos sonantes, ontem umas, hoje outras, amanhã outras diferentes, mas que não passam disso, palavras sem projeto, sem organização, sem capacidade de resistir, sem determinação para defender os direitos e avançar. Ao longo da sua história e também nos tempos difíceis do último ano e meio provou-se que o PCP é uma força inquebrantável.”

Para rematar, Jerónimo volta a dar força ao partido, apoiando-se no centenário celebrado este ano: por muitos ataques que o partido sofra — e que tenha sofrido especialmente no último ano e meio — mostra-se “inquebrantável”. Uma oportunidade para o provar será nas eleições de 26 de setembro.