O Sporting vive momentos decisivos e de “importância histórica” para José Roquette. Antigo presidente do clube — que no ano 2000 pôs fim a quase duas décadas no jejum de campeonatos —, neto do fundador José Alvalade, mentor do projeto da Academia de Alcochete e criador da Sociedade Anónima Desportiva, José Roquette entende que “se as coisas não correrem razoavelmente bem” com Frederico Varandas, “vai ser mais difícil”. “As coisas vão complicar-se e o horizonte do Sporting vai, provavelmente, ter mais turbulência”, diz. E deixa um aviso: Frederico Varandas “obviamente não vai fazer milagres”, porque é difícil apagar o que se passou no final do mandato de Bruno de Carvalho.
Questionado no programa “Sob Escuta”, da Rádio Observador, se admitiria um cenário em que o Sporting vendesse a maioria do capital da SAD a investidores estrangeiros — uma espécie de PSG em Portugal — José Roquette entende que “poderá acontecer”, mas reconhece que há obstáculos. “Numa primeira fase, a maioria da SAD acho difícil, por causa dos antecedentes e daquilo que pudesse ser a reação interna do clube”, afirma Roquette. Tudo porque, em Portugal e noutros países do sul da Europa, “não há muita experiência” com este tipo de soluções.
E mais tarde, admitiria essa solução? “Comecei por admitir, quando o Sporting criou a sua Sociedade Anónima Desportiva, essa mesma situação”, lembra o antigo presidente do Sporting. “Quando o Sporting criou a Sociedade Anónima Desportiva, a maioria — mas uma maioria relativamente curta — ficou no Sporting Clube de Portugal, e o restante ficou numa outra sociedade, uma SGPS, que é também Sporting, já prevendo que futuramente o Sporting teria de fazer associações e ter relações que lhe permitissem ultrapassar um pouco as debilidades e limitações do seu próprio universo”, afirma o ex-líder leonino.
Nesta entrevista, o empresário, dono do grupo Esporão — que produz e exporta vinho e azeite — fala sobre os perigos económicos e a possibilidade de uma recessão mundial; e sobre o que o leva, aos 82 anos, a empenhar-se na arena pública, apoiando o partido Nós Cidadãos e pedindo aos portugueses “que se desinstalem”.
Roquette reconhece que António Costa “é melhor” na gestão corrente do que Rui Rio ou Assunção Cristas. Mas apenas na gestão corrente. Falta, na opinião do empresário, estratégia para o futuro e uma alteração do “regime dos partidos”.
[Veja aqui o melhor da entrevista a José Roquette]
José Roquette é neto de José de Alvalade, o Sporting corre-lhe nas veias. Que diagnóstico é que faz nesta altura da situação do Sporting?
O diagnóstico é mais ou menos corrente, no sentido em que, como era natural, o Sporting fez uma mudança de geração e a primeira tentativa correu mal. Foi aquilo que assistimos e que, ainda hoje, não está suficientemente transportado para o passado. Há feridas…
O Sporting ainda não recuperou do trauma “Bruno de Carvalho”, é isso?
Porque vai ainda durar algum tempo. Penso que não é uma daquelas coisas que se possa de repente virar o interruptor e dizer “pronto, está acabado”. Não é assim que as coisas se passam — muito menos dentro de instituições desportivas com a história que tem o Sporting Clube de Portugal. Na segunda tentativa, depois de todos os traumas que, como sabem, estão ligados à primeira, é uma tentativa que é de uma importância histórica enorme para o Sporting. Porque, se eventualmente as coisas não correrem razoavelmente bem dentro desta nova direção do Sporting, a presidência do Frederico Varandas vai ser mais difícil, as coisas vão complicar-se e o horizonte do Sporting vai, provavelmente, ter mais turbulência, o que não é propriamente desejável para ninguém — sobretudo para mim, que sinto o Sporting de uma forma muito especial. A única razão que me levou ao Sporting em 1995, por um lado, mas antes em 1973 — porque fui vice-presidente da última direção do João Rocha — são precisamente relações familiares que há bocado referia. Tem a ver com o meu avô por um lado, mas também tem a ver com o avô dele. O avô dele teve, também, uma importância fundamental no nascimento do Sporting Clube de Portugal porque ele tinha um único neto — o meu trisavô visconde.
E que avaliação é que faz do último ano com Frederico Varandas nos comandos do Sporting?
Se quiser referir como último ano os resultados desportivos mais stricto sensu do que aconteceu, eu diria que o último foi, para mim, uma surpresa. Mas uma surpresa pela positiva.
O facto de ter vencido duas taças?
Não só isso, mas também alguma recuperação…
Estava à espera que a época fosse pior?
Também. Isso, quanto a mim, excedeu o que se poderia esperar. Sei que os adeptos e sócios do Sporting o que querem é ver um Sporting ganhador. É natural e está nas veias do Sporting Clube de Portugal em toda a sua história. Agora, o que temos que perceber é que os danos que foram causados pela direção anterior foram de uma dimensão como julgo que nunca aconteceu na história do Sporting. E isso tem que ser entendido pelos sócios e pelos adeptos do Sporting como qualquer coisa que necessariamente vai exigir tempo. Isto é, estar-se a pensar que vão aparecer resultados e que, de repente, o Sporting volta outra vez aos primeiros lugares e a ser campeão em termos do futebol profissional… — e temos que aceitar que o futebol profissional comanda muita coisa, não é? Para já, em termos orçamentais por exemplo, obviamente que todos estamos conscientes disso. Só que, hoje em dia, em termos do futebol profissional, o que acontecia em termos de suporte financeiro, anteriormente podia estar na zona dos milhões e, agora, está na zona das dezenas e das centenas de milhões.
Mas deixe-me voltar aqui só um pouco atrás: época não foi tão má como temia, mas, apesar de tudo, não há resultados. E há, de novo, uma contestação ao presidente, neste caso, ao presidente Frederico Varandas…
Acho que não é de novo, acho que a contestação ainda tem a ver com alguma herança da direção anterior.
Digo “de novo” no sentido de que no Sporting é algo que temos visto — sempre que não há “golo” há logo um coro de críticas que se levanta. Há uma certa instabilidade porque faltam resultados?
Isso é historicamente correto. As pessoas esperam, fundamentalmente, um Sporting ganhador. E, quando as coisas não correm de feição, obviamente que surge sempre algum tipo de reação, porque as pessoas ficam contrariadas. Gostariam muito mais de ganhar do que, obviamente, perder. Não só neste caso, mas noutros casos da vida. Agora, o que se tem que entender dentro do universo do Sporting é que há que dar tempo ao tempo. Esta direção, e outra direção, mas esta, que é o que está aqui em causa, obviamente não vai fazer milagres. Não é possível transpor de uma situação como aquela que se viveu no ano passado, e ainda um pouco no anterior, para uma história de sucesso.
Que marca é que acha que deixou a invasão da Academia?
É uma marca dramática. Porque, não só é um problema de geração interna — e esse facto não podemos ignorá-lo e é qualquer coisa de muito pesado — como teve uma repercussão não só em termos nacionais como internacionais que vai demorar muito tempo a ultrapassar. Não tenho qualquer dúvida de que essa marca fica na história do Sporting, quer se queira quer não. Felizmente, penso que será possível esbater-se um pouco no tempo e na história de uma instituição como o Sporting. Por exemplo, se quisermos recuar mais para a época em que fui presidente do Sporting — coisa que nunca quis ser, é importante que se saiba…
Nunca quis ser?
Não, nunca quis ser. Repare que quando eu apareci dentro do Sporting, apareci como presidente do Conselho Fiscal. E o Conselho Fiscal era composto por pessoas com uma capacidade e um perfil — tanto em termos pessoais, como em termos financeiros — que, por si, iriam assegurar que a direção presidida pelo Pedro Santana Lopes poderia obviamente funcionar. E não foi exatamente isso que aconteceu. E, passados alguns meses, tive que assumir plenamente as responsabilidades da presidência do Sporting. Já sabíamos nessa altura, quando eu tomei a decisão de aceitar ser presidente do Sporting, já sabíamos nessa altura o que é que tínhamos herdado, qual era a situação do Sporting. Porque já tinha sido possível fazer algumas auditorias, já tínhamos uma análise mais ou menos detalhada de qual era a situação financeira do clube e, portanto, já sabíamos que tipo de problemas tínhamos entre mãos. Daí que, quando eu comecei a ter que assumir as responsabilidades inerentes da presidência de uma instituição como o Sporting, a primeira coisa que disse foi: “Esperem lá aí um bocadinho. Não esperem milagres, isto vai demorar algum tempo”.
Mas a verdade é que, no final do seu mandato, interrompeu um longo jejum de 18 anos. Imaginava na altura um cenário destes repetir-se?
17 anos. Imaginaria. Repare que foi o mesmo Sporting que, passado mais duas épocas, voltou outra vez a ser campeão. E com o António Dias da Cunha como presidente. E, depois, aquilo que se seguiu à turbulência gerada pela saída do José Peseiro e, depois também, do António [Dias da Cunha]. Há aqui uma questão que, publicamente, nunca pus em cima da mesa. Mas que é autêntica, e que se calhar deixa-me algum mau gosto — presumi, quando achei que devia sair, que o problema estrutural do Sporting estava resolvido. Isto é, que o Sporting tinha voltado outra vez ao seu caminho, à sua vocação fundamental — que não era só o futebol profissional. Não se esqueçam que, mesmo durante esse período dos tais 17 anos, em termos do ecletismo que é endémico do clube — naquela altura não se esqueçam que Mário Moniz Pereira era, e foi, realmente uma figura não só do Sporting, em termos nacionais, era alguém fora do padrão. Estava fora do padrão comum. Agora, havia uma coisa que é hoje a minha convicção, não tenho qualquer dúvida: podia não ser naquele ano, podia ter sido no ano antes, podia ter sido no ano depois, mas o Sporting já tinha o padrão outra vez e os elementos de coesão indispensáveis para ser outra vez major player no topo das instituições que em Portugal, em termos do futebol profissional, têm o peso que têm.
E o que é que aconteceu para que isso não se concretizasse?
Não aconteceu nada de mais especial. Eu estava era a referir que, eventualmente, terei feito um diagnóstico não tão bem sucedido de qual era a situação já dentro deste século.
Foi demasiado otimista, é isso?
Poderei ter sido demasiado otimista. Embora aqui também se prenda a relação pessoal que, durante muitos e muitos anos — são dezenas de anos, não são os cinco anos que até aí decorriam — com o António Dias da Cunha. Tinha uma confiança enorme. Para além do mais, o Sporting tinha conseguido acertar com os seus principais credores bancários todo o planeamento financeiro a dez anos, ou qualquer coisa parecida. Portanto, havia ali um sentido de estabilidade. E, nesse sentido de estabilidade, não estava previsto aquilo que acontece às vezes — o António Dias da Cunha teve uma perspetiva mais emocional das coisas e entendeu, também, que devia sair. E sucedeu-lhe o Filipe Soares Franco. E, depois, aquilo que foi acontecendo daí para a frente, veio mostrar que, talvez, o meu diagnóstico tivesse sido um pouco otimista.
Foram agora conhecidos as contas do Sporting — perto de 8 milhões de euros de prejuízos no último ano. E na última década foram acumulados 170 milhões de euros de prejuízos, com lucros em apenas três exercícios. O Sporting é sustentável?
Eu acredito que sim. E acredito que sim mais por uma questão, digamos, mais dogmática…
Está a falar mais como adepto?
Estou a falar como adepto e como alguém que teve responsabilidades na vida histórica do clube.
Mas como gestor?
Não se esqueçam que as sociedade anónimas desportivas nasceram no Sporting… Eu transportei para o Sporting tudo aquilo que, em termos empresariais e a capacidade de gestão de quem tem essa vocação, no sentido de encontrar as melhores soluções para o clube. Agora, se me pergunta em termos de sustentabilidade o que está pela frente, eu tenho de ter uma visão obviamente construtiva. Isto é, não posso ter uma visão da direção anterior. E, portanto, tenho que pensar em alguns para a frente. E o que está para a frente? Penso que o Sporting terá ainda que recuperar um pouco a sua imagem antes de fazer a conversão para a era digital. Isto é, o Sporting, como todas as outras instituições do nível e do padrão do Sporting, vão ter de fazer uma conversão. Isto é, vão ter de deixar, enfim, as características tradicionais da relação que têm com umas dezenas de milhares de pessoas que aparecem em Alvalade para exprimir, na maior parte das vezes a sua satisfação pelos resultados… Mas também para sacarem do lenço branco quando as coisas não correm bem.
Mas isso, na prática, significa o quê? É ser mais uma empresa?
Não é isso. O que acontece é que, realmente, o mundo está a transformar-se a uma velocidade que se tem que perceber muito bem. E se alguém tem que perceber a velocidade e profundidade dessa transformação são os empresários. Porque estamos naquela fase em que muito naturalmente se diz “ou te adaptas ou morres”. Isso é exatamente como estou a dizer. E tudo o que tem a ver com a digitalização tem a ver com uma relação diferente, que tem de surgir e que se passa entre as instituições ou estruturas que se têm de ajustar em termos de tudo o que são tecnologias digitais e os que estão envolvidos no outro lado – que obviamente vão ter que passar a estar profundamente mais próximos. O universo do Sporting. Tenho ouvido falar em números perto dos três milhões de adeptos e sócios – acho que é um número talvez um pouco exagerado…
Mas se pudesse deixar aqui um ou dois conselhos muito práticos, na sua opinião, o que é que o Sporting tem que fazer para acautelar esse futuro?
O Sporting tem de criar uma relação nova com os seus adeptos. E tem que chegar bem mais perto deles.
E com os investidores também?
Obviamente.
Se o problema do Sporting não for resolvido nos próximos tempos, admitira um cenário, por exemplo, em que a maioria da SAD fosse vendida a grandes investidores?
Numa primeira fase, a maioria da SAD acho difícil, por causa dos antecedentes e daquilo que pudesse ser a reação interna do clube.
Mas admitira mais tarde essa possibilidade?
Não admitiria mais tarde, é que eu comecei por admitir quando o Sporting criou a sua Sociedade Anónima Desportiva essa mesma situação. Isto é, quando o Sporting criou a Sociedade Anónima Desportiva, a maioria — mas uma maioria relativamente curta — ficou no Sporting Clube de Portugal. E o restante ficou numa outra sociedade, uma SGPS, que é também Sporting, já prevendo que futuramente o Sporting teria de fazer associações e ter relações que lhe permitissem ultrapassar um pouco as debilidades e limitações do seu próprio universo.
E isso pode acontecer nos próximos tempos, na próxima década? Por exemplo, o Sporting tornar-se numa espécie de Paris Saint-Germain de Portugal, com investidores de outros países?
Poderá acontecer. E o que é verdade é que quando essas coisas se passam, desde o Manchester United até ao City, passando pelo Paris Saint Germain — não há muita experiência no mundo latino: Portugal, Espanha, Itália, etc. desse tipo de questão — é que partir da altura em que há uma transferência acionista dentro das estruturas decisórias de uma Sociedade Anónima Desportiva — no caso específico do Manchester United ou do PSG, ou da Juventus, ou do Chelsea, ou do que quer que seja — não se verificou uma quebra da relação do adepto com o clube.
Mas teme que isso no Sporting fosse diferente?
A razão de ser de isso não acontecer nos casos em que já se passou tem que ver com a necessidade de os novos acionistas controladores manterem o universo de toda a relação em termos de mercado e de marketing com o universo do clube anterior. Portanto, não podiam estar a fazer outras seleções que não fossem eventualmente as dos níveis de consumidores: consumidores tipo 1, tipo 2, tipo 3 e por aí fora. Essa é a realidade e a realidade que se impôs. Impôs-se de tal maneira que, hoje em dia, as ‘fichazinhas’ que nesse sector eram de milhões, agora estão nas centenas de milhões. E isso é, sobretudo quando se pensa em termos internacionais, pré-entrada de um major player que vai indiscutivelmente voltar a alterar novamente toda esta problemática, que é o caso dos EUA. Nos EUA, o futebol profissional está a começar a nascer, a aparecer, mas está a começar a aparecer a uma velocidade que ninguém imaginaria. Quando se transformar num dos major players, aí ainda vai ser mais complicado…
Hoje em dia, podemos dizer que no topo das suas preocupações empresariais está a produção de vinho? É um produtor de vinho? É assim que se apresenta?
Não só um produtor de vinho… embora o que passa seja mais essa imagem, eventualmente.
O azeite também…
O Esporão é basicamente uma empresa que está inserida no setor agro-industrial, não é só o vinho, há o azeite também. E não é só o azeite, há mais outras coisas nesse setor. Mas está também paredes-meias — pela razão do peso que tem — no setor do turismo, nomeadamente no enoturismo. E há mais investimentos que o grupo faz, mas que são sempre orientados à volta de uma realidade que foi o Esporão ter funcionado como âncora no desenvolvimento da vitivinicultura alentejana.
E o Esporão tem neste momento uma forte presença internacional — em mais de 50 mercados. As exportações são importantes para a empresa e representam mais de 60% das vendas…
Em termos de exportações, o que é importante saber é se as exportações em termos estratégicos fazem ou não fazem sentido. E o Esporão só avançou para o mercado de exportação quando tinha uma base interna extremamente forte. Ao fim de relativamente pouco tempo veio a concretizar-se aquilo que na estratégia do Esporão fora de fronteiras nos torna um bocadinho diferentes da maior parte das empresas portuguesas que olham para os mercados externos. E qual é essa diferença? É que normalmente as pessoas aqui em Portugal e as empresas exportam para um país onde têm um comprador, que basicamente está envolvido no negócio de comissões. O que é extremamente difícil de conseguir é que esse tipo de relação permita defender e dar lugar à marca e à afirmação da marca, visto que o interesse fundamental é posição de intermediário. Qual é o modelo de negócio na perspetiva do Esporão? Para os mercados estratégicos, nós temos lá a nossa empresa e as nossas gentes, não temos intermediários nenhuns, estamos instalados, com empresas dos respetivos países.
E essa é, na sua opinião, a forma mais correta de tentar a internacionalização?
Depende da ambição de cada um. Se se tratar de exportar umas centenas de milhares de euros é uma coisa, se quiser passar para a dezena de milhões é uma coisa completamente diferente. Por exemplo, um dos mercados estratégicos é o Brasil. Sendo o Esporão hoje a marca europeia mais vendida no Brasil, não se consegue isso nem de um dia para o outro e muito menos manter de forma sustentável, que foi o que realmente aconteceu. A tal ponto de, hoje em dia, se eu quiser perguntar: das 25 mil visitas que o enoturismo tem aqui do Esporão, que está no extremo da região do Alentejo, de onde é a maior parte dos visitantes? As pessoas começam por dizer Portugal, depois dizem Espanha e outras coisas, mas a verdade é que são brasileiros. Não há nenhuma agência brasileira que organize viagens à Europa que não venha ao Esporão e a Fátima. Imagine lá… o Esporão não é nenhum milagre que se possa comparar com Fátima, mas esta é uma realidade.
Os outros mercados estratégicos são EUA, Angola…
Também a Europa e agora a surgir com algum peso a Ásia.
Preocupam-no estas notícias cada vez mais insistentes sobre o abrandamento da economia mundial. Acha que vai ter consequências para o Esporão?
Não tenho qualquer dúvida, consequências vai ter… A sua pergunta tem que ver com consequências negativas, mas nestas circunstâncias há sempre quem fique do lado de lá…
Há sempre quem ganhe alguma coisa…
E é importante perceber que, também no que está pela frente, não tenho qualquer dúvida de que vamos entrar num período ainda mais turbulento do que aquele que já estamos a viver no que respeita à economia global, que nos últimos dois anos tem vivido períodos de extrema complexidade. É muito difícil fazer previsões neste contexto.
Mas este fantasma que agora se agita de uma nova crise mundial é algo de concreto? Acredita que pode vir mesmo a acontecer?
Eu acho que é inevitável. Pode ser só uma questão de tempo. Que vai surgir, vai surgir… Isto é, já passou tempo suficiente de expansão para que em termos dos ciclos que são normais na atividade económica se repitam. Há algumas coincidências nesta altura e forças que em si próprias constituem efeitos multiplicadores, que são um bocadinho assustadoras.
As guerras comerciais, o Brexit…
As guerras comerciais, as alterações climáticas, tudo o que tem que ver com inteligência artificial, com a robótica… No que respeita a fazer o diagnóstico, quanto à dimensão e ao prolongar da crise, a minha perspetiva — posso estar enganado — é de que vamos realmente passar de alguma recessão técnica para algo semelhante à situação com que o Japão está a lidar há dez anos, que ainda não conseguiu resolver — uma estagnação. Uma estagnação produzida por ausência de inflação, por taxas de juros em muitos casos negativa…
E Portugal está preparado para uma eventual nova recessão mundial?
Obviamente que numa nova recessão há uns que perdem e outros que ganham. Se calhar há muitos mais que perdem dos que os que ganham, mas não é um jogo de soma nula inevitavelmente.
E no caso de Portugal?
No nosso caso específico, há uma preocupação de Portugal visto de dentro. Eu como já vivi quatro períodos negativos, sinto sempre muito essa tentação de historicamente ligar uns aos outros. E no caso específico volta-se a repetir uma coisa: quando o mar bate na rocha, nós — Portugal e os portugueses — há sempre uma tendência para sermos o mexilhão. E isso não é algo que nos deixe ficar numa situação tranquila. Para além do mais, voltamos outra vez à questão que falávamos do Sporting — adapta-te ou morres. Não há muito mais fora disto.
E estamos a conseguir?
O problema complexo de saber não é se estamos nós só — porque nós não estamos sozinhos. Nós somos um pequeno país periférico de uma União Europeia que, ela própria, também não está na melhor da sua forma.
Mas se já sabemos isso — temos até o primeiro-ministro a alertar para essa possibilidade — não deveríamos estar já a agir?
Agir aqui significa uma coisa — e creditem que isto é absolutamente vital: é preciso que o país se desinstale. Isto é, não se conseguem fazer as alterações fundamentais para fazer face àquilo que está pela frente se nós não conseguirmos que Portugal, os portugueses, as empresas portuguesas, as instituições portuguesas, o próprio sistema político do país, se desinstalem. Têm de se desinstalar. E a verdade é que as pessoas estão instaladas.
Porque é que estão instaladas? Porque é que não se desinstalam?
Por falta de ambição. Estão instaladas a um nível bastante vulnerável quando as coisas se começam a tornar mais complicadas e quando a capacidade competitiva vai determinar muito quem vai sobreviver ou quem vai sobreviver melhor ou pior. É inevitável — e as recessões passadas ou períodos de turbulência passados até em termos de economia global nos fazem claramente demonstração.
Vamos ter eleições legislativas em menos de um mês. O Nós Cidadãos anunciou que o José Roquette apoia o partido. Porque é que decidiu apoiar um partido pequeno, que nunca conseguiu eleger um deputado? Está desiludido com os maiores partidos?
Há uma coisa que considero fundamental para estar bem comigo próprio todos os dias — a minha liberdade e liberdade de pensar o que muito bem entenda, mesmo que isso não seja confortável, poder exprimir essa mesma liberdade e poder transportá-la para outros setores, com o mínimo de bom senso, porque o limite é também o mesmo direito que tenho de reconhecer aos outros. E isso levou-me, ao longo da minha vida, a fazer intervenções políticas, que se espaçaram muitas vezes por décadas. Em 1960, eu subscrevi uma carta que ficou conhecida pela carta dos 101 católicos — que estavam em desacordo com o envolvimento da igreja com o regime anterior, dos quais, por exemplo, fazia parte a Sophia de Mello Breyner e não só — as elites da altura…
E agora voltou a sentir esse impulso?
Não, isto foi em 1960, porque entretanto, dez anos depois, durante a primavera marcelista, surgiu outra situação em que senti que me devia mobilizar para prolongar esse direito — que em mim é endémico — um dever que está inerente, que é o dever da cidadania e de entender que a sociedade civil deve ter um papel fundamental. Depois, em 1970, fui um dos sócios fundadores da SEDES… enfim, só estou a pôr em relevo que não foi de repente que decidi ter uma intervenção. O que aconteceu agora, no prolongamento do que aconteceu em 1960 e 1970, é que estamos também numa altura que me faz acordar o meu sentido de cidadania.
Está descontente com estes quatro anos de António Costa e concretamente com a oposição de Rui Rio?
Não é estar descontente especificamente nessa perspetiva. É mais uma reação em relação a um regime que funciona muito ligado a partidos políticos chamados de charneira e que têm alguma capacidade para se constituírem governo e assumirem as respetivas responsabilidades e para mim são um desapontamento, porque no funcionamento da democracia temos ali o governo, temos ali a oposição, mas falta um elemento muito importante na democracia — sem o qual é muito difícil pensar-se na sobrevivência dos regimes, mesmo com alguma raiz democrática —, que é o problema da sociedade civil, que é o problema dos cidadãos, que estão instalados a um nível que lhes limita a participação política unicamente aos momentos eleitorais: “Eu vou lá, ponho o votozinho, já cumpri o meu dever, vou outra vez para casa”. Alguns nem pensam assim, abstêm-se — o nível de abstenção tem vindo a subir sucessivamente. Esta questão é que é para mim vital. É evidente que quando olho para o sistema político — e penso em termos de CDS, PSD e PS — tenho de reconhecer em termos históricos que António Costa na gestão corrente é francamente melhor do que Rui Rio ou Assunção Cristas. Mas é na gestão corrente. A gestão corrente dentro de um partido é mais uma questão de sobrevivência e de manter a coesão interna. No caso do PSD é mais complicado, no caso do PS é menos complicado porque estar junto do poder facilita.
Falta estratégia para o tempo seguinte, é isso?
É para o futuro, por um lado, mas é também para tentar mudar um pouco aquilo que é o regime dos partidos — que, por definição da Constituição, são os que têm assento na Assembleia da República.
O apoio ao Nós Cidadãos é, portanto, um protesto?
É um protesto, muito pesadamente. Mas também a única via que eu encontrei. Porque entretanto também não estive ausente das minhas exigências pessoais em termos de cidadania — mais por causa da minha instalação no Alentejo. Há um movimento chamado “Melhor Alentejo” onde eu estive também já durante uns anos. Esses anos já me mostraram claramente que se não for possível sentar alguém em São Bento não se vai chegar a lado nenhum. Isto é, não vai haver consequências diretas ou pelo menos previsíveis num prazo razoável se isso não for possível. Essa foi a opção depois de pensar um pouco. Não nos esqueçamos de algo que é básico — eu fui amigo de infância de Sá Carneiro e não se esqueçam que, aquando da primeira AD, das primeiras coisas que o Francisco Sá Carneiro fez foi cortar a ligação entre governo PSD e o partido. Eu não sei se estou a ser claro naquilo que estou a dizer… O Francisco entendia que o governo, como tal, não tinha de estar na dependência do partido, tinha de tomar as decisões que para o país fossem as melhores.
E entende que isso não vai acontecer nos próximos anos?
Obviamente que não. A ligação e o que existe sempre é uma transposição do partido, das necessidades do partido de crescer, de ir buscar mais força. Agora, são também de alguma forma uma condicionante do governo, conforme o tipo de governo que se pode pensar. Isso é, quanto a mim, uma questão muito pesada.
O José Roquette tem 82 anos…
A umas semanas de fazer 83…
… o que é que o move?
Tenho com a minha gente uma relação à qual não posso fugir. Ao contrário da maior parte dos meus irmãos, nasci em Lisboa, nascido na Maternidade Alfredo da Costa, sou português de gema. Podia até acontecer, como noutros casos, que eu não gostasse da companhia [risos], mas não é o caso. Como não é o caso, isso cria-me um sentido de ansiedade — não tenho aquele sentido histórico de voltar ao século XV ou XVI e às caravelas… O que sinto sempre é este sentido de responsabilidade e acho que aqueles que têm — como acontece comigo e em alguns setores da economia do país — algum peso e algum sentido de origem, têm de usá-lo e sentem-se ainda mais responsáveis.
[Veja aqui a entrevista completa a José Roquette]