O “compromisso à prova de bala” entre Israel e os Estados Unidos da América (EUA) continua bem vivo. Este domingo, o Departamento de Defesa liderado por Lloyd Austin decidiu oferecer às autoridades de Telavive um sofisticado sistema de defesa aérea, o THAAD, que protegerá os céus israelitas de mísseis balísticos. “Faz parte de acordos mais amplos que as forças armadas norte-americanas fizeram nos últimos meses para apoiar a defesa de Israel e para proteger os norte-americanos dos ataques do Irão e das milícias alinhadas com o Irão.”
Israel já possui um dos sistema de defesa aéreo mais poderoso do mundo — o Iron Dome, ou Cúpula de Ferro. Foi, em grande medida, o que permitiu que o país se defendesse dos ataques iranianos de abril e do início deste mês. Porém, os Estados Unidos sentem que é necessário “fortalecer as defesa aéreas” de Telavive, daí terem enviado não só o THAAD, como também mais militares norte-americanos para território israelita.
Como fez questão de destacar o Departamento de Defesa, esta “não é a primeira vez que tal acontece”. Em 2019, os EUA já enviaram um sistema de defesa aérea THAAD e também é prática regular que militares norte-americanos sejam enviados para território israelita. Porém, este anúncio surge num contexto distinto. Após os ataques do Irão no início de outubro, Israel prepara-se para retaliar contra o seu maior inimigo geopolítico, se bem que ainda não se saiba quando. Neste contexto, Washington está a tentar mediar a situação para evitar que ocorra uma escalada — e, especialmente, para travar o início de uma guerra regional no Médio Oriente.
Um ataque israelita contra o Irão está iminente e prevê-se que atinja infraestruturas ligadas ao setor petrolífero ou energético, assim como alvos militares. De fora ficarão, ao que tudo indica, instalações nucleares iranianas, o que motivaria uma resposta musculada de Teerão e uma dura retaliação. Apesar de os locais em que o Irão está a desenvolver o seu plano nuclear estarem fora da equação, o envio do sistema de defesa aéreo mostra que os Estados Unidos temem uma eventual vingança iraniana após um ataque de Israel.
Apesar de algumas tensões que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o Presidente dos Estados Unidos da América Joe Biden foram mantendo ao longo do último ano de conflito, Washington continua a apoiar de forma quase ilimitada Telavive. Nada parece colocar-se no caminho dos dois aliados. Porém, na Europa, vários países começam a questionar várias decisões tomadas pelo governo israelita — e levantam dúvidas sobre a atuação das Forças de Defesa de Israel (IDF, sigla em inglês) no Líbano.
Apoio ilimitado norte-americano diminui ou aumenta escalada?
O apoio norte-americano foi uma constante desde a fundação do Estado de Israel em 1948, que estava cercado de países muçulmanos hostis. Os conflitos atravessaram várias décadas e com diferentes antagonistas, que foram sofisticando as capacidades ofensivas para atacar território israelita. Em 2006, durante a segunda guerra do Líbano, Israel, sempre com o amparo dos Estados Unidos, apostou em reforçar a defesa do país. Os dois aliados desenvolveram um sistema de deteção de ameaças por radar que, assim que deteta o lançamento de um rocket, envia toda a informação em tempo real para um centro de controlo, onde são feitos os cálculos que determinam automaticamente o local estimado para o seu impacto.
A funcionar na plenitude desde 2011, o Iron Dome mantém-se como um escudo contra os ataques aéreos dos inimigos de Israel. Ainda assim, os Estados Unidos decidiram agora reforçar a proteção dos céus israelitas com o envio do sistema de defesa aéreo THAAD, que pode atacar alvos entre 150 a 200 quilómetros de distância. Haverá igualmente mais militares, juntando-se aos que já tinham sido mobilizados para território israelita no final de setembro.
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A presença militar norte-americana não está contudo a impedir ataques do Hezbollah, nem a intensificação dos ataques israelitas no Líbano. Nos últimos dias, as Forças de Defesa de Israel atacaram mesmo bases militares geridas pela Força Interina das Nações Unidas no Líbano (FINUL), após Benjamin Netanyuahu ter pedido que os capacetes azuis se retirassem de algumas bases no sul do território libanês.
Numa conversa telefónica com Yoav Gallant no sábado, Lloyd Austin expressou uma “preocupação profunda” sobre o sucedido. O secretário da Defesa lembrou o homólogo israelita que é “necessário assegurar a segurança das forças da FINUL”. Este tipo de críticas multiplicaram-se ao longo do último do conflito e frustraram por várias vezes a Casa Branca. Como escreveu o jornalista Bob Woodward no livro War, Joe Biden chegou a insultar Benjamin Netanyahu.
“Filho da p***”, “mau tipo” e “mentiroso”: livro revela tensão entre Biden e Netanyahu
Mesmo assim, nada parece travar Israel na forma como conduz a guerra em Gaza desde dia 7 de outubro e agora no Líbano. E o envio de armamento e tropas norte-americanas pode mesmo incentivar uma resposta mais musculada pelas Forças de Defesa israelita. Segundo apurou o New York Times, há altas patentes no Departamento da Defesa norte-americano que fazem essa análise.
Por outras palavras, alguns dirigentes de topo do Pentágono consideram que a campanha de Israel contra o Hezbollah no sul do Líbano está a ser incentivada pela presença norte-americana no Médio Oriente. Caso o Irão retalie contra os ataques à milícia libanesa que ajudou a fundar, Telavive sabe que conta o apoio norte-americano. “Existe presença suficiente na região para que, se os iranianos intervirem, [os norte-americanos] apoiarem a defesa de Israel. Enquanto planeia militarmente, [Israel] quer aproveitar isso [o armamento norte-americano]”, ilustra ao New York Times Dana Stroul, antiga responsável do Departamento da Defesa para a política do Médio Oriente.
A presença norte-americana na região pode estar, assim, a aumentar a escalada no Médio Oriente. Concedendo apoio tácito a Israel, os Estados Unidos dão a Israel a possibilidade de expandir a sua operação ofensiva no Líbano, não temendo uma resposta do Irão, que sabe que terá, se retaliar, de combater dois inimigos bastante poderosos.
Europa critica de forma mais vocal Israel
Na Europa, as críticas a Israel tem-se feito sentir com intensidade, principalmente devido aos ataques contra a FINUL. E chegam de todos os quadrantes políticos. Por exemplo, a primeira-ministra de Itália, Giorgia Meloni, considerou que os disparos do exército israelita contra os capacetes azuis “não são aceitáveis”. “O quartel-general da FINUL e duas bases italianas foram atingidas por disparos das forças israelitas. Isso não é aceitável e viola o que está estabelecido”, destacou a chefe do executivo. A diplomacia de Roma convocou mesmo o embaixador israelita para explicar o sucedido.
O ministro dos Negócios Estrangeiros português, Paulo Rangel, condenou também que os militares da ONU “possam ser alvos intencionais” da incursão israelita naquele território. “Isto é inaceitável e merece uma forte condenação”, criticou, acrescentando que é uma “questão que põe em causa a segurança da população libanesa e dos próprios militares da Força Interina das Nações Unidas no Líbano”.
O chefe do governo espanhol, Pedro Sánchez, elevou o tom, pedindo o embargo da venda de armas a Israel. Bastante crítico das atuação das IDF ao longo do conflito e sendo um dos principais dinamizadores do reconhecimento do Estado da Palestina na Europa, o socialista afirmou ser “urgente”, que, “à luz de tudo o que está a acontecer no Médio Oriente, a comunidade internacional pare de exportar armas para Israel”.
Na mesma linha, outro líder a defender um embargo à venda de armas a Israel foi o Presidente francês. Emmanuel Macron considera que a “prioridade” é que se “regresse a uma solução política” para parar os conflitos no Médio Oriente — e que o armamento entregue a Telavive está a complicar a situação no Médio Oriente. Porém, o Chefe de Estado foi bastante criticado pelas suas declarações, inclusivamente por membros da coligação centrista, de que é o rosto principal.
Mas se a Europa tem criticado a atuação de Israel, os Estados Unidos são mais tíbios nas condenações e nem colocam em cima da mesa deixar de vender as armas a um dos seus maiores aliados. E no futuro não deverá ser diferente, mesmo com a saída de Joe Biden da Casa Branca. Os candidatos às eleições presidenciais, Donald Trump e Kamala Harris, apoiam igualmente a defesa de Israel e um embargo da venda de armamento está completamente posto de parte.