Um voto a favor está excluído. A opção está entre a abstenção e o voto contra. A Iniciativa Liberal já tem a decisão praticamente fechada sobre o que fazer neste Orçamento do Estado, mas espera ainda pelo desfecho das negociações entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos. Existindo uma solução desenhada entre os dois, Rui Rocha, que não conta aritmeticamente para a aprovação do documento, quererá ficar fora da fotografia. Em caso de chumbo orçamental, e abrindo-se uma crise política, a Iniciativa Liberal não quer ser percecionada como estando do lado dos que a provocaram e sofrer eleitoralmente com isso.
A razão do dilema entre o voto contra e abstenção tem tanto de convicção política como de tática. A equação, de resto, é relativamente simples de resolver: se já há diferenças substantivas entre Luís Montenegro e Rui Rocha, quanto mais o primeiro se aproximar de Pedro Nuno Santos, nomeadamente em matéria de redução de impostos (com um ritmo e alcance mais modestos), mais distante estará do segundo. Ou seja, um Orçamento do Estado desenhado entre o Governo e o PS será muito difícil de engolir para os liberais.
Acreditando no “irrevogável” de André Ventura, Luís Montenegro não parece estar em condições de dispensar Pedro Nuno Santos. Logo, o Orçamento do Estado terá mesmo de contar com a viabilização do PS, o que afastaria definitivamente a Iniciativa Liberal. “Uma aproximação entre Governo e PS coloca a IL muito mais próxima de não viabilizar o Orçamento do Estado”, avisou esta semana Rui Rocha, em entrevista à CNN.
Em entrevista ao Observador, no programa Vichyssoise, que será publicada esta quinta-feira, Bernardo Blanco, deputado e vice-presidente da Iniciativa Liberal, defendeu algo de muito semelhante. “Não é só por haver uma assinatura do PS. Mas se já me parece difícil, muito difícil, podermos aceitar um Orçamento sem alterações do PS, se em cima disso ainda vêm alterações efetuadas pelo PS, parece-me ainda mais difícil ter a nossa aprovação, obviamente”, reconheceu Blanco.
Mesmo sem se comprometer exatamente com um voto contra, o liberal diz que é “praticamente impossível” para a Iniciativa Liberal votar a favor de um “Orçamento que mantém a despesa pública do Estado no nível em que o PS a deixou e em que a carga fiscal fica praticamente igual”, argumentou o deputado na já referida entrevista. “Não foi nisso que a maioria votou. Não tendo nós aprovado os Orçamentos de PS, não podemos agora aprovar um Orçamento em que ao nível de contas de públicas é exatamente igual.”
Se o PS sair, IL pode entrar
Rui Rocha joga também no plano tático. Se Montenegro e Pedro Nuno Santos evitarem a crise e as eleições antecipadas, a Iniciativa Liberal tem margem para fazer uma oposição mais veemente ao Governo da Aliança Democrática – que se traduziria, necessariamente, num voto contra o Orçamento do Estado para 2025.
No entanto, se o país se encaminhar de facto para eleições, a Iniciativa Liberal tem de evitar ficar evitar na equipa dos que derrubaram o Governo para não ser penalizada nas urnas como, historicamente, tem acontecido. Pedro Nuno Santos e André Ventura que paguem a fatura da crise política. Nesse cenário, a tendência seria para se absterem no Orçamento.
Os sociais-democratas já perceberam que a Iniciativa Liberal tem uma estratégia própria. “Estão a correr em duas pistas. Mas é normal”, desdramatiza ao Observador um destacado dirigente social-democrata. Luís Montenegro quereria, naturalmente, juntar os liberais ao bouquet orçamental. Mas, sabendo que os deputados da Iniciativa Liberal não chegam para fazer aprovar o Orçamento do Estado, a pressão para dramatizar é menor, não há qualquer vantagem em atacar o partido de Rui Rocha e, no futuro, quanto mais sólida for a IL, mais hipóteses terá em ser uma aliada estratégica válida. Seja num futuro mais imediato – no caso de eleições antecipadas já –, seja num futuro mais longínquo – eleições em 2026 ou em 2028.
O partido liderado por Rui Rocha também vai tentando perceber as reais intenções de Luís Montenegro. Ainda que o primeiro-ministro vá jurando a pés juntos estar totalmente empenhado em fazer aprovar um Orçamento do Estado, preferencialmente com Pedro Nuno Santos, existe quem, entre influentes elementos da Iniciativa Liberal, não esteja ainda inteiramente convencido sobre a vontade de Montenegro de evitar uma crise. “Não sei se o primeiro-ministro não estará com vontade de ir a eleições”, nota a mesma fonte, referindo-se às sucessivas “provocações” de Montenegro a Pedro Nuno Santos – a troca de comunicados, as insinuações sobre a “infantilidade” e de “imaturidade” do adversário – como possíveis sinais de sabotagem das negociações.
Olhando para o que está verdadeiramente em causa neste Orçamento do Estado, os liberais também sentem que têm pouco a ganhar – e não estão em posição de força para exigir muito mais. Terão recebido algum conforto por parte do Governo em duas propostas concretas para os trabalhadores independentes: o aumento do valor de rendimentos passíveis de isenção do pagamento de IVA para um valor próximo dos 25 mil euros; e o aumento do valor de rendimentos passíveis de isenção de contribuições para a Segurança Social quando o trabalhador acumule o trabalho independente com o trabalho por conta de outrém para os mesmos 25 mil euros. Mas, embora importantes, acabam por ser questões menores no quadro geral do Orçamento do Estado.
Esta semana, de resto, a Iniciativa Liberal apresentou um conjunto de propostas que sabe serem impossíveis para Montenegro aceitar. Desde logo, a revisão de escalões do IRS passando a duas taxas, 15% e 28%, nos antípodas do modelo pensado pelo Governo da Aliança Democrática. Nas próximas semanas e meses, o partido vai apresentar mais propostas, mas a ideia, mais do que entrar empenhadamente nas negociações do Orçamento do Estado, é manter o partido agarrado a uma agenda que é reconhecida e reconhecível pelos eleitores, sem perder a identidade. A campanha eleitoral pode começar já esta sexta-feira.