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Primeira-ministra britânica, Liz Truss, estava prestes a enfrentar uma rebelião no partido conservador.

Getty Images

Primeira-ministra britânica, Liz Truss, estava prestes a enfrentar uma rebelião no partido conservador.

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Liz Truss recua em plano "demente" mas não convence os mercados. "Credibilidade será difícil, senão impossível, de recuperar"

Governo de Liz Truss recua na intenção de aliviar os impostos sobre os mais ricos mas esse é apenas um dos pontos de um plano que vários deputados conservadores consideraram "demente".

Desde que substituiu Boris Johnson no número 10 de Downing Street, Liz Truss procurou criar uma reputação de “senhora de ferro“, numa colagem a Margaret Thatcher. Porém, com o seu governo a recuar no ponto mais polémico do “mini-orçamento” – que era o fim do escalão mais alto de impostos, que taxa a 45% os cidadãos com mais rendimentos – a primeira-ministra britânica demonstrou que será, afinal, um pouco mais maleável do que o metal industrial que inspirou a alcunha de Thatcher. Isso traz alguma serenidade aos investidores, mas estes continuam desconfiados.

Terá sido ao final da noite deste domingo que, segundo o The Telegraph, Liz Truss percebeu que a “marcha-atrás” tinha de ser feita, por muito “humilhante” que isso fosse (como escreveu o Financial Times). A decisão foi tomada durante um encontro num quarto de hotel, entre Truss e o seu ministro das Finanças, Kwasi Kwarteng, para fazer um ponto de situação sobre os comentários que cada um dos dois tinha recebido dos deputados do Partido Conservador com quem tinham falado.

Os comentários em causa eram sobre o chamado “mini-orçamento”, no geral, mas sobretudo sobre a intenção de eliminar o “45p”, como é conhecido o último escalão de IRS no Reino Unido (rendimentos acima de 150 mil libras anuais taxados a 45%). Entre os inputs terá estado aquele que foi feito, publicamente, por um deputado conservador que considerou o plano “demente” e “insano”, por estar a baixar impostos para os mais abastados ao mesmo tempo que se preveem cortes nos serviços públicos – num contexto em que a economia e os preços da energia estão a preocupar os cidadãos numa altura em que o inverno se avizinha.

epa10200864 Britain's Chancellor of the Exchequer, Kwasi Kwarteng departs 11 Downing Street ahead of a statement in parliament, in London, Britain, 23 September 2022. Kwarteng will make a fiscal statement announcing a radical shift in the UK's economic policy.  EPA/NEIL HALL

Liz Truss indicou que o seu conselho de ministros não foi informado da proposta. "Foi uma decisão do chanceler", ou seja, o ministro das FinançasKwasi Kwarteng.

NEIL HALL/EPA

Mais de 13 deputados conservadores criticaram a proposta, publicamente, e a imprensa britânica escreveu que até 70 deputados conservadores poderiam votar contra – mesmo tendo sido avisados que poderiam ser expulsos do parlamento caso o fizessem. Já na sexta-feira tinha saído uma sondagem que indicava que os trabalhistas tinham dado um salto gigante nas intenções de voto e já levavam uma vantagem de 33 pontos nas intenções de voto.

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O ambiente era “tenso e pesado”, segundo o The Telegraph, nesse encontro entre Truss e Kwarteng na noite de domingo, quando devido à abertura da sessão asiática era possível prever que os mercados financeiros europeus iriam começar a semana com sentimento negativo. Isso terá ajudado o governo britânico a perceber que o recuo tinha de ser anunciado antes da abertura oficial das bolsas esta segunda-feira.

“Percebemos e ouvimos”. Ministro das Finanças britânico faz “inversão de marcha” no plano para eliminar escalão mais alto de impostos

O recuo não veio pela voz de Truss mas, sim, num comunicado escrito do ministro das Finanças onde Kwasi Kwarteng dizia: “percebemos [o que está em causa]. E ouvimos” quem se pronunciou sobre o plano. “É claro que a abolição do escalão de 45p se tornou numa distração da nossa missão de enfrentar os desafios que surgem ao nosso país. Como resultado, estou a anunciar que não vamos avançar com a abolição do escalão 45p“, afirmou.

Horas antes, a primeira-ministra tinha-se distanciado de Kwarteng, assegurando que o conselho de ministros não tinha sido informado sobre a intenção de eliminar o “45p”: “Foi uma decisão que o chanceler tomou“, isto é, o ministro das Finanças. Porém, Truss tinha, anteriormente, garantido que o seu governo ia avançar com a medida, responsabilizando-se por ela.

Investidores mais serenos, mas desconfiados

Gincanas políticas à parte, o recuo pareceu contribuir para serenar os ânimos nos mercados onde se transacionam os títulos de dívida pública britânica – mercados onde o Banco de Inglaterra continua a intervir diariamente para estancar a pressão vendedora que se acentuou na semana passada e que ameaçou fazer desabar, por exemplo, o sistema de pensões (privadas) no Reino Unido.

Banco de Inglaterra – o primeiro a capitular? BCE também pode tirar o pé do acelerador na subida de juros

Com o banco central a atuar como “comprador de último recurso”, dissuadindo a especulação negativa sobre as gilts britânicas, o valor destes títulos subiu esta segunda-feira – levando as taxas de juro implícitas a recuarem cerca de 17 pontos para 3,92% (no prazo de referência a 10 anos). A 22 de setembro, antes dos detalhes do plano começarem a ser divulgados, os juros estavam a 3,6%, mas acabou por chegar aos 4,5% a 27 de setembro, o que motivou a intervenção do banco central no dia seguinte.

Foi um alívio da pressão alinhado com uma sessão bolsista que acabou por se revelar bastante positiva, nos mercados internacionais. À medida que crescem as expectativas de que os maiores bancos centrais (como a Fed dos EUA e o Banco Central Europeu) podem levantar um pouco o pé do acelerador, na trajetória de subida dos juros, também as taxas de países como Alemanha e Portugal tiveram descidas expressivas nesta sessão.

Libra esterlina recuperou algum terreno face ao euro e às principais moedas, após o recuo no "45p". Fonte: TradingEconomics

Por seu lado, a libra esterlina, propriamente dita, também se valorizou nos mercados cambiais. Mas vários bancos de investimento vieram relativizar o impacto da notícia no enquadramento geral da política económica e orçamental de Liz Truss – embora salientem que a verdadeira “boa notícia” para os investidores é que o novo governo sabe dar um passo atrás quando sente a pressão dos mercados e da bancada parlamentar.

Os analistas do ING, em nota de análise, sublinham que o recuo “reduz um pouco o risco de que a libra esterlina venha a cair para a paridade [em relação ao dólar], porque mostra que Downing Street poderá passar a ter um pouco mais de respeito pelos mercados financeiros quando toma as suas opções”.

Também a casa de investimento Hargreaves Lansdown acredita, depois de Liz Truss ter sido “manipulada pelos deputados conservadores a aceitar este recuo embaraçoso”, que pelo menos este episódio vai dar “algum conforto aos investidores de que é possível domar a natureza um pouco irresponsável e irrefletida desta nova administração“.

epa10200861 Britain's Prime Minister Liz Truss (L) departs 10 Downing Street ahead of a statement in parliament, in London, Britain, 23 September 2022. Chancellor of the Exchequer Kwasi Kwarteng will make a fiscal statement announcing a radical shift in the UK's economic policy.  EPA/NEIL HALL

Recua dá "algum conforto aos investidores de que é possível domar a natureza um pouco irresponsável e irrefletida desta nova administração", diz um banco de investimentos.

NEIL HALL/EPA

Na prática, porém, o conforto que este recuo irá dar será limitado. A questão do escalão “45p” tem sobretudo “um valor simbólico, já que estamos a falar de apenas cerca de dois mil milhões de libras”, salienta um analista do Nomura, Jordan Rochester, também em nota de análise. Ou seja, “é um sinal de que eles são capazes de dar ouvidos aos mercados e às opiniões políticas”, porém “não altera as grandes linhas do plano orçamental“.

Kwasi Kwarteng garante que nas próximas semanas serão dados mais detalhes sobre os seus planos mas, até que isso aconteça, um outro banco de investimento – o Mizuho – também salienta que, “em termos de valor, [o recuo no 45p] ainda tem um impacto relativamente pequeno” e “dificilmente irá alterar a apreciação que está a ser feita pelo Office for Budget Responsability (OBR), que tenho a certeza que irá ser muito negativa”.

Governo de Truss em crise. Trabalhistas 33 pontos à frente dos conservadores em sondagem

Essa é uma referência à avaliação que está a ser preparada por este organismo independente que, neste episódio, terá sido apanhado totalmente desprevenido pelos planos do governo. O OBR é a entidade independente que aconselha o Tesouro britânico em matérias macroeconómicas e orçamentais, mas não terá recebido qualquer informação por parte de Kwarteng – aliás, nem os outros ministros terão sabido de nada, a julgar pelo que agora diz Liz Truss.

Situações como essa levam os analistas do banco holandês Rabobank, em Londres, a suspeitar que “há sinais de que poderá ser extremamente curta a liderança” de Truss, à frente do governo conservador. “O atual governo – Truss e o seu ministro das Finanças – passaram a ser vistos como ingénuos, no que diz respeito à forma como conseguem ler os mercados”, diz o Rabobank, concluindo: “Vai ser muito difícil, senão mesmo impossível, reconquistar essa credibilidade“.

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