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Jogadores aliciados para "facilitarem", Cádiz e dependência económica: os 6 casos contra o Benfica que foram arquivados (e um do Sporting)

Alegadas ofertas para viciar resultados em jogos do Benfica, compra de Jhonder Cádiz, negócios para criar dependência económica e desportiva: o que caiu depois da investigação do Ministério Público.

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Foi a notícia do dia: a Benfica SAD, o antigo presidente Luís Filipe Vieira e o ex-assessor jurídico Paulo Gonçalves foram acusados de corrupção desportiva num caso que envolve transferências de jogadores benfiquistas e o V. Setúbal, com o Ministério Público (MP) a pedir que Vieira seja proibido de exercer qualquer tipo de funções enquanto dirigente e/ou agente desportivo durante cinco anos e que a sociedade da equipa da Luz fique também privada de disputar provas desportivas. Esta foi “a” notícia do dia. No entanto, e no mesmo despacho de encerramento de inquérito, são vários os casos há muito apontados ao Benfica que foram entretanto arquivados — alguns deles revelados pelo Observador.

Vieira e Benfica acusados de corrupção desportiva. MP pede suspensão do clube das competições desportivas

Das alegadas tentativas de aliciar jogadores de equipas adversárias do Benfica em jogos do Campeonato referentes aos anos de 2016, 2017 e 2018 à contratação de Jhonder Cádiz quando estava cedido ao V. Setúbal pela Sanjoanense, passando pela dependência económica/desportiva de alguns clubes nacionais face ao clube da Luz, foram seis os casos que deixaram de ser, com essa curiosidade de haver também um ponto ligado ao Sporting e à temporada de 2015/16 que também foi arquivado… em seis curtos parágrafos.

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Luís Filipe Vieira foi acusado de corrupção, Rui Costa e Domingos Soares de Oliveira saíram ilibados. Porquê?

A conversa telefónica com Cássio antes do Rio Ave-Benfica de 2017 (e de outro agente)

O nome de Cássio e de outros jogadores do Rio Ave que alegadamente teriam sido contactados em vésperas de um jogo com o Benfica para “facilitarem” uma vitória dos encarnados esteve sempre ligado ao empresário César Boaventura. No entanto, e tal como foi revelado num acórdão do Conselho de Disciplina da Federação em fevereiro deste ano, teria existido um outro agente a contactar o guarda-redes da equipa de Vila do Conde, neste caso antes de uma partida referente à época de 2017/18: João Carlos Pinheiro Paula.

Neste caso, essa conversa telefónica foi motivo de análise por haver factos suscetíveis de corrupção desportiva.

Na conversa, João Carlos Pinheiro Paula, que se identifica como José Carlos agente FIFA e faz também um sotaque brasileiro, deixa a entender que “no ano passado as coisas não correram muito bem” e fala numa eventual transferência para o estrangeiro, ao passo que o guarda-redes refere por mais de uma vez que “se for lá de Lisboa nem vale a pena”. A conversa praticamente em código poderia configurar um indício de uma tentativa de aliciamento para o encontro que haveria três dias depois, entre Rio Ave e Benfica, a contar para o Campeonato de 2016/17.

Mais: de seguida, Cássio falou com o treinador de guarda-redes, Rui Barbosa, dizendo o que tinha sucedido, acrescentando: “Não é o mesmo da outra vez lá de Paços”.

[Já saiu o terceiro episódio de “A Grande Provocadora”, o novo podcast Plus do Observador que conta a história de Vera Lagoa, a mulher que afrontou Salazar, desafiou os militares de Abril e ridicularizou os que se achavam donos do país. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no Youtube. E pode ouvir aqui o primeiro episódio e aqui o segundo.]

No seguimento das diligências do MP, não foram encontradas quaisquer movimentações bancárias de valores mais “elevados”, nem para a conta de Cássio, nem da conta de João Pinheiro, nem a envolver o Benfica, lê-se no despacho de arquivamento.

Assim, e depois de ouvir também outras testemunhas, o MP considerou que os indícios não eram sólidos. Isto é, tanto poderia indicar algo ilícito, como uma acusação poderia não passar de um mero “exercício de adivinhação”. Ainda assim, a investigação tentou apurar as eventuais ligações entre o agente e o Benfica.

Jogos do Benfica em Vila do Conde frente ao Rio Ave estiveram na mira da Justiça mas alegada tentativa de aliciamento a Cássio pelo agente João Pinheiro foi arquivada

AFP/Getty Images

Os dados retirados desse trabalho confirmaram um contacto nesse mesmo dia de 4 de maio de 2017 para um número associado ao Benfica, neste caso o secretário de Luís Filipe Vieira, Orlando Dias. Mas o período em análise, entre 6 de janeiro e 25 de maio, encontrou contactos “com grande frequência” a números ligados a benfiquistas – o que permitiu concluir que se podiam tratar de contactos relativos à atividade profissional. O número estava guardado no telefone de Luís Filipe Vieira como “João Pinheiro empresário” e no telefone de Paulo Gonçalves como “João Pinheiro AG FIFA”.

Em paralelo, o registo de intermediários e transações da Federação Portuguesa de Futebol não tem qualquer conexão entre a FootExpansion, empresa da qual João Pinheiro é sócio é gerente, e o Benfica.

No entanto, fazendo o cruzamento dos extratos bancários, existe uma fatura emitida pela SAD encarnada de 130.000 euros mais 29.900 euros de IVA a 7 de junho de 2017 por “assessoria desportiva relativa ao primeiro semestre”. Do lado da FootExpansion não há “movimentos financeiros suspeitos” nos dias que se seguiram, com o dinheiro a ser esgotado em “despesas normais da sociedade”.

Por não haver indícios de uma ligação entre todos os factos no sentido de chegar a uma tentativa de alterar a verdade desportiva, o caso foi arquivado.

José Luís Moça, o V. Setúbal-Benfica de 2018 e as mensagens de Nuno Pinto

O nome de José Luís Gonçalves Moça também surgiu ligado a alguns dos casos de Justiça apontados ao Benfica, neste caso com uma alegada denúncia contra o jovem diretor desportivo do Desp. Aves e contra Luiz Andrade, antigo líder da SAD dos avenses e seu representante. Deu início ao que ficou depois conhecido como caso Mala Ciao (pela forma como chegavam jogadores do Benfica à equipa de Vila das Aves, “contornando” o regulamento).

Durante a investigação, foram também recolhidos indícios de que José Luís Moça, alguém que foi criando uma relação de proximidade com Luís Filipe Vieira e Paulo Gonçalves, poderia ter abordado alguns jogadores do V. Setúbal para que “facilitassem” no jogo frente à equipa benfiquista a contra para a Primeira Liga de 2017/18, numa altura em que o Benfica e o FC Porto estavam na luta pelo título.

Durante a investigação, foram também recolhidos indícios de que José Luís Moça, alguém que foi criando uma relação de proximidade com Vieira e Paulo Gonçalves, poderia ter abordado alguns jogadores do V. Setúbal para que "facilitassem" no jogo frente à equipa encarnada da Primeira Liga de 2017/18, numa altura em que as águias e o FC Porto estavam na luta pelo título. Moça jantou com Nuno Pinto, jogador do Setúbal, três dias antes do jogo entre os sadinos e os encarnados num "lugar recatado".

A investigação feita pelo Ministério Público apurou que José Luís Moça foi de Mirandela até Lisboa a 4 de abril de 2018, três dias antes do V. Setúbal-Benfica, tendo estado cerca de meia hora no Estádio da Luz. Dali saiu para a zona da Gare do Oriente, onde tinha sugerido jantar com o jogador Nuno Pinto, que na altura jogava nos sadinos, num restaurante “recatado”.

No dia seguinte, um chat que Moça tinha com Luís Filipe Vieira no Telegram foi desativado. Entre 22 de abril e 4 de maio, Nuno Pinto enviou várias mensagens a Moça, sendo que nunca delas dizia: “A informação passada pelo Boss foi que ias entregar hoje, que já tinhas as coisas contigo e ias entregar antes do jogo… Os jogadores estão a contar e as pessoas estão à tua espera”. A essas suspeitas acresciam também os indícios de viciação ao jogador Luís Felipe.

Benfica e Vieira investigados por domínio económico e desportivo de clubes pequenos. Os detalhes por detrás do alegado esquema

No final, o Ministério Público considerou que havia uma implicação entre Nuno Pinto e José Luís Moça na atribuição de vantagem, mas não conseguiu encontrar “indícios evidentes” para ligar isso a Luís Filipe Vieira e Paulo Gonçalves. Ou seja, chegou-se à conclusão de que todos os contactos feitos, alguns feitos de forma secreta, levantavam a suspeita mas não eram suficientes para promover uma acusação contra a Benfica SAD por não haver indícios de que Moça estivesse mandatado pelos encarnados para concretizar qualquer tipo de aliciamento de jogadores adversários.

Começou num atleta do Nacional, acabou num atleta do Marítimo antes do Benfica em 2016

Durante a investigação, o Ministério Público percebeu que as negociações entre Nacional e Benfica pelos direitos de formação do jogador Aires Sousa, no valor de 138.001,14 euros, foram feitas apenas pelos líderes dos dois clubes, Rui Alves e Luís Filipe Vieira.

No entanto, e segundo o presidente dos insulares, Vieira terá solicitado que fosse colocado no contrato a intervenção da Positionumber, agência de Luís Miguel Pinho, em representação dos encarnados. Três meses depois foi feito o pagamento de uma fatura de 25.000 euros mais 5.750 de IVA, exatamente dois dias antes do jogo entre Marítimo e Benfica para o Campeonato de 2015/16.

O MP recolheu ainda indícios de que alguém ligado ao Benfica teria proposto a Luís Miguel Pinho e Miguel Pinho, filho e também agente de jogadores de futebol, que pudessem abordar jogadores de equipas que iam defrontar os encarnados para “facilitarem” um triunfo da equipa da Luz.

Jogador do Marítimo acusa agente de o subornar com 30 mil euros para “jogar mal e a não rematar à baliza” contra o Benfica

Assim, foi confirmado que Miguel Pinho ligou a Edgar Costa, jogador do Marítimo, para propor um encontro no sentido de apresentar “uma proposta contratual ao nível profissional”.

Edgar Costa dirigiu-se ao Pestana Casino Park, tendo existido um encontro no hall de entrada antes da subida a um quarto no terceiro andar, onde estava Luís Miguel Pinho. Aí, os dois agentes teriam oferecido em nome da Benfica SAD um montante de 30.000 euros para ter uma prestação contrária à equipa, “bastando jogar mal e não rematar à baliza”, recebendo depois a promessa de um novo contrato com melhor remuneração num outro clube. O jogador da formação insular recusou de imediato essa oferta.

A investigação, que analisou também as contas bancárias dos suspeitos, não recolheu os indícios suficientes para ligar a abordagem dos agentes a um pedido do Benfica.

As voltas para Jhonder Cádiz chegar ao Benfica, de São João da Madeira a Setúbal

Durante a investigação, a presença da Porfute de Paulo Gonçalves na chegada do avançado Jhonder Cádiz ao Benfica foi um dos pontos mais noticiados na comunicação social. Ao Observador, o antigo assessor jurídico da Benfica SAD recusou o cenário de ter recebido uma comissão acima da que tinha sido definida (10%). “Toda esta operação é legal e a minha empresa pagou todos os impostos que a lei impõe. O jogador era da Sanjoanense mas o V. Setúbal tinha direitos, o direito de usufruir dos direitos desportivos do atleta por duas épocas e o direito a 40% de uma futura transferência. Recebi 250 mil euros mais IVA do V. Setúbal. Foi esse o valor que acordei contratualmente: 10% do valor total da operação. Como a operação foi fechada em 2,5 milhões de euros, recebi 10% desse valor. A minha empresa emitiu a respetiva fatura e o IVA foi pago. Foi tudo feito dentro do que a lei impõe”, explicou.

No entanto, nada vem referido sobre isso no despacho de arquivamento relativo aos factos sobre o avançado venezuelano.

Vieira, Rui Costa, Paulo Gonçalves e Soares Oliveira suspeitos de criarem plano para desviar fundos da Benfica SAD

Analisando todos os contratos feitos entre a Sanjoanense, clube que detinha o passe do jogador, o V. Setúbal, onde o avançado estava a jogar por empréstimo, e o Benfica, a investigação considerou que seria normal a SAD dos encarnados abordar o conjunto de São João da Madeira e não diretamente os sadinos, como veio a acontecer.

Ou seja: como a Sanjoanense tinha no contrato de cedência do jogador uma cláusula onde o V. Setúbal teria direito a 40% de uma venda a um terceiro clube, tendo de aceitar qualquer proposta que fosse superior a 1,5 milhões de euros, levanta dúvidas o porquê do pagamento de 1,25 milhões à Sanjoanense e 1,25 milhões ao V. Setúbal. No entanto, havendo uma letra do contrato feita a 7 de maio de 2019 que comporta uma interpretação mais extensiva, o MP considerou não existirem indícios suficientes e evidentes de que essas negociações seriam para injetar de forma injustificada verbas da Benfica SAD na sociedade dos sadinos.

O jogo entre Boavista e Benfica a contar para o Campeonato de 2015/16

O MP recolheu ainda indícios de uma alegada viciação de resultado em relação ao encontro entre Boavista e Benfica a contar para o Campeonato de 2015/16, que terminou com a vitória dos encarnados com um golo de Jonas no quarto minuto dos descontos.

Esses indícios diziam respeito a uma alegada troca de mensagens entre o agente César Boaventura e o então presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, onde o empresário abordava Carlos Santos e o jogador respondia que estava “tudo tratado”.

Vitória do Benfica no Bessa frente ao Boavista em 2016, com um golo de Jonas nos descontos, foi também investigada por uma alegada tentativa de aliciamento a um jogador dos axadrezados

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Da informação apurada e das testemunhas ouvidas cruzavam-se duas dúvidas:

  • se o encontro em causa dizia respeito a 2015/16 (Carlos Santos foi suplente não utilizado) ou a 2016/17, onde houve empate (2-2) na 34.ª jornada, sem que o jogador figurasse na lista do jogo;
  • e se essa troca de mensagens era para alegadamente favorecer o Benfica ou para alegadamente incentivar a uma vitória ou empate com o FC Porto.

O MP deparou-se, contudo, com um obstáculo intransponível: a alegada troca de mensagens entre César Boaventura e Luís Filipe Vieira não tinham sido obtidas no âmbito de escutas telefónicas devidamente autorizadas por um juiz de instrução criminal. Logo, a tal prova era proibida e não podia ser utilizada no inquérito.

Mesmo assim o próprio César Boaventura assumiu implicitamente que seriam verdadeiras mas que diriam apenas respeito à renovação de contrato do jogador com os axadrezados. No entanto, estas tais mensagens não foram encontradas nas pesquisas informáticas feitas aos telemóveis dos visados, nem foi possível aferir sobre a respetiva data.

A alegada dependência económica/desportiva face ao Benfica

A questão da alegada dependência económica/desportiva face ao Benfica foi também analisada ao longo da investigação, sendo necessária uma evidência de crime de oferta e recebimento indevido de vantagem. E estavam em causa vários clubes.

Benfica e Vieira investigados por domínio económico e desportivo de clubes pequenos. Os detalhes por detrás do alegado esquema

  • Santa Clara. O Benfica cedeu os direitos do lateral brasileiro Patrick, recebendo por isso um valor de 100.000 euros; o Benfica cedeu a título de empréstimo os direitos do médio Martin Chrien de agosto de 2018 a junho de 2019, com os açorianos a ficarem encarregues de pagar o ordenado do eslovaco; o Benfica cedeu sem custos o passe do central brasileiro César em 2018, ficando com 50% dos direitos numa futura transferência. Desacompanhados de outros elementos indiciários, todos esses negócios não podem confirmar a alegada oferta de vantagens patrimoniais numa situação de dependência económica;
  • Nacional. O Benfica fez um contrato de empréstimo pelo central brasileiro César em 2016, assinando depois um contrato paralelo em que pagaria ao Nacional 150.000 euros. Apesar de ser algo incomum e justificado pelos encarnados como “promoção e desenvolvimento desportivo do atleta”, não foram encontrados quaisquer indícios de que houve uma natureza simulada do negócio, lê-se no despacho de arquivamento.
  • Vários jogadores. A investigação analisou também alguns casos de negócios em que o Benfica cedia sem custos o passe de determinados atletas a outros clubes nacionais, guardando para si 50% de uma futura transferência ou a possibilidade de recompra por determinado valor. No caso de Fábio Cardoso, o central foi vendido ao Rangers por 1,5 milhões de libras em 2017, sendo que os movimentos apurados em termos contabilísticos evidenciam que o V. Setúbal e os encarnados receberam os 50% devidos. Já nos casos de Elhouni, Ricardo Mangas ou Miguel Rosa, os jogadores nunca voltaram aos quadros do Benfica. Ou seja, poder-se-á analisar se em termos desportivos e financeiros esta é uma boa estratégia, mas não existiram indícios de que esses negócios consubstanciassem uma alegada dependência e um ilícito criminal.

A oferta do Sporting ao Marítimo para ganhar ao Benfica no Campeonato de 2015/16

Esteve também em causa uma alegada oferta no valor de 400.000 euros do Sporting ao Marítimo, que seria dividida entre todos os jogadores do plantel em caso de vitória ou empate dos insulares frente ao Benfica na 33.ª e penúltima jornada do Campeonato de 2015/16 – o que, a acontecer, faria com que os leões ficassem com mais um ponto ou em igualdade com os encarnados, tendo vantagem no confronto direto (vitória por 3-0 na Luz na oitava jornada, derrota por 1-0 em Alvalade na 25.ª ronda) e ficando a depender de si próprios para o título.

O Ministério Público decidiu arquivar por uma razão simples: à data dos factos, não existia o enquadramento penal adequado para sancionar esta oferta como um ilícito criminal. A alegada oferta teria ocorrido em maio de 2016, mas a alteração legislativa que permite hoje sancionar situações semelhantes só foi introduzida durante 2017.

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