Marcelo é “mais inteligente que nós todos juntos”, Costa “sabe coisas de que às vezes a gente se esquece”, mas na hora de comentar a política portuguesa o jurista e antigo sócio fundador da PLMJ José Miguel Júdice dispara críticas e aponta erros a ambos. Marcelo sofre de “incontinência verbal”, o que o levou a precipitar-se ao ameaçar os partidos com o cenário de crise política, e agora agita de forma mais discreta e “inteligente” nova ameaça: a de um Governo de iniciativa presidencial. Já Costa continua a escapar às perguntas de Rui Rio e a cometer um “erro político”, considera Júdice: pedir a maioria absoluta.
Mesmo assim, acredita o comentador habitual da SIC, Costa pode estar descansado porque a esquerda estará “preparadinha para engolir o sapo” e apoiar um Governo do PS. Por outro lado, e também para descanso do PS, Rio não terá hipóteses de ganhar as eleições. Nas palavras de Júdice: “Tem as mesmas probabilidades de me cair um meteorito em cima”. As palavras menos simpáticas são mesmo guardadas para o líder do PSD: desafiado a escolher se preferiria ser de novo mandatário de uma candidatura de António Costa (como já fez na Câmara de Lisboa) ou de Rui Rio, esclarece que do segundo nunca seria porque não gosta do social-democrata “como pessoa”.
[Pode ouvir aqui a Vichyssoise]
Em outubro, no calor da batalha orçamental considerou que o país estava perante um bluff dos partidos de esquerda que queriam criar pânico. Como é que chegámos aqui?
Porque muitas vezes, quando se faz um bluff, alguém chama o bluff e corre mal a quem o faz. Continuo convencido de que eles não queriam a rutura. Mas a certa altura, bluff para a direita, bluff para a esquerda… Deu no que deu.
Na altura também sugeriu que Marcelo “quis meter medo” ao acenar com a crise política. Acha que a gestão do Presidente devia ter sido outra?
Completamente. Há um problema terrível quando se quer meter medo: é se não se meter medo. O poder de um Presidente é como o poder nuclear, que existe para não ser usado. Usá-lo cedo demais, ao tentar influenciar em público, ainda por cima, criou as condições para que acontecesse exatamente o contrário do que ele aparentemente queria.
Mas a que se deveu essa gestão? Foi precipitação? Ele ingénuo não será…
Costumava dizer que ele tinha o problema do escorpião que pedia ao sapo para atravessar o rio nas suas costas. E ele dizia: mas depois tu picas-me… E o escorpião respondia: Estás maluco, vou agora picar-te, depois morro! E picou. Não há dúvida de que Marcelo sobre de incontinência verbal. É muito mais inteligente do que nós todos juntos, muito voluntarista, habitou-se como comentador a criar factos políticos e esquece-se — ou o seu alter-ego Marcelo esquece — que o Presidente não tem o mesmo estatuto e possibilidades que um comentador.
António Costa está finalmente a pedir uma maioria absoluta sem a pedir assim. Acredita que o socialista tem, de facto, condições para a conquistar ou está condenado a entender-se à esquerda?
Condições temos todos desde que nos candidatemos. O facto de eu não acreditar hoje em dia que tenha a mais pequena hipótese de o conseguir não significa que não aconteça. Neste caso concreto, acho que é um erro político fazê-lo. Porque é motivado por evitar responder a uma boa pergunta feita pelo PSD. Quando inventamos uma coisa para não fazer outra, muitas vezes tropeçamos nos nossos próprios pés. Se não obtiver a maioria absoluta, tem uma derrota política. Não é uma derrota para se demitir, seguramente, mas uma derrota desnecessária. Ele tem-na não é se pedir, é se os portugueses acharem essencial dar força a um dos partidos que podem ter maioria, e esse é evidentemente o PS; ou se o pânico da esquerda com um Governo da direita for tão grande que o permita.
Mas consegue perceber as resistências de Costa em não responder à tal pergunta de Rui Rio?
Percebo como percebo que a uma pergunta que me faça adiante eu não queira responder… O problema é medir politicamente as consequências de responder ou não.
Mas que resposta poderia dar nesta fase?
A que quisesse (risos). Não responder é um erro político. Ele sabe coisas de que a gente às vezes se esquece. Nunca é uma vitória esmagadora quando em vez de se apresentar aos portugueses dizendo o que nos quer dar se transforma no líder da oposição a um pequeno partido cujo máximo, e improvável, resultado é 10% [no debate com André Ventura]. Este debate está cheio de elefantes, porque todos estão a falar para quem não está nos debates. Quando isso acontece ficamos desinteressados porque os políticos gostam de pensar que somos mais parvos do que somos.
Olhando para a tendência consolidada nas sondagens, o PCP estabilizou nos 5-6%, o Bloco de Esquerda está a cair em pique. Se Costa, mesmo falhando a maioria absoluta, sair reforçado em termos relativos, os partidos à esquerda terão de engolir o sapo?
Eles estão preparadinhos para engolir o sapo. Por duas razões: quem prova do fruto da árvore do pecado já não volta atrás.
Portanto o tal muro caiu mesmo.
Eles já se habituaram a coisas tão boas que provavelmente querem mais… O Bloco de Esquerda muito provavelmente, se tiver maioria com o PS, vai propor uma coligação.
Mas imaginando que têm resultados fracos, as lideranças de Bloco de Esquerda e PCP não ficam mais frágeis para negociar e até em causa?
Ficam mais fracas e até podem ficar em causa. Não sei o que se passa dentro do Bloco, mas o facto de baixar não é motivo nenhum para não tentar negociar, se não nunca havia acordos.
Rio já disse que não reprovará a passagem de um Governo PS. Acha que Costa vai perder o partido se deixar passar um Governo PSD?
Não, não vai. Toda a elite de saída do PS está a defender aquilo que os que ainda não saíram não podem defender. E o pragmatismo dos políticos é absoluto. Conheço Costa há muitos anos e é um pragmático de esquerda. Se o Álvaro Cunhal era considerado um centrista no partido comunista, era o que faltava acharmos que Costa é um radical de esquerda. Ele fará as alianças que lhe convierem no momento.
Acredita que Rui Rio tem condições reais de vencer as próximas eleições legislativas?
Não, hipótese nenhuma. A política tem disto: se não houver uma tensão grande em que afinal talvez a direita possa ganhar, a esquerda não se mobiliza. Se não, não é possível o PSD pedir voto útil. Mas a probabilidade de Rio ganhar as eleições é a mesma que um meteorito me cair em cima.
Em Lisboa, Carlos Moedas ganhou contrariando todas as sondagens…
Gosto muito de Moedas, como de Medina. Seja como for, ele ganhou praticamente com os votos que Assunção Cristas e Teresa Leal Coelho tiveram nas últimas eleições. O Fernando Medina é que perdeu. Não estou a tirar-lhe mérito, que foi grande, mas não podemos extrapolar para uma eleição que não é assim — o mais votado não é primeiro-ministro. Acho completamente improvável e insensato que haja na direita quem ache que isso é possível, mas enfim, também tenho os meus sonhos e ilusões. Mas a minha convicção é que a probabilidade de Rio ganhar tende a zero.
Mas nesse cenário o líder do PSD já disse que não conta com André Ventura, o presidente do Chega disse hoje mesmo que não dará a mão a Rio a menos que entre no Governo… O que se pode esperar da reconfiguração à direita?
Se ele ganhar, acredito que o PS deixe passar este Orçamento e depois faça a vida negra, como é natural, a um governo minoritário do PSD. O país não entenderia que dois ou seis meses depois houvesse nova eleição. Estou convencido de que Marcelo Rebelo de Sousa vai tentar dar as condições para governar a quem seja o partido mais votado e ele, ou alguém por ele, já anda a lançar uma estratégia que acho inteligente, que é dizer que se isto não se resolve nomeia um governo de iniciativa presidencial.
Marcelo pode ter essa tentação?
Claro que pode! Está a aparecer em jornais a mais para achar que é o menino Jesus. O menino Jesus lê os jornais, mas não os lê todos nem fala com todos. Ainda não começaram a dizer nomes, mas até posso dar uns exemplos: Leonor Beleza, António Horta Osório, Francisco Assis, o almirante sem medo… O Plano de Recuperação e Resiliência a ser gerido por ministros independentes… qual é o partido que quer isso? Pode acontecer outra coisa: Costa demitir-se, Pedro Nuno Santos assinar um acordo nesse dia com BE e PCP e dizer que tem a maioria do Parlamento.
Uma nota de rodapé sobre o CDS: do que tem visto desta pré-campanha, entende que Francisco Rodrigues dos Santos pode ter conseguir ter um resultado interessante ou o CDS está condenado a desaparecer?
Não vi nada da pré-campanha, acho que houve um debate muito violento com João Cotrim de Figueiredo, que me parece sensato. Tenho muita estima por Rodrigues dos Santos, mas acho que falhou e pode ficar com um, dois ou três deputados, mas o fracasso está aí.
No segundo segmento do nosso programa, o Carne ou peixe, só pode escolher uma de duas opções.
Preferia ir passar umas férias com Catarina Martins ou Jerónimo de Sousa?
Sempre com o Jerónimo de Sousa, apesar de ser aborrecido.
Se Cavaco Silva passasse a ter um programa de comentário na TV ao domingo à noite qual era o canal que sintonizava? A TVI para ver Cavaco ou a SIC para ver Marques Mendes?
Como gosto de ter notícias, talvez Marques Mendes.
Preferia voltar a ser mandatário de uma candidatura de António Costa ou ser mandatário de Rui Rio?
Do Rui Rio nunca seria porque não gosto dele como pessoa.
Se Ana Gomes e Rui Pinto estivessem em conflito pelo título de maior ícone do combate à corrupção a quem dava o título?
Aí não dava a nenhum.