Ora dá cá um, a seguir dá outro. Não são beijinhos, nem cotoveladas. Este domingo foram mesmo vários exemplares da Constituição da República Portuguesa. Uma edição da Constituição com prefácio de Jerónimo de Sousa editada em 2006, comemorativa dos 30 anos, quando o PCP assinalava também 90 anos de existência. Depois de ter surpreendido numa sessão em Setúbal ao retirar do bolso do casaco a Constituição para responder a insultos lançados sobre quase todos os candidatos à Presidência, a campanha de João Ferreira decidiu brindar mais de meia centena de jovens com um exemplar da lei fundamental. O candidato do Chega André Ventura já disse que a “Constituição não é a Bíblia”, mas a palavra que João Ferreira quer espalhar é a que vem na lei máxima do País.

Antes dessa distribuição, João Ferreira teve um dos dias mais ocupados da campanha. Com cinco ações, começou na habitação, passou pelos trabalhadores de superfícies comerciais que não podem parar, revisitou o problema do associativismo, ouviu especialistas na área da saúde mental de crianças e jovens e terminou com uma dose de esperança para os mais jovens, consubstanciada nas páginas impressas da Constituição.

Para começar pediu urgência numa nova lei da habitação. Na Voz do Operário, onde apresentou a candidatura, deixou críticas ao “sonho liberal” que desregulou a habitação e à famosa lei dos despejos. Com Marcelo como alvo, João Ferreira acusou o Presidente da República de “ter empatado tempo suficiente” para que a lei sobre o direito de preferência aprovada na Assembleia da República não tivesse qualquer efeito. “Empatou-a tempo suficiente para que esse grupo alienasse todo o património”, disse referindo-se ao caso Fidelidade. O candidato presidencial não vê que a dimensão do parque habitacional seja um problema — já que diz que há mais de 700 mil fogos habitacionais do que famílias em Portugal —, e deixou claro o que faria na condição de Presidente da República: exercer a magistratura de influência para “exigir políticas que combatam a especulação imobiliária”.

Junto de trabalhadores e representantes sindicais de funcionários do setor do comércio e serviços, João Ferreira retomou o tema da desregulação laboral entre vida profissional e pessoal. “Os problemas são anteriores à pandemia. Há desregulação de horários e a legislação aprovada contribuiu para isso. Em vez de termos condições e horários dignos para compatibilizar vida profissional com familiar, temos ao contrário. O caminho dos últimos 20 anos não foi nesse sentido”, criticou o candidato.

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João Ferreira ainda foi a terra comunista para alertar para a necessidade de reforçar o apoio ao movimento associativo que fez questão de frisar, em alguns pontos do país “mas não no caso” de Loures — não fosse comandada por um comunista — se substitui às funções do Estado. Sem a presença de um dos homens fortes do PCP, Bernardino Soares, mas com o número dois da autarquia no distrito de Lisboa, João Ferreira frisou a necessidade de criar contratos-programa e um “relacionamento estável” entre o Estado central e estas organizações.

Na ação sobre a saúde mental de crianças e jovens, João Ferreira destacou a importante decisão de, neste segundo confinamento, as escolas terem continuado a funcionar. Uma decisão essencial para não agravar problemas entretanto surgidos nos mais novos que se veem privados há quase um ano de várias atividades extra-curriculares e desportivas.

Mas o ponto alto do dia (e da semana, pelo menos ao nível da animação) estava guardado para a última ação do dia. Numa sessão com jovens, com uma das oradoras ‘roubada’ ao Bloco de Esquerda — Sofia Nunes foi 8.ª nas listas do BE em Lisboa nas últimas legislativas — e uma carta chegada do estrangeiro, João Ferreira ofereceu ainda uma Constituição a cada um dos jovens presentes.

Como é típico de eventos com a juventude, o tom foi mais efusivo, os gritos de apoio e aplausos não se ouviram apenas no início e no fim. Aqui e ali, durante as várias intervenções houve espaço para pausas e alguns gritos de apoio ao candidato apoiado pelo PCP. “Juventude está presente, João a presidente” ou “Somos muitos, muitos mil, para continuar Abril”, ao ritmo de palmas deram cor à ação que tinha como foco o 70.º artigo da Constituição, dedicado à juventude. Mas numa demonstração de saber, quem tomou da palavra antes do candidato se dirigir ao púlpito ainda mencionou o artigo 13.º (Princípio da Igualdade) ou o 9.º (sobre as tarefas fundamentais do Estado). Isto para provar que a juventude está atenta, e que falar dela enquanto “futuro” não é apenas um lugar comum. Foi por aí que Ferreira começou a intervenção.

O candidato não deixou os jovens sair da sala sem lhes passar também para as costas algum peso. “Essa Constituição não caiu do céu, resulta da Revolução de 75, que também se fez com jovens”, disse acrescentando que “foram os jovens que defenderam a democracia nas ruas”. Afinal falta uma semana para a data agendada para as eleições e João Ferreira contará todos e cada um deles.

“Ainda temos tempo livre, não tenho mais ninguém inscrito. Alguém?

… (silêncio)”

Um momento pouco comum até aqui nas ações de campanha de João Ferreira. Quase como encontrar uma agulha no palheiro ou a exceção que confirma a regra. Com os tempos contados em cada momento, os moderadores repetem várias vezes o pedido “para que seja cumprido o tempo destinado à intervenção” e acabam, invariavelmente, por ter que interromper quem está a usar da palavra para pedir que termine. Este domingo, pela primeira vez, havia ainda tempo disponível na agenda, mas nenhum dos presentes na AMSAC (Associação de Moradores de Santo António dos Cavaleiros) tinha mais problemas a expor a João Ferreira. A solução foi dar a palavra ao candidato presidencial para fazer a intervenção de fecho que, claro, acabou por se alongar no tempo.

Depois de dois dias com André Ventura no centro do alvo, este domingo João Ferreira voltou ao caminho traçado inicialmente e apontou a Marcelo Rebelo de Sousa. E foram ataques bem concretos. No caso Fidelidade, uma crítica já publicamente feita várias vezes por João Ferreira e na promulgação das alterações às leis laborais. João Ferreira culpa Marcelo Rebelo de Sousa por ter “empatado” a legislação sobre o direito de preferência dos inquilinos tempo suficiente para que o grupo Fidelidade pudesse alienar o património e acusou Marcelo Rebelo de Sousa de ter contrariado o que a Constituição diz sobre o “dever especial de proteção aos jovens” quando promulgou alterações à legislação laboral que preveem um maior período experimental para os jovens.